Em defesa da educação pública

Diana Gonçalves Vidal é professora titular de História da Educação da FEUSP e diretora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP)

 24/06/2019 - Publicado há 5 anos

Diana Gonçalves Vidal – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Este é o título da exposição que se inaugura no dia 12 de junho e fica aberta ao público até 18 de outubro na Sala Marta Rossetti Batista do Instituto de Estudos Brasileiros. Fruto de um mergulho no Acervo de Fernando de Azevedo, por parte de dois pós-doutorandos, José Claudio Sooma Silva, professor da UFRJ, e Rachel Abdala, professora da Unitau, a mostra se estrutura em três eixos: “Em defesa da educação laica, gratuita, pública e única”; “Em defesa do conhecimento científico” e “Em defesa da universidade pública e, em particular, da USP”.

Toda composta a partir da correspondência, recortes de jornais, manuscritos, datiloscritos, livros e fotografias doados pelo educador ao IEB, ainda em vida, no ano de 1970, a exposição tem como balizas temporais os anos de 1927 e 1968. Inicia-se pela atuação de Fernando de Azevedo como reformador da educação pública na capital da República, naquela época, o município neutro do Rio de Janeiro. Conclui com a entrevista concedida ao Diário de S. Paulo em que, perguntado se o problema estudantil era uma questão de polícia, o educador e sociólogo retruca considerando justas as reivindicações dos estudantes relativas à restruturação da universidade e à ampliação dos recursos a ela concedidos em prol do bom desempenho de seu papel social.

Entre uma e outra data, sucedem-se manifestos. Em 1932, o famoso “A reconstrução educacional no Brasil – ao povo e ao governo”, conhecido pela historiografia da educação no Brasil, como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Surgido no âmago das disputas entre educadores liberais e católicos em torno da orientação política do então recém-criado Ministério da Educação e Saúde, em 1930, o texto afirma a competência do Estado na oferta de educação pública e comum a todos, independente de sexo, raça, classe social ou crença religiosa. Foi assinado por 26 intelectuais, dentre eles Anísio Teixeira, M. B. Lourenço Filho, Roquete Pinto, Roldão Lopes de Barros, Cecília Meireles, Noemy Rudolfer e Amanda Álvaro Alberto.

Na falta de um plano nacional de educação, os embates entre educadores liberais e católicos se prolongaram nas décadas seguintes. Em 1959, Fernando de Azevedo liderou a escrita de um novo manifesto, intitulado Mais uma Vez Convocados. A remissão era explícita a 1932 e retraçava bandeiras anteriores, como a defesa da educação pública e laica. Desta feita, coligiu 189 assinaturas. Dentre os signatários, além de Anísio Teixeira, figuravam Florestan Fernandes, Caio Prado Junior, Sérgio Buarque de Holanda, Darci Ribeiro e Fernando Henrique Cardoso. Estava em jogo a elaboração da Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1961, e a definição do papel do Estado na organização do sistema educativo e na promoção da escolarização pública e gratuita no País.

O terceiro manifesto integrante da exposição intitula-se Pela Liberdade de Opinião. Saiu a lume em setembro de 1965. Nele, Azevedo denunciava a prisão preventiva de Mario Schenberg, Cruz Costa, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, todos docentes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, e a perseguição, por suas ideias, de professores, cientistas e escritores durante a ditadura militar, instaurada no Brasil um ano antes.

A defesa da USP e de seus docentes e alunos se combinava a uma defesa da universidade pública como lugar privilegiado de produção de conhecimento científico. No corpo do Manifesto de 1932, assumia a seguinte formulação: “A educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita, como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de maneira que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de extensão universitária, das ciências e das artes”.

Não à toa, menos de dois anos após, Fernando de Azevedo constituía o grupo, junto com Júlio de Mesquita Filho, Raul Briguet, Almeida Júnior, Teodoro Ramos, Francisco Fonseca Teles, André Dreyfus, Vicente Ráo, Waldemar Ferreira, Henrique Rocha Lima e Agesilau Bitancourt, que elaborou o decreto de criação da USP, promulgado em 25 de janeiro de 1934, por Armando Salles de Oliveira. Aliás, esta é uma das preciosidades expostas na mostra: a cópia carbono do datiloscrito do decreto com a assinatura de todos os membros da equipe. No ano em que a USP completa seu 85º aniversário, a exibição do documento se reveste de um caráter ainda mais simbólico.

Há mais preciosidades em exposição. A versão datiloscrita completa d’A Cultura Brasileira, junto às edições em vários formatos, saídas no Brasil e nos Estados Unidos da América, é uma delas. O livro, publicado em 1943, e composto de 529 páginas, ricamente ilustrado, transformou-se em um marco da sociologia e da educação, sendo referência inescapável no ensino e na pesquisa brasileira. Datiloscritos dos três manifestos aqui mencionados também estão em exposição.

Um filme retratando as atividades do antigo Centro Regional de Pesquisas Educacionais, do qual Fernando de Azevedo foi diretor de 1956 até 1961, quando se aposentou, foi incluído na mostra. Localizado no Centro de Memória da Educação da Faculdade de Educação, o filme anuncia as iniciativas inovadoras promovidas pelo CRPE, como resultado das investigações realizadas sobre o ensino primário e secundário e sobre a formação docente na cidade e no Estado de São Paulo. Dentre os pesquisadores que estavam associados ao CRPE, durante a gestão de Fernando de Azevedo, encontram-se Dante Moreira Leite, Florestan Fernandes e Ruth Cardoso, demonstrando a pujança do trabalho ali realizado.

A mostra se completa com um conjunto amplo de fotografias sobre a trajetória pessoal e profissional do educador, dentre as quais se destacam instantâneos da reforma educacional realizada no Rio de Janeiro entre 1927 e 1930 e de atividades desenvolvidas na USP. Testemunham uma vida dedicada a favor da educação nacional, em defesa do compromisso do Estado na oferta de ensino gratuito e de acesso democrático em todos os níveis e em prol do fortalecimento da produção científica no Brasil.

Lux in tenebris.

 


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