Educação, engajamento e comportamento político*

Kimi Tomizaki é docente da Faculdade de Educação e Hamilton H. de Carvalho-Silva é doutorando da mesma FE

 15/09/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 18/09/2017 as 9:02
Hamilton Harley de Carvalho-Silva – Foto: Arquivo pessoal
Kimi Tomizaki – Foto: Arquivo pessoal
Acontecimentos políticos recentes no Brasil e no mundo vêm desafiando pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento a analisar a emergência de determinados comportamentos e engajamentos políticos, notadamente aqueles relacionados à extrema-direita. Mas, finalmente, quais são os elementos explicativos do engajamento político? Como entender as tomadas de posição política ou a formação de opiniões e comportamentos políticos?

Evidentemente, não se trata de um debate com interpretação unívoca, que exige, portanto, interrogações mais bem delimitadas. O que, nesse texto, se apresentará como a indagação sobre qual é a contribuição da área da educação, especialmente da sociologia da educação, para o desvelamento desses fenômenos.

Os modos como indivíduos e grupos apreendem e reagem aos eventos de ordem política são, entre outras coisas, resultado do trabalho (minucioso e denso) de inúmeras instâncias socializadoras (família, escola, trabalho, igreja, universidade, espaços associativos, etc.), responsáveis pela transmissão e formação dos quadros cognitivos e morais de percepção e avaliação do mundo social e, portanto, também das opiniões, atitudes e comportamentos políticos ou comportamentos em relação à política.

Nesse sentido, a compreensão das condutas políticas exige uma análise que considere, ao mesmo tempo, os processos de socialização e formação (determinados pelas posições sociais), que se materializam em predisposições a interpretar e atuar no mundo, e a conjuntura social, econômica e política, que precipita a tomada de posição e, eventualmente, a passagem à ação (sempre assentadas nas predisposições já existentes).

Assim, se as posições de extrema-direita são desafiadoras, também o são os engajamentos individuais em causas coletivas no campo da esquerda, tais como o das mulheres no Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que, a despeito da baixa escolaridade e da ausência de tradição e formação políticas, se lançam em um movimento que se pauta por ações com certo nível de radicalidade e que vem se expondo a riscos crescentes de criminalização, em um contexto nacional e internacional de ascenso de discursos e práticas politicamente conservadoras e aumento da repressão aos movimentos sociais e populares.

O MTST, que surgiu nos anos 1990, se declara um movimento de trabalhadores urbanos que, para além da moradia, assume também a luta por transformações mais radicais da sociedade, tendo em vista combater a miséria nos centros urbanos, formar militantes e avançar rumo à construção do socialismo. Na última década, as ações desse movimento tiveram repercussão nacional e internacional, especialmente suas volumosas manifestações de rua, ocupações de terrenos ociosos e/ou irregulares e bloqueios de estradas e rodovias. Atualmente, segundo estimativas do próprio movimento, 50 mil famílias vivem em algum tipo de ocupação ou estão organizadas em núcleos em diferentes regiões das grandes cidades.

Quais são os elementos explicativos do engajamento político? Como entender as tomadas de posição política ou a formação de opiniões e comportamentos políticos?”

As trajetórias das mulheres militantes do MTST são marcadas pela migração do campo para a cidade, o trabalho infantil, a ausência da escolaridade em período regular, o trabalho informal alternado com períodos importantes de desemprego, a falta de acesso a direitos fundamentais, como a moradia, além de constituírem, em sua maioria, famílias monoparentais se ocupando, portanto, sozinhas da “criação” de seus filhos. Esse conjunto de precariedades e a avaliação (intuitiva) das reduzidas (ou inexistentes) possibilidades de acessar as políticas disponíveis de crédito imobiliário para famílias de baixa renda constituem a motivação inicial para a aproximação do movimento, que se desdobra, em alguns casos, em um engajamento permanente diante das experiências proporcionadas pela própria militância, especialmente, a formação de uma consistente rede de apoio e da descoberta de “novos sentidos” para a vida, fundados, em um primeiro momento, na luta pelo direito à moradia e, posteriormente, por uma sociedade mais justa e igualitária.

Esse percurso militante característico do engajamento das mulheres que formam o MTST é possível graças à vivência de diferentes experiências formativas (formais e informais) que vão das manifestações públicas às ações de ocupação de terrenos, passando por atividades de formação política que, no encontro com determinadas predisposições, notadamente ligadas às noções de solidariedade e apoio mútuo, transmitidas no âmbito familiar e comunitário, redundam na convicção de que as desigualdades sociais só podem ser combatidas por meio da luta coletiva.

Assim, poderíamos dizer que a relação entre comportamento e engajamento políticos e os processos educativos pode ser compreendida em duas dimensões distintas, mas que se relacionam entre si, a saber, em um primeiro plano, os processos de socialização que, desde a infância, conduzem à constituição de determinados modos de se conceber e se relacionar com fatos, eventos e instituições políticas; e, posteriormente, as (re)socializações promovidas pelas experiências de participação e militância política que, por sua vez, constituem um processo educativo específico, capaz de (a partir das disposições anteriormente formadas) reconfigurar os sentidos da experiência social e política de indivíduos de diferentes grupos sociais.

 

*Este texto sintetiza alguns aspectos da pesquisa de doutorado de Hamilton Harley de Carvalho-Silva, intitulada A dimensão educativa da luta de mulheres por moradia: o caso do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto de São Paulo, sob orientação da professora Kimi Tomizaki. 


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