Meio ambiente e educação no Brasil

Por Sahda Marta Ide, professora da Faculdade de Educação da USP, e Juliana Costardi Ide, graduada em Gestão Ambiental da Universidade Paulista

 30/03/2023 - Publicado há 1 ano
Sahda Marta Ide – Foto: Arquivo Pessoal
Juliana Costardi Ide – Foto: Arquivo Pessoal

 

O planeta Terra tem um ciclo de vida que acontece de forma natural, sob o controle da natureza, como a água, o solo, a flora, a fauna, os minerais, entre outros elementos, e todos eles foram fundamentais para o desenvolvimento e sobrevivência dos seres racionais e irracionais. Entretanto, o fato de ser diferente dos outros seres vivos da natureza, por ser racional e social, levou o homem a modificar o ambiente natural e à construção de empreendimentos socioeconômicos.

Mas isso aconteceu de forma abusiva, tornando suas ações cada vez mais agressivas ao ambiente natural, mesmo que tentasse controlá-las. Por isso, atualmente, a questão ambiental é um assunto de maior relevância na agenda de debates mundiais, devido aos seus impactos sobre a natureza e consequentemente sobre a vida do ser humano, seja do ponto de vista econômico, social, cultural, saúde, educação, entre outros.

Essas ações provocam a mudança climática, ou seja, o efeito estufa, que influi de forma assustadora na biodiversidade do planeta Terra. Portanto, neste artigo, analisar-se-á, de forma abrangente, os aspectos econômicos, sociais, culturais, da saúde e da educação ocasionados pela não preservação da natureza de forma consciente e sustentável do meio ambiente brasileiro. São análises baseadas nos estudos da cientista atmosférica Katharine Hayhoe sobre as mudanças climáticas. Ela é a responsável pelo portfolio mais amplo, em defesa do clima global e trabalho de adaptação científica e chefe científica da The Nature Conservancy (TNC), que é uma organização de conservação global dedicada a conservar as terras, águas, mares e oceanos.

Iniciar-se-á a discussão pelos aspectos econômicos do Brasil, pois deles dependem todos os outros desenvolvimentos. A dinâmica de modernização e industrialização de economia na década de 80 do passado século, no Brasil, foi ditada por um paradigma desenvolvimentista, voltado para o crescimento econômico, ignorando os custos sociais e ambientais deles decorrentes, o que provocou um cenário de pobreza e agravamento ambiental.

Embora seja um país com uma das maiores biodiversidades do mundo, há muita agressão ao ambiente natural, com desmatamentos e destruições irrecuperáveis das florestas, principalmente da Amazônia, além do Pantanal, Mata Atlântica, Cerrados, entre outros, por meio de incêndios, crimes contra as terras indígenas e quilombolas, busca desordenada de minerais com garimpos ilegais, que contaminam rios com mercúrio, efetuados por organizações criminosas, além de assassinatos de ambientalistas, com ausência total da ação governamental e órgãos de proteção como o Ibama e a Funai, dentre muitos outros responsáveis pela preservação do ambiente natural brasileiro.

A agricultura e a pecuária também tiveram grande responsabilidade na devastação do meio ambiente, bem como os centros urbanos e industriais, pois, na sua maioria, desrespeitam os ecossistemas da Terra e do mar, com desmatamentos em áreas de preservação ambiental. As indústrias, em sua maioria, foram muito descuidadas na produção de poluentes que provocam o efeito estufa.

São as classes sociais mais desfavorecidas que sofrem os maiores impactos e desastres ambientais, inclusive fome, uma vez que dispõem de menores recursos para se recuperarem de desastres ambientais e suas consequências, principalmente àquelas relacionadas ao dinheiro, ao estresse, entre outras, perpetuando o ciclo da desigualdade. Mesmo quando estes grupos agridem o ambiente natural, na sua grande maioria, o fazem para ter alimento e água para sua sobrevivência.

Nos aspectos sociais, pode-se perceber a violência de gênero, principalmente após esses desastres ambientais, uma vez que eles desestabilizam finanças, limitam o acesso à água e alimento, intensificando as vulnerabilidades existentes, como o isolamento, a sobrecarga das redes de serviço e apoio, desigualdade e violência de gênero, entre muitos outros. Segundo a professora Laura dos Santos Rougemont da Universidade Federal Fluminense (UFF), os maiores índices de violência contra a mulher do campo estão na Amazônia e está generalizada por todo o País, conforme diz a imprensa nacional.

