O Direito Humano à Alimentação Adequada como diretriz de políticas públicas

Por Dirce Maria Lobo Marchioni, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, e Cláudia Maria Bógus, professora da FSP-USP e membro do Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP*

 21/12/2022 - Publicado há 1 ano

Dirce Maria Lobo Marchioni – Foto: Arquivo pessoal
Cláudia Maria Bógus – Foto: Arquivo pessoal

 

O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No Brasil, resultante de amplo processo de mobilização social, em 2010 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 64, que inclui a alimentação no artigo 6º da Constituição Federal: “O direito humano à alimentação adequada consiste no acesso físico e econômico de todas as pessoas aos alimentos e aos recursos, como emprego ou terra, para garantir esse acesso de modo contínuo”. O DHAA se articula com a Segurança Alimentar e Nutricional, que ficou definida na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) em 2006, como a “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”. Nestes conceitos encontram-se embutidos tanto os processos de disponibilidade (produção, comercialização e acesso ao alimento) como o consumo alimentar e sua relação com a saúde, mas também evidencia a relevância dos aspectos culturais e incorpora a preocupação com a sustentabilidade ambiental.

Não é possível ter uma alimentação saudável sem que esta seja sustentável em todas as suas dimensões. No entanto, o sistema alimentar global, hoje, não é sustentável e, paralelamente, o mundo enfrenta a sindemia global, uma junção das pandemias de obesidade e desnutrição com as mudanças climáticas. Para a superação dos desafios será necessário olhar para os sistemas de produção, as atividades da cadeia de suprimentos, os ambientes alimentares, o consumo alimentar e o comportamento dos consumidores, envolvendo múltiplos atores, ou seja, pensar em sistemas alimentares justos, resilientes e que sejam capazes de apoiar a adoção de dietas sustentáveis.

Nesse sentido, trazemos o conceito de dieta sustentável: “Dietas sustentáveis são aquelas dietas com baixo impacto ambiental que contribuem para a segurança alimentar e nutricional e à vida saudável para as gerações presentes e futuras. As dietas sustentáveis devem proteger e respeitar a biodiversidade e ecossistemas, ser culturalmente aceitáveis e acessíveis, economicamente justas e acessíveis; nutricionalmente adequadas, seguras e saudáveis; além de otimizar recursos naturais e humanos”.

Os principais componentes, determinantes, fatores e processos de uma dieta sustentável incluem:

1) bem-estar, saúde;
2) biodiversidade, meio ambiente, clima;
3) equidade, comércio justo;
4) alimentos ecológicos, locais, sazonais;
5) patrimônio cultural, habilidades; e
6) necessidades de alimentos e nutrientes, segurança alimentar e acessibilidade.

Os componentes se relacionam e se influenciam mutuamente e precisam ser considerados na elaboração e desenvolvimento de políticas públicas de forma a alcançar sua eficiência.

Essas políticas devem envolver a equidade no acesso à terra e recursos socioeconômicos aos pequenos produtores, sobretudo às mulheres, minorias e aqueles com menos recursos financeiros. Também devem estar voltadas para o incentivo às relações positivas entre áreas urbanas, periurbanas e rurais; práticas de compras públicas sustentáveis, incluindo alimentos; medidas que controlem as mudanças climáticas, incluindo a regulação do uso de agrotóxicos, o desmatamento e o modo de produção de alimentos; e a garantia de que essas políticas sejam cumpridas e que seu monitoramento seja transparente.

Para não perder de vista o alcance do direito humano à alimentação adequada como diretriz das políticas, é importante uma contínua atuação da universidade em prol da formação de cidadãos por meio da difusão de conhecimentos quanto aos conceitos elencados anteriormente junto a indivíduos e grupos populacionais, para fomentar sua participação na elaboração e controle social das políticas sociais. Também é papel da universidade a realização de estudos, pesquisas e ações de extensão universitária com caráter interdisciplinar e humanista, baseados no desenvolvimento de competências políticas e éticas dos envolvidos.

* Membros do GT USP Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome
E-mail GT – grupocombatefome@usp.br


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