O junco e a jangada: uma rota para a colaboração acadêmica entre China e Brasil

Por Ricardo Trindade, Thaís Vieira e Marly Babinski, respectivamente coordenador, vice-coordenadora e membro do Conselho Gestor, Ciências da Terra do Centro USP-China, e outros autores*

 05/12/2024 - Publicado há 1 mês     Atualizado: 07/01/2025 às 13:56
Ricardo Trindade – Foto: Arquivo pessoal
Thais Maria Ferreira de Souza Vieira – Foto: Researchgate
Marly Babinski – Foto: Arquivo pessoal
Aluisio Segurado – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Carlos Eduardo Ambrósio – Foto: FZEA
Sergio Persival Baroncini Proença – Foto: Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional
Cecilia Antakly de Mello – Foto: ECA-USP
Antonio Mauro Saraiva – Foto: IEA

Leia este conteúdo em InglêsA Universidade de São Paulo (USP), líder em produção científica na América Latina, e a China, potência global em ciência e tecnologia, compartilham uma visão comum: a de que a pesquisa e a colaboração acadêmica são os pilares para a construção de um futuro mais equitativo, sustentável e inovador.

Essa sinergia ganha forma no Centro USP-China, uma iniciativa estratégica da Reitoria da USP, que busca fortalecer a interlocução entre as duas nações, cujas contribuições à ciência e à cultura ultrapassam fronteiras.

Esse movimento de aproximação ocorre em um momento singular do panorama geopolítico mundial, com disputas territoriais e conflitos armados em diferentes regiões do mundo e a recente vitória de projetos protecionistas em países com influência regional e global. Em artigo recente na Folha de S. Paulo, o presidente chinês Xi Jinping convidou o Brasil a navegar junto com seu país “sob velas cheias”. Mas como fazer o junco chinês e a jangada brasileira navegarem juntos, de forma rápida e segura, em mares geopolíticos tão agitados? O caminho parece ser o da cooperação e o da multilateralidade nas relações acadêmicas.

A China é o principal parceiro comercial do Brasil, com um comércio bilateral que, somente em 2024, já movimentou US$ 110 bilhões, resultando em um superávit de US$ 29 bilhões para o Brasil. Mas a parceria entre os dois países transcende o comércio e apresenta potencialidades imensas no âmbito acadêmico. A China, líder global em áreas como ciência de dados e engenharia, encontra no Brasil, com sua expertise em sustentabilidade, biodiversidade, agricultura e segurança alimentar, um parceiro de forças complementares.

No entanto, o enorme potencial da parceria sino-brasileira em ciência e tecnologia enfrenta desafios substanciais. Barreiras linguísticas e culturais ainda dificultam o intercâmbio acadêmico e a distância geográfica impõe custos significativos à mobilidade de estudantes e pesquisadores. Além disso, a centralização administrativa das instituições chinesas contrasta com a fragmentação do sistema acadêmico brasileiro, exigindo esforços coordenados de ambas as partes para que uma colaboração acadêmica mais dinâmica entre as instituições dos dois países floresça.

Com esse intuito a USP vislumbrou, com a recente criação do Centro USP-China, uma oportunidade para consolidar sua posição estratégica entre Brasil e China. Com mais de quatro mil artigos publicados em parceria com instituições chinesas na última década e 40 acordos bilaterais ativos, a USP já desponta como protagonista neste diálogo. A criação do Centro USP-China confere uma nova dimensão a esta trajetória, com a missão de coordenar atividades acadêmico-científicas e promover uma visão integrada que combine excelência acadêmica, independência e rigor ético na pesquisa.

A governança do centro inclui um Conselho Gestor, com docentes da USP de diferentes áreas, e um Conselho Consultivo, com representantes da China e do Brasil. Esses órgãos são responsáveis por mapear demandas de pesquisa, facilitar o diálogo acadêmico por meio de plataformas digitais, fomentar intercâmbios de estudantes e pesquisadores, e organizar eventos que aproximem ainda mais as duas nações.