De acordo com a professora, a causa dessa violência contra as mulheres se dá por ausência da ação governamental, que é o principal regulador do espaço, uma vez que as “forças privadas” se apropriam e estabelecem suas próprias leis, por conta dos latifundiários e agentes econômicos do ramo da mineração, que possuem um controle muito grande nos Estados.

Outro problema social relevante é o que ocorre com os jovens brasileiros com idade até 16 anos das classes desfavorecidas das comunidades, que, além da falta de condições socioeconômicas, afetivas, educação de qualidade, violência física e moral, pela família, pela sociedade e pelo Estado, caem na delinquência juvenil, na marginalidade, por falta de oportunidades e assistência adequada.

O que falta a estes jovens é não ter tido uma vida digna desde seu nascimento e, ao cometerem atos ilícitos, necessitam ter uma reeducação efetiva, de qualidade, lazer, oportunidades, para que não cometam mais estas ações e caiam, novamente, nas mãos de criminosos.

Portanto, para evitar tais situações, quando encaminhados para centros de reabilitação, precisam ser acompanhados por equipes multidisciplinares especializadas nestes comportamentos inadequados e monitorados até adquirirem responsabilidade, consciência social, econômica para seu autossustento.

É este o papel do Estado, da sociedade, da escola e da família, caso esta última tenha condições para exercer esta incumbência adequadamente. É um trabalho exaustivo, difícil, custoso e demorado, porém é única maneira de diminuir as consequências catastróficas na vida das crianças e jovens brasileiros.

Quanto ao aspecto cultural, um dos seus maiores problemas está na segregação racial, assunto relevante e de grande importância mundial. No Brasil, este problema tem raízes profundas na história e no desenvolvimento da população brasileira.

Nos EUA, durante o governo do presidente Kennedy, passaram a validar ações sobre este assunto, ao criar as cotas, com o objetivo de auxiliar as pessoas pobres e negras a diminuírem a desigualdade entre elas e as classes sociais brancas mais favorecidas da sociedade americana. Este governo pretendia, com estas políticas de cotas, diminuir a discriminação social advinda da pigmentação da pele e dos combates entre o Norte e o Sul do país. Entretanto, o que ficou foi a insuficiência de tais ações para incluir toda a população negra.

Em junho de 2007, a suprema corte dos EUA decidiu que a raça de uma criança não seria mais requisito preponderante para determinar onde ela deveria estudar, e os sistemas de cotas raciais que eram adotados foram abolidos, pois beneficiavam somente a classe média negra, ao invés de todas as classes desfavorecidas desta população, que pelo Censo americano de 2018, está em torno de 28,8%.

No Brasil, as cotas raciais estão inclusas dentro de um campo mais amplo denominado “ações afirmativas”, ou seja, “políticas públicas feitas pelo governo ou pela iniciativa privada com o objetivo de corrigir desigualdades raciais presentes na sociedade, acumuladas ao longo dos anos”. Para isto, as ações afirmativas oferecem a todos aqueles que não tiveram igualdade de oportunidades, que foram vítimas de discriminação racial, social, econômica, saúde física e mental, as cotas, bônus, fundos de estímulo, bolsa de estudo, empréstimos e, preferencialmente, contratações públicas, entre muitas outras. Seus defensores acreditam que essas ações corrigem erros do passado (como a escravidão) a partir de políticas públicas feitas no presente.

As cotas raciais implementadas nas universidades ou em qualquer outra instituição teriam, segundo os critérios das ações afirmativas, a função de possibilitar que descendentes de ex-escravos negros brasileiros tivessem condições de competir de igual para igual com os descendentes brancos. Os críticos das cotas raciais acreditam que essas ações afirmativas, ao invés de promoverem a igualdade e a tolerância, promovem exatamente o contrário, ou seja, a desigualdade e a intolerância.

As cotas raciais certamente não resolvem o problema de forma pronta e acabada do passado escravagista brasileiro, mas também não podem ser reduzidas a instrumentos ineficazes e até nocivos em qualquer contexto em que sejam aplicadas. No Brasil, o racismo ambiental possui uma estruturação social diferente dos EUA, uma vez que está mais vinculado não só às etnias, mas sim às desigualdades socioeconômicas advindas desde a abolição da escravidão, pois os negros foram completamente abandonados à sua própria sorte, e ainda continuam, basta observar as pessoas que habitam perto dos lixões. Nesses locais se nota que quase 100% delas são negras, pardas e de baixa renda.

