Ciência e políticas públicas: a contribuição das pesquisas da USP no diálogo para a sustentabilidade

Por Ana Claudia Pereira Carvalho, Caroline Krüger, Juliana de Oliveira Vicentini, pós-doutorandas do programa USPSusten, da Superintendência de Gestão Ambiental da USP, e outros autores*

 31/05/2023 - Publicado há 10 meses
Ana Claudia Pereira Carvalho – Foto: Arquivo pessoal
Caroline Krüger – Foto: Arquivo pessoal
Juliana de Oliveira Vicentini – Foto: Arquivo pessoal

 

A pesquisa científica é fundamental para as políticas públicas de sustentabilidade. Sua relevância reside no fato dela auxiliar na tomada de decisões pautadas em evidências e não em opiniões. Contudo, ainda há dois grandes desafios pela frente: a utilização dos resultados das pesquisas científicas pelos formuladores de políticas públicas e o acesso dos pesquisadores aos dados públicos que subsidiem suas análises.

As atuais crises vivenciadas em âmbito mundial (socioeconômicas, ambientais e sanitárias) demonstraram que a produção da ciência e a construção de políticas públicas são indissociáveis. Elas possuem um objetivo comum que é a construção de uma sociedade mais equânime e ambientalmente sustentável. Portanto, ambas precisam caminhar lado a lado, amparando-se e retroalimentando-se. De modo a contribuir com o diálogo entre ciência e políticas públicas, este artigo apresenta as pesquisas desenvolvidas pelo grupo Meio Ambiente, Gestão Ambiental, Resíduos Sólidos, Recursos Humanos, Saúde Ambiental, Segurança Alimentar e Comunicação Ambiental, que é um dos apoiados pela Superintendência de Gestão Ambiental da USP e conduzido no âmbito do Programa USPSusten. As pesquisas foram propostas visando ao enfrentamento das urgências ambientais impostas pela atualidade, sem perder de vista o necessário diálogo com as políticas públicas. Os temas abordados dialogam diretamente com a Agenda 2030, composta dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS propostos pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 2015, e adotados pelos países signatários, dentre eles, o Brasil.

Uma questão inicial e transversal a todos os temas em pauta é o acesso aos dados, isso porque a pesquisa científica é embasada por estes, e a sua respectiva disponibilidade pode facilitar o acesso à informação, que pode ser usada para gerar conhecimento e, consequentemente, melhorar a aplicação nas políticas públicas. Neste ínterim, desde 2011, no Brasil, o acesso aos dados públicos vem sendo ampliado, momento no qual foi sancionada a Lei de Acesso à Informação. Ainda assim, o formato disponível dos dados não é padronizado, e algumas entidades ainda não têm sistemas amigáveis para obtenção de dados brutos nem oferecem uma análise preliminar dos mesmos.

Para que os dados sejam transformados em informação de fácil entendimento e aplicação para dar suporte às políticas públicas, podem ser utilizadas técnicas computacionais para coleta, fusão, análise, extração de conhecimento e disseminação de dados e informações. Por meio de ferramentas simples e disponíveis que entreguem análises e visualização dos dados públicos é possível agilizar a interpretação dos especialistas. Além disso, a conjunção dessas informações pode ser usada para avaliar a eficácia das políticas existentes e para identificar áreas onde são necessárias ações. Dados de saúde pública podem ser usados para desenvolver políticas de prevenção de doenças e melhorar o acesso aos serviços de saúde. Já os dados obtidos com imagens de satélite podem ajudar a entender como as atividades humanas estão impactando o meio ambiente e como as práticas sustentáveis podem ser adotadas para minimizar esses impactos.

No contexto ambiental é imprescindível a utilização de dados dos meios físico, biótico, bem como das ações antrópicas para auxiliarem na elaboração de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável. A integração e a interpretação desses dados são essenciais para compreender a dinâmica ambiental de uma determinada região e assim propor estratégias sustentáveis. No meio rural, por exemplo, deve-se considerar o avanço econômico, sem esquecer o uso adequado dos recursos naturais, os serviços ecossistêmicos, e, ao mesmo tempo, todos os fatores que se relacionam com a saúde ambiental. Uma maneira para alcançar as metas da sustentabilidade no meio rural está diretamente relacionada com os sistemas de produção agropecuários, que podem incluir inúmeras técnicas e tecnologias para atingir o nível ideal para um ambiente equilibrado e, além disso, geram empregos, renda e ganho na produção.

