O impacto social da pesquisa ambiental da USP

Por Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências e do Instituto de Estudos Avançados da USP, e Ana Maria Nusdeo, professora da Faculdade de Direito da USP

 28/11/2022 - Publicado há 1 ano

Jean Paul Metzger – Foto: Arquivo pessoal
Ana Maria de Oliveira Nusdeo – Foto: Cecília Bastos/USP Imagem
As múltiplas facetas da crise ambiental ficaram ainda mais evidentes nestes últimos anos com os efeitos devastadores da pandemia pelo mundo. Para além da intensificação de secas, temporais, alagamentos, deslizamentos, em grande parte devidos às mudanças climáticas, presenciamos uma intensificação na perda, fragmentação e degradação de habitats naturais, que ameaçam a sobrevivência de milhares de espécies. Nas últimas décadas, fomos ainda acometidos por diversas emergências de zoonoses, incluindo malária, dengue, zika, febre amarela, culminando com a pandemia da covid-19. Todos esses fenômenos evidenciam a necessidade de cuidarmos melhor do ambiente em que vivemos. Nossa saúde e bem-estar estão estreitamente ligados à saúde planetária e a um ténue equilíbrio na nossa relação com as demais espécies. Neste contexto, a pesquisa na área ambiental é crucial para encontrarmos os melhores caminhos para uma vida em harmonia com a natureza e para um desenvolvimento mais saudável e sustentável.

O Brasil e, em particular, a Universidade de São Paulo (USP) têm papel de destaque na pesquisa ambiental. Segundo dados do Scimago Journal & Country Rank, o Brasil é o 12o país com maior número de publicações nesta área de conhecimento, e a depender da subárea considerada, estamos no “top 10”. As publicações brasileiras nesta temática têm em média 11 citações por artigo, colocando a pesquisa ambiental como uma das de maior impacto feitas no Brasil.

No âmbito nacional, a USP se sobressai, sendo responsável por cerca de um quinto desta produção. Entre 2012 e 2021, a USP publicou cerca de 10 mil artigos em ciência ambiental, reunindo cerca de 9 mil autores numa grande variedade de tópicos, que incluem estudos de ecologia, poluição, mudanças globais e planetárias, manejo de águas e esgotos, conservação da natureza, engenharia química e ambiental, dentre outros (dados Scival).

Para além do impacto acadêmico, medido em número de citações, a pesquisa ambiental feita na USP tem impacto social, que se concretiza de diferentes formas. Esse impacto pode ser visto no desenvolvimento de normas, resoluções, decretos ou leis na área ambiental, no embasando de planos de ocupação territorial (por exemplo, planos diretores, zoneamentos ecológico econômicos, planos de desenvolvimento regional, planos de manejo de Unidades de Conservação), ou ainda em subsídios para ações voltadas para a sustentabilidade, como no caso dos planos de ação climática ou de normas privadas de certificação ambiental.

Diversos são os exemplos de pesquisas com impacto social lideradas pela USP. Esse é o caso de estudos promovidos pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz que vêm auxiliando o governo paulista para a implementação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa no estado. É também o caso dos planos de manejo integrado do fogo e de controle de espécies exóticas no cerrado, tradicionalmente desenvolvidos pelo Instituto de Biociências. Outro exemplo são as análises sobre a efetividade e qualidade de estudos de impacto ambiental, promovidas por pesquisadores da Escola Politécnica, que visam aperfeiçoar o processo nacional de licenciamento ambiental. No âmbito da pesquisa focada na sustentabilidade, podemos citar os trabalhos de pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública que vêm subsidiando a atuação da Prefeitura de São Paulo no desenvolvimento de uma produção agrícola sustentável no sul do município. No ambiente oceânico e costeiro, destacam-se os trabalhos dos pesquisadores do Instituto Oceanográfico, que embasaram um plano de desenvolvimento sustentável da Baía do Araça, uma área de grande risco de impactos socioambientais devido à expansão do Porto de São Sebastião. Esses são apenas alguns exemplos, dentre muitos outros, que mostram que a pesquisa ambiental feita na USP tem impacto na sociedade e ajuda a promover uma melhor qualidade de vida.

No entanto, apesar destes impactos sociais já serem significativos, eles ainda são dependentes de esforços de alguns (poucos) grupos de docentes que se propõem a trabalhar na interface da ciência com a política pública. Por não ser uma iniciativa institucional, apoiada de forma planejada pela Universidade, várias falhas transparecem nas relações da USP com a sociedade. Oportunidades de atuação não são identificadas, ou então são percebidas de forma atrasada, como no caso da revisão do Código Florestal em 2012. Convênios ou acordos de colaboração com o governo ou com órgãos não-governamentais transitam de forma lenta, levando a um descompasso nos tempos da pesquisa em relação às demandas da sociedade, e à perda de janelas de atuação. A falta de estímulo e de reconhecimento da pesquisa de impacto social, diante da supervalorização de critérios puramente acadêmicos, faz com que muitos jovens pesquisadores não se sintam motivados para atuarem nesta área.