Quanto ao aspecto da saúde, na Constituição de 1988 consta o Direito Universal e Igualitário do Cidadão, que estabelece o direito a um meio ambiente equilibrado com condições de saneamento básico, moradia, água potável, condizentes com uma vida digna e com saúde ambiental para todos os seres humanos.

Logo, o meio ambiente influencia a saúde humana, positiva ou negativa, de maneira individual ou coletiva, direta ou indiretamente, o que torna a relação entre saúde e meio ambiente, uma complexa relação entre natureza, Estado e sociedade. As políticas públicas para melhorar a qualidade de vida das classes desfavorecidas, negras, pardas, brancas, indígenas, quilombolas, entre outras, tanto nas zonas rurais como urbanas são negligenciadas, como se suas vidas não tivessem nenhuma importância.

O Brasil tem total possibilidade de mudar todos os aspectos negativos discutidos, das classes desfavorecidas, seja branca, negra, parda, etnias indígenas, quilombolas, entre outras, investindo, primordialmente, na educação. É um país com muitos recursos econômicos para investir na educação de seu povo, porém o que falta é vontade política, para que a população busque o conhecimento e exija melhores condições de vida. Povo educado e crítico é “perigoso” para governantes e empresários desonestos.

A educação é a mais poderosa de todas as ferramentas de intervenção no mundo, para a construção de novos conceitos, bem como mudanças de hábitos e atitudes, de forma pensante e com consciência social, fornecendo oportunidades iguais às populações.

É por meio dela que se promove a construção de novos conhecimentos, transmitidos de geração em geração, que estará sempre um passo à frente face às gerações anteriores, quer científica, cultural, social, econômica, entre outras. É uma das instâncias mais importantes da assimilação de valores, ideias, nos anos iniciais da escolaridade de zero a seis anos e no ensino fundamental.

A busca do conhecimento se dá, principalmente, pela escola, com participação familiar (quando esta última tiver condições) e tem papel fundamental e único na formação de uma nova geração que cuidará melhor do ambiente natural do planeta Terra. Os currículos escolares têm que ser elaborados com disciplinas, de forma cooperativa e ter, em seus conteúdos, assuntos que abordem a preservação e cuidado com o meio ambiente e, consequentemente, desenvolver valores e competências a serem fomentados, discutidos e construídos pelos alunos, em relação ao uso indevido e inadequado da natureza. Por conseguinte, a escola tem a incumbência fundamental de levar os discípulos a estarem preocupados na defesa de uma sociedade ambientalmente sustentável e lutar em defesa da natureza. Assim, eles cumprirão a sua nobre função com seu país, com consciência social, desenvolvendo sua cidadania em seu sentido pleno.

Para alcançar os objetivos mencionados, a família, a escola e a sociedade, sob ação efetiva e primordial do Estado, por meio de políticas públicas, têm o dever de proporcionar aos estudantes alfabetização efetiva, ou seja, escrever, ler, compreender o que lê e passar o seu pensamento oral e/ou escrito, de forma clara e objetiva. Portanto, ter comunicação social e raciocínio lógico-matemático. Sem isso não haverá busca de conhecimento efetivo e crítico.

Os problemas na alfabetização são causados pela falta de estímulos cognitivos, como orientações e contatos com a leitura e escrita (desde a primeira infância), principalmente nas classes sociais mais desfavorecidas, pois elas não têm, na maioria das vezes, famílias com tempo de lhes dar estes estímulos, pois precisam trabalhar ou são analfabetos e, ainda, com ausência de atendimento educacional competente de zero a seis anos de idade e ensino fundamental.

A falta de estímulos nestas áreas, aliada a um ensino incompetente, provocam os chamados “distúrbios de aprendizagem” que são diagnosticados, por professores e equipes multidisciplinares sem formação adequada, rotularem-nas como “deficientes intelectuais”, “autistas”, “problemas comportamentais”, “falta de atenção”, “hiperatividade”, entre outras.

