O mundo mudou. O diagnóstico do Partido Democrata para os Estados Unidos

Por Mary Anne Junqueira, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e do Instituto de Relações Internacionais da USP

 Publicado: 09/09/2024 às 17:19
Mary Anne Junqueira – Foto: Acervo pessoal
As eleições que ocorrerão em novembro nos Estados Unidos já são uma das mais eletrizantes do período recente. Após as reviravoltas das duas campanhas nas últimas semanas — do atentado contra Donald Trump à nomeação da candidata Kamala Harris pelo Partido Democrata —, a imprevisibilidade impera, com ligeira alta para a segunda nas pesquisas.

Harris recentemente previu um possível controle de preços, o que lhe rendeu imediatamente o rótulo de populista dentro e fora dos Estados Unidos. Na mesma esteira, nos discursos de campanha, a candidata assegura que o Partido Democrata luta pelos trabalhadores e pela família.

O melhor seria ver o anúncio de Harris imerso em uma determinada interpretação do mundo por parte de especialistas, políticos ou não. Os indícios são de que o Partido Democrata atua a partir de um diagnóstico da situação nos Estados Unidos, mas alcançando o planeta: entre outros, a crise e as promessas não cumpridas do neoliberalismo foram responsáveis pelo deslocamento da extrema direita das margens ao centro da cena política. Resultado: o Partido Republicano foi tomado de assalto, agora nas mãos do personalista Donald Trump. Tal alteração atinge não apenas o partido de Trump, mas o sistema político do país que sistematicamente opera para evitar os extremos.

Por essa lógica, o ciclo dos últimos governos democratas estaria encerrado: Bill Clinton nos anos 1990, apogeu do neoliberalismo no país; e, apesar do seu lugar de honra, Barack Obama, que governou colado na crise de 2008. O colapso que lançou inúmeros ao desemprego e inadimplência. Muitos com salários rebaixados, desocupados, descontentes e ressentidos abandonaram o campo democrata para encontrar abrigo sob o guarda-chuva do Partido Republicano de Donald Trump — que acusa o sistema e lhes promete regeneração.

O mesmo diagnostico orientou o moderado Joe Biden em medidas internas: criação de 15 milhões de empregos, investimentos de cerca de US$ 5 trilhões na infraestrutura física e social do país, reforço da lei antitruste que desagradou alguns das big-techs, além de ter estabelecido aproximação com sindicatos. Em setembro de 2023, o presidente visitou a planta da General Motors, em Michigan, em plena greve do setor.

A tentativa de recuperar para o Partido Democrata parte da base perdida ainda orienta o mandatário. Já na política externa, Biden apostou na ofensiva da primazia dos Estados Unidos num mundo que lhes ameaça tirar o primeiro posto. O presidente, a poucas semanas de deixar a Casa Branca, se ressente de não receber o devido reconhecimento pelos feitos internos, enquanto ainda no cargo.

As indicações são de que, se eleita, Kamala Harris vai marcar diferença com Joe Biden, mas atuará dentro do diagnóstico dos estrategistas do Partido Democrata. O mundo mudou e ainda não entendemos muito bem onde estamos pisando. Além de certificar o Partido Democrata nos trilhos, recuperar antigos adeptos, e promover prosperidade no país cuja inflação ameaça, Harris deve se unir a outros governantes no desafio de zelar pela democracia num mundo instável. Não se trata de tarefa fácil.

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