A capacidade e as possibilidades de impacto social das pesquisas na produção de políticas públicas, em especial na área ambiental, têm sido objeto de reflexões: porque muitas decisões de políticas públicas não levam em consideração as evidências científicas? As possíveis respostas mostram a necessidade de construir uma relação bidirecional – uma via de mão dupla – entre a pesquisa e as políticas públicas. Essa relação permite que a própria formulação de perguntas de pesquisa se dê em bases mais próximas aos problemas de política pública, possibilitando a co-construção de um conhecimento mais útil e utilizável pelos atores sociais.

Para potencializar a pesquisa ambiental de impacto social, será necessário, portanto, um esforço institucional que facilite colaborações, abra espaços para sínteses e discussões transdisciplinares e co-construção de saberes, promova a pesquisa colaborativa orientada a solução de problemas, valorize produtos oriundos destas interações, dando assim maior credibilidade, relevância e legitimidade na interação da USP com a sociedade.

O grupo de pesquisadores do Eixo Meio Ambiente, do programa Eixos Temáticos, identificou algumas frentes de avanço das políticas públicas em que essa aproximação pode ser virtuosa, partindo de convergências entre o conhecimento acumulado e agendas da sociedade. Alguns exemplos se referem à questão das mudanças climáticas, da proteção da vida terrestre e da vida na água, conforme detalhado abaixo.

O tema das mudanças climáticas envolve ações de mitigação e adaptação nos mais diversos setores econômicos e sociais. O primeiro deles é a redução do desmatamento em todos os biomas brasileiros. A academia pode contribuir para esse objetivo de formas distintas, incluindo o desenvolvimento de métodos de monitoramento, a proposição de indicadores e metas de conservação, até a análise da adequação ambiental para responsabilização e punição do desmatamento ilegal. Outro importante objetivo identificado é o da implementação do Plano nacional de Adaptação, aprovado em 2016. A adaptação às mudanças climáticas implica em ações em muitos setores sociais, envolvendo desde ações na saúde, onde a ciência tem papel central no estudo da propagação de doenças e zoonoses resultantes das alterações do clima, até medidas de controle e prevenção a serem tomadas no âmbito local. A ação climática também está relacionada com a implementação de planos de restauração ecológica, com o incentivo para energias renováveis, com o desenvolvimento e suporte técnico para a agricultura de baixo carbono, com a adaptação das cidades aos eventos extremos, sendo todos esses desafios campos férteis para a interação da USP com a sociedade.

No tema da vida terrestre, para além dos desafios comuns à agenda climática (como a redução do desmatamento, a promoção da restauração e de técnicas de produção de baixo carbono), destacamos questões ligadas à conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos que beneficiam diretamente nosso bem-estar. Para tanto, será necessário não apenas criar Unidades de Conservação, mas também desenvolver planos de manejo sustentável de recursos naturais, incorporar serviços ecossistêmicos (como os de polinização e controle biológico) em sistemas produtivos mais sustentáveis, e incentivar proprietários particulares a promoverem ações positivas para a conservação, através de políticas de indução, como os pagamentos por serviços ambientais, entre muitas outras ações que requerem uma estreita interação da academia com a sociedade.

Com relação à vida marinha, sendo o Brasil um país com cerca de 8 mil quilômetros de costa litorânea, sua responsabilidade na manutenção do oceano limpo, saudável e resiliente é indiscutível. Para tanto, é preciso compreender e combater os efeitos sinérgicos e cumulativos das mudanças climáticas, tais como a acidificação, a elevação do nível do mar, o aumento da frequência e magnitude de eventos extremos, para além do controle dos vetores locais de degradação ambiental. Todos esses desafios são campos de atuação da ciência em colaboração com os gestores e formuladores de políticas públicas.

Diante de todos esses desafios e do novo cenário político que se apresenta no Brasil para os próximos anos, a pesquisa de alta relevância social será essencial para caminharmos em direção a sistemas mais biodiversos, resilientes e sustentáveis, adaptados às mudanças climáticas que estão por vir, e resistentes aos riscos de novas pandemias. Precisamos de uma ciência útil e utilizável, que nos ajude a cuidar do planeta e de nós mesmos. Para tanto, precisamos que essa ciência de impacto social, em particular na área ambiental, seja incorporada institucionalmente dentro da USP.

Também participam deste eixo temático os seguintes pesquisadores da USP: Gabriela di Giulio (Faculdade de Saúde Pública), Ilana Wainer (Instituto de Oceanografia), Vânia Pivello (Instituto de Biociências), Alexandre Igari (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), Sonia Paulino (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), Paulo Artaxo (Instituto de Física), Alexander Turra (Instituto de Oceanografia), Pedro Brancalion (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), Luis Sanchez (Escola Politécnica) e Sueli Furlan (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).


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