As posturas desses profissionais provocam nesses alunos falta de estímulos, não só pelas suas condições socioeconômicas desfavorecidas, mas também na aprendizagem, causando péssimo autoconceito e, consequentemente, a evasão escolar. Segundo os dados da INAF, indicador de alfabetismo funcional, atinge 45% da população brasileira, ou seja, pessoas que não entendem o que leem e não conseguem comunicar na escrita e oral, de maneira clara e objetiva, o seu pensamento e raciocínio-lógico matemático, sem falar do analfabetismo que atinge proporções alarmantes, principalmente, nas classes socioeconómicas mais desfavorecidas.

Educar desde tenra idade as crianças e adolescentes, sobre a diversidade humana, não só na pigmentação da pele, mas em todas as outras diferenças que existem nos seres humanos, as farão perceber, aceitar e respeitar as diferenças, quer sejam físicas, comportamentais, deficiências, valores, ideias.

A intermediação dos professores, por meio de jogos, filmes, desenhos, textos e outros instrumentos pedagógicos, possibilitará (qualquer que seja a disciplina) às crianças e adolescentes buscar o conhecimento, pensando, refletindo e respeitando as diferenças de opiniões, de forma cooperativa e conciliadora.

Durante a aprendizagem da linguagem oral e escrita é importante orientar os alunos sobre o preconceito inerente ao vocabulário muito utilizado na língua portuguesa, por exemplo “isto é coisa de negro”, “lista negra”, “a coisa está preta” entre muitas outras.

Em Portugal há o termo “branqueamento” que apresenta como um dos significados “atos de legitimar situações ilícitas”. Logo, a cor “negra, preta, branca” são termos e/ou expressões linguísticas próprias da língua portuguesa e devem ser esclarecidas sobre seus significados negativos ao serem utilizados no cotidiano da comunicação social.

O professor tem papel fundamental, em toda e qualquer busca de conhecimento, ou seja, nas licenciaturas (em qualquer área), na pedagogia, na educação especial, na educação pré-escolar. Portanto, precisa obter formação nas disciplinas, nos currículos universitários, ou seja, fundamentos que sustentam comportamentos promotores de uma cultura ambientalista e sobre a diversidade humana, com objetivo de os desenvolver em seus alunos e familiares.

Assim, seus futuros discípulos poderão adquirir consciência social, preservação do meio ambiente, pois nesta fase de suas vidas, têm grande facilidade de assimilar valores e ideias, que os possibilitarão buscar conhecimentos, a longo prazo, desenvolvendo cidadania plena, respeito ao próximo (em todas e quaisquer diferenças) alinhada ao ambiente sustentável, cobrando-as das políticas públicas, quando forem necessárias.

As escolas necessitam operar pedagogicamente, dentro e fora dela, no concreto e na prática cotidiana sobre os cuidados com o meio ambiente e diferenças pessoais, por meio de grupos de apoio ambiental e social, para ensinar os estudantes e suas famílias a desenvolverem projetos e ações que beneficiem o meio ambiente e respeito a diversidade humana, bem como viabilizar neles a percepção crítica, duradoura sobre os desafios que irão encontrar no futuro.

Consequentemente, o ensino deve possuir dialética com a dinâmica do conhecimento, sendo necessário transpor os desafios inerentes ao seu processo construtivo de forma crítica e politicamente plural. Assim, os alunos poderão ter acesso a novas perspectivas e alternativas no futuro.

E, mesmo com todos estes estímulos, nunca se terá certeza que as políticas públicas futuras poderão garantir a permanência de todas as transformações desejadas, ou seja, analfabetismo, alfabetismo funcional, evasão escolar, racismo, violência contra a mulher, gravidez precoce, marginalidade dos adolescentes, falta de saúde, ignorância sobre aspectos políticos, sociais, culturais, sexuais, mau e mal ensino, desvalorização do professor, entre outros, causados por governos irresponsáveis e corruptos.

É preciso que a sociedade reverta a situação de negligência e deterioração do meio ambiente com uma demanda e um posicionamento ético, dentre outras situações, uma vez que a maior parte dos desequilibrios ecológicos e desastres ambientais está associada aos comportamentos humanos e políticas públicas impróprias na utilização do ambiente natural, não só no Brasil, mas no planeta Terra.

Para terminar, é fundamental relatar o raciocínio da cientista Katharine Hahyoe, que inspirou este artigo, que conclui que a emergência climática e a perda da biodiversidade continuam afetando a saúde, economia e modo de vida. Entretanto, ela não vê estes aspectos como “questões ambientais”, mas sim como “questões de tudo”.

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