Morre Ecléa Bosi, pesquisadora fundamental da psicologia social

Elcio Silva é jornalista e assessor de imprensa da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária e especialista na ECA

 10/07/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 14/07/2017 as 11:48
Elcio Silva – Foto: Rodrigo Monteiro
Falar sobre Ecléa Bosi e sua contribuição para a Universidade de São Paulo é antes de tudo um desafio difícil de ser cumprido. É necessário entender a relevância de seus feitos para a sociedade para entrarmos no mérito de suas contribuições, não só para a maior universidade da América Latina, como também para a psicologia social e a terceira idade, com importantes estudos sobre memória, cultura e sociedade, que inspiraram inúmeros outros pesquisadores do Brasil.

Entre suas obras mais conhecidas, não só pelo valor acadêmico e cultural, mas também pela ótica como enxergava a velhice, Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos é um recorte, a partir de depoimentos de idosos que viveram desde a infância na cidade de São Paulo, que se revelou, já em 1979, ano de sua publicação, importante material sobre psicologia social e sobre a construção da cidade pelos seus fazedores. Ela trouxe os coadjuvantes do cenário social para o protagonismo, a partir de uma historiografia narrativa criada a partir das vozes dos velhos.

Esse pioneirismo com relação aos idosos fez com que ela criasse em 1994, antecipando-se, portanto, à promulgação do Estatuto do Idoso, o Programa Universidade Aberta à Terceira Idade da USP (Uati), que oferece milhares de vagas para maiores de 60 anos em disciplinas regulares da graduação e em atividades complementares, promovendo um encontro geracional com os jovens graduandos.

Em homenagem aos 23 anos de serviços prestados pela professora Ecléa à Uati, a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP exibiu na sessão do Conselho de Cultura e Extensão do dia 9 de março de 2017 um vídeo produzido especialmente para a ocasião, no qual a professora Meire Cachione (EACH-USP) destaca a importância do trabalho realizado por Ecléa na inserção ativa do idoso na sociedade.

“O idoso estava à margem da pesquisa científica e a própria psicologia não entendia o idoso como alguém dentro de um processo de desenvolvimento. As obras desse período trazem isso de maneira muito forte dentro da psicologia. Não devemos só fazer um investimento da infância ou do adolescente, que até então dentro da psicologia do desenvolvimento era o que trabalhávamos” relata.

A sra. Neuza Carvalho, aluna do programa, exalta, no mesmo vídeo, as marcas deixadas por Ecléa Bosi.

“Na minha vida, a Ecléa Bosi é uma das pessoas que deixaram marcas. Marcas de todas as maneiras, não só de conhecimento, mas de relacionamento pessoal, mudanças de atitudes e de preconceitos mesmo”, revela.

Marilena Chauí, em artigo para o volume 19 da revista Psicologia USP, publicado em 2008, realça a postura firme de Ecléa com suas convicções.

“Por volta de 1967, quando vi a Ecléa e o Alfredo pela primeira vez, na casa de Lúcia e Bento Prado, a Lúcia me disse: “Aquela é a Ecléa Bosi. Ecléa não toma aspirina porque a Bayer se comprometeu com os campos de concentração nazistas”. Isso para mim definiu para sempre a Ecléa. Da recusa da aspirina, ontem, à luta contra as usinas nucleares, hoje, ela é capaz de atitudes e gestos que, enquanto tais, não mudam o mundo e, no entanto, exigem uma mudança completa de nossa relação com o mundo. Exatamente como Espinosa pensa a virtude: esta não muda o mundo e sim a nossa relação com ele. É o sentido do mundo que se transforma em nós e para nós; e essa mudança poderá, quem sabe? mudar alguma coisa no mundo.”

Ecléa iniciou sua vida na USP há mais de meio século, precisamente 54 anos desde o início da graduação no curso de Psicologia, em 1963. De lá para cá nunca havia parado. Na formação acadêmica obteve os títulos de mestrado, doutorado, livre-docência. Como docente desenvolveu suas atividades no Instituto de Psicologia, com linha de pesquisa ligada aos fenômenos histórico-culturais com ênfase na psicologia social. Em 1994 criou de forma pioneira o programa Universidade Aberta à Terceira Idade, que atende cerca de 9 mil idosos anualmente e está na sua 47ª edição. Em 2008 recebeu o título de Professora Emérita da USP, em 2009, o prêmio ARS Latina por Memória e Sociedade e, em 2011, os prêmios Loba Romana do Ano Brasil-Itália e Averrões.

 


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