Eleições de São Paulo: o insustentável silêncio ao redor da questão ambiental

Por Djonathan Gomes Ribeiro, mestrando da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e pesquisador do programa USP Cidades Globais, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, e outros*

 16/12/2020 - Publicado há 3 anos
Djonathan Gomes Ribeiro – Foto: IEA
As eleições se configuram como um evento crucial para a democracia representativa do Brasil, onde ocorre a escolha dos representantes políticos da população. O debate eleitoral, nesse contexto, representa não só uma oportunidade para a sociedade conhecer os candidatos e as suas propostas, mas um instrumento capaz de contribuir para a construção da opinião pública sobre temas diversos.No dia 29 do mês de novembro, do ano de 2020, ocorreu o segundo turno das eleições na cidade de São Paulo, protagonizado por Bruno Covas (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB) e Guilherme Boulos (Partido Socialismo e Liberdade – PSOL). O debate eleitoral, referente ao segundo turno das eleições, tratou de forma inexpressiva a temática socioambiental, ainda que estivesse marcado pela crise sanitária causada pela covid-19 que, gerou incalculável impacto à vida de milhares de famílias, não apenas pelas mortes, mas, também, pelo aprofundamento da crise econômica e das desigualdades socioambientais no país e particularmente na cidade de São Paulo.

Apesar dos planos de governo de ambos os candidatos tratarem, cada um a seu modo e com diferente profundidade, de propostas para as questões socioambientais da cidade, considera-se preocupante o vácuo observado em relação à discussão de tais propostas durante o debate e entrevista de segundo turno, mesmo ante as diversas evidências científicas sobre a importância desta temática, entre elas a de emergência climática global, tema de destaque e amplamente difundido durante os preparativos para a Cúpula do Clima 2020, e a disponibilização de manuais e instrumentos capazes de contribuir para a sua abordagem, como exemplo, o Guia para Cidades Sustentáveis: eleições 2020, produzido pelos pesquisadores do Centro de Síntese Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).

Assim como diferentes governos locais ao redor do mundo, o município de São Paulo enfrenta sérios desafios para a promoção da qualidade de vida de seus habitantes, em um contexto de busca pelo desenvolvimento sustentável, onde haja uma relação equilibrada e não predatória entre sociedade humana e natureza – da qual a primeira também é integrante e sem a qual fica impossibilitada de viver. Como uma grande cidade, São Paulo produz grandes impactos ambientais, sendo este um dos motivos que a torna central para a promoção da sustentabilidade por meio da reversão deste quadro.

Alguns desafios enfrentados pelo município de São Paulo hoje são a diminuição da poluição atmosférica produzindo melhoria da qualidade do ar e a redução do aquecimento global – segundo o Instituto Saúde e Sustentabilidade a poluição atmosférica é responsável por 4.700 mortes ao ano na cidade de São Paulo, consideradas com as 17 mil mortes no Estado de São Paulo, ultrapassam o número de mortes por homicídios, acidentes de trânsito, AIDS, câncer de mama e de próstata. O não atendimento, seja por políticas públicas ou pelo mercado imobiliário, de cidadãos sem habitação, situação que tem como resultado ocupações irregulares, como em áreas de proteção ambiental, mananciais e represas, que geram impactos ambientais contribuindo para a insegurança hídrica da cidade – segundo dados divulgados pela Folha de S. Paulo, em 2019, 474 mil moradias populares eram necessárias em São Paulo para equacionar a questão habitacional, havendo uma demanda registrada de mais de 1 milhão de cidadãos, também estimava-se que 391 mil domicílios ou 2 milhões de cidadãos viviam em favelas ou cortiços. Em um cenário de mudanças climáticas, que impactam nas alterações dos regimes e intensidade de chuvas, a cidade de São Paulo sofre, segundo alguns especialistas, tanto com o risco de uma nova crise hídrica, em 2021, quanto com o aumento da intensidade das anuais enchentes, estas últimas que, entre outros impactos, deixam pessoas desabrigadas e contribuem para o aprofundamento da pobreza e da desigualdade.

São Paulo não só passa por problemas ambientais que merecem atenção de forma urgente, como a sua própria existência depende da atenção dada a este âmbito, os recursos naturais não são infinitos e o desequilíbrio ambiental pode impactar gravemente a vida humana, fatores que trazem à tona a exigência de uma postura comprometida com a gestão ambiental regional e urbana. Apesar da cidade não conseguir lidar sozinha ou ser a única responsável pelo enfrentamento de determinados problemas socioambientais, isso não exime seus governantes de terem uma postura propositiva e provocativa na busca pelo equacionamento de tais questões – e no caso da realidade paulistana, também as subprefeituras – uma vez que os governos locais têm centralidade para o enfrentamento de tais problemas.

Compreender a relação da dinâmica entre o local, o regional e o global, é central para a promoção do desenvolvimento sustentável e os governantes locais não podem mais ficar restritos aos seus limites administrativos. O caso da floresta amazônica é exemplo disso. A existência da floresta influencia o regime de chuvas da América do Sul e dos estados do centro-sul do Brasil por meio dos denominados “rios voadores”. Outro exemplo que poderíamos citar é sobre a fuligem proveniente das queimadas no Pantanal que chegaram até a região metropolitana de São Paulo prejudicando a qualidade do ar com o aumento da poluição e prejuízos à saúde.

Diante do exposto, com tantas evidências, em um contexto eleitoral, esperava-se que as propostas de ação ambiental e os compromissos com a sustentabilidade fossem amplificados nos discursos e debates públicos nas últimas eleições, porém, claramente as discussões ficaram centradas nas temáticas tradicionais, não menos importantes, como segurança, economia e emprego, ignorando que a temática ambiental transpassa todos estes assuntos na administração municipal.

Portanto, o que esperar da questão ambiental em São Paulo, ante um cenário de pós-eleição, com o mandato de Bruno Covas, candidato vencedor com 59,38% de votos válidos no segundo turno, diante desse insustentável silêncio ao redor das propostas ambientais durante o pleito?

Espera-se que o prefeito, apesar de não explorar nos debates do segundo turno, promova ações efetivas para lidar com problemas existentes na cidade de São Paulo, como, por exemplo, práticas voltadas para a adaptação e a mitigação climática, de proteção e regeneração de áreas verdes, como a preservação dos remanescentes de Mata Atlântica e dos recursos hídricos, proteção das nascentes, prevenção contra as enchentes, entre outros.

Que, posicionando-se contra o obscurantismo, apoie-se na ciência para a produção do planejamento urbano e das políticas públicas. Como um agente público, oriente-se pela Agenda 2030, fundamental na promoção de uma São Paulo mais resiliente e cidadã, trazendo a questão ambiental para o centro dos debates políticos, não só por se tratar de um elemento capaz de estimular o engajamento da sociedade e de atores políticos de diferentes matizes, mas para a construção de uma ética ecológica que possibilite um avanço em direção a uma sustentabilidade socioambiental.

* César Pedrosa Soares, doutorando da FSP-USP, Fábio Bacchiegga, pós-doutorando do programa USP Cidades Globais (IEA-USP) e Maria da Penha Vasconcellos, professora da Faculdade da FSP-USP e do programa USP Cidades Globais (IEA-USP)


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