A estratégia do Centro USP-China apoia-se em eixos temáticos alinhados com grandes desafios globais. Isso inclui a transição agroalimentar sustentável, segurança alimentar e a redução de emissões de carbono, posicionando o Brasil como ator importante no enfrentamento das mudanças climáticas. Para tanto, parcerias estratégicas estão em fase de implementação. Um exemplo são as relações com a Chinese Academy of Agricultural Sciences, iniciadas após visita institucional à China. Da mesma forma, após a participação de professores da USP em eventos junto a instituições chinesas e de professores chineses convidados a integrarem eventos da área do Brasil, novas parcerias estão sendo desenhadas com a Zhejiang University e Henan Agricultural University, ao mesmo tempo em que parcerias já estabelecidas com a Chinese Agricultural University se consolidam. Tal colaboração já é acompanhada de iniciativas concretas, como a participação de pesquisadores da USP e de instituições chinesas na Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.

O eixo temático de geociências tem foco em energia e meio ambiente. Como parte dessa temática, um encontro entre pesquisadores da USP e pesquisadores do Institute of Geology and Geophysics da Chinese Academy of Sciences ocorreu no início de outubro no Centro USP-China, durante o 2024 Annual Symposium on Geology of Brazil and China. No evento, temas como a evolução dos continentes e depósitos minerais estratégicos foram abordados. Os esforços conjuntos na área de geociências vão além e focam na transição energética, na mitigação de desastres naturais e na conservação da biodiversidade.

Na área de astronomia e ciências aeroespaciais, destaca-se a participação dos dois países em grandes consórcios internacionais de observação astronômica e no desenvolvimento conjunto de tecnologia espacial. As parcerias nesses dois eixos temáticos estão fortemente ligadas à Chinese Academy of Sciences.

A colaboração em ciências da saúde, por sua vez, inclui pesquisa em neurociências, medicina de precisão e doenças infecciosas, com foco na abordagem “saúde única”, que reúne conhecimentos da saúde humana e saúde ambiental. Com o uso de tecnologias, como inteligência artificial, busca-se gerar impactos concretos na saúde global.

Por fim, no campo das humanidades há colaborações no ensino de línguas, coproduções cinematográficas e práticas sustentáveis em design e arquitetura. O evento Looking China, realizado no início de novembro, marcou a celebração de um histórico de atividades conjuntas entre a USP e a Beijing Normal University na área de cinema. A assinatura de dois memorandos de entendimento com a Tsinghua University, um geral e um específico para a área de Arquitetura, também coincidiu com a inauguração da sede física do Centro USP-China. A promoção de intercâmbios culturais e iniciativas como o Ano Cultural Brasil-China, em 2026, serão fundamentais no desenvolvimento deste eixo temático.

Adicionalmente, os temas da sustentabilidade, big data e inteligência artificial serão transversais a todos os eixos.

O Centro USP-China prevê uma infraestrutura física, com uma sede no campus da Capital-Butantã e planos para escritórios em outros campi da USP. Essa estrutura permitirá não apenas o acolhimento a comitivas de diferentes universidades e instituições acadêmicas da China, mas também a recepção de pesquisadores para estadias prolongadas em nossa universidade.

O Centro USP-China simboliza uma estratégia abrangente e visionária para consolidar a liderança sino-brasileira no Sul global. Ao integrar ciência, cultura e inovação, o centro pretende contribuir para um mundo mais justo, sustentável e inclusivo. Navegando “sob velas cheias”, o junco e a jangada poderão desbravar novos caminhos de colaboração que beneficiarão não apenas as duas nações, mas toda a comunidade internacional.

* Aluisio Segurado, membro do Conselho Gestor, Saúde, Carlos Eduardo Ambrósio, membro do Conselho Gestor, Ciências Agrárias e Zootecnia, Sérgio Proença, membro do Conselho Gestor, Ciências Espaciais, Cecília Mello, membro do Conselho Gestor, Humanidades, Cinema, e Antonio Mauro Saraiva, membro do Conselho Gestor, Inteligência Artificial, todos do Centro USP-China
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