Neste sentido, se faz necessário considerar nas políticas públicas essas novas proposições a serem aplicadas no campo, pois investir em produção sustentável é o caminho para se obter condições favoráveis que refletirão diretamente na qualidade de vida das gerações futuras. As práticas sustentáveis aplicadas aos sistemas de produção agropecuários possibilitam diversos benefícios, por exemplo, a conservação do solo e a ciclagem de nutrientes, o aumento do estoque de carbono no solo, a redução acentuada das emissões de gases de efeito estufa, entre vários outros. Alguns desses benefícios contribuem diretamente para atingir as metas climáticas, sendo que a intensificação das ações humanas vem acelerando os impactos negativos provocados pelas mudanças climáticas, causando riscos não só no meio rural, mas também no urbano.

Deste modo, não é mais opcional responder às mudanças climáticas, pois os seus efeitos já são observados em todo o mundo. Nas áreas urbanas, são sentidas as variações bruscas nas temperaturas, no regime de chuvas, com enchentes e deslizamentos de terra e períodos mais frequentes e duradouros de seca. O aumento do nível médio do mar soma-se a essa lista no caso das cidades costeiras. Esses impactos não afetam igualmente todas as pessoas, porque as desigualdades construídas por relações de gênero, etnia, faixa etária, cor, raça e situação econômica implicam diferentes níveis de vulnerabilidade e, por consequência, diferentes níveis de capacidade de resposta. Além disso, o desafio envolve os níveis municipal, metropolitano, estadual, nacional e internacional de governança, uma vez que as causas e os impactos da mudança do clima não estão restritos às fronteiras geográficas. No caso da adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, o desenvolvimento urbano e gestão do uso do solo, ambiente construído, infraestrutura urbana e serviços, meio ambiente, agricultura, saúde e gestão de desastres são setores-chave envolvidos. Todos esses pontos precisam ser contemplados nas políticas públicas relacionadas à adaptação e resiliência, já que as mudanças climáticas interferem em uma série extensa de desafios existentes e emergentes, entre eles o crescimento populacional, erradicação da pobreza, saneamento e escassez de água e de alimentos.

Com esse intuito, para além da produção sustentável de alimentos, é preciso aproximar as pessoas que vivem em insegurança alimentar da comida saudável. Pesquisas amostrais apontam que características socioeconômicas (como baixos rendimentos da família, baixa escolaridade e moradias sem saneamento básico) e demográficas (maior presença de crianças e de população autodeclarada negra, por exemplo) estão associadas à dificuldade de garantir a segurança alimentar plena. Para além disso, residir distante de estabelecimentos que comercializam alimentos in natura (como frutas, legumes e verduras) e minimamente processados (como arroz, feijão e leite) pode incentivar o consumo de alimentos ultraprocessados, como salgadinhos e bebidas açucaradas, potencializando o desenvolvimento de doenças crônicas. Mapear nas cidades onde concentram-se e sobrepõem-se essas situações pode subsidiar os poderes públicos locais e regionais a direcionarem ações de combate à fome de maneira mais assertiva. Essas ações são transversais e englobam a elaboração de políticas de erradicação da pobreza, a melhoria da educação e a ampliação do saneamento básico. A curto prazo, devem ser pensadas políticas públicas que impliquem instalação de cozinhas e de restaurantes populares, promoção de feiras livres e incentivo à construção de hortas comunitárias, por exemplo.

Complementarmente à questão alimentar, sua produção e consumo, está o gerenciamento destes e dos demais resíduos urbanos, visto que seus impactos podem ser irreversíveis, interferindo na forma como as gerações atuais e futuras vão suprir as suas necessidades. As instituições de grande porte são consideradas grandes geradoras de resíduos sólidos urbanos, e se comparam às pequenas cidades, gerando um alto volume das mais diferentes tipologias de resíduos sólidos (resíduos comuns recicláveis, orgânicos, químicos perigosos, das áreas de saúde, dentre outros). Essas organizações também estão sujeitas ao que está previsto na Política Nacional dos Resíduos Sólidos, sendo que um dos principais aspectos é o da responsabilidade compartilhada, que estipula a participação direta de toda a sociedade pelo ciclo de vida dos produtos. No contexto de inclusão de políticas públicas, é um dos papéis centrais das organizações, e especialmente das instituições de ensino, a promoção da gestão operacional e administrativa dos resíduos sólidos de modo participativo e integrado, estimulando e entregando à sociedade políticas e práticas que levem a mudanças em direção à sustentabilidade.

Uma aliada a todas as temáticas citadas é a comunicação ambiental em virtude de seu caráter de difusão de conhecimentos científicos para a sociedade. Ela também é de extrema relevância para as políticas públicas. A comunicação possui potencial de mobilização popular e governamental, e amplo poder informacional. Em virtude de seu caráter de mobilização, ela pode influenciar a criação de políticas públicas, auxiliar na identificação de cenários alternativos àquele que carece de intervenção, criar consenso ou rejeição a determinada proposta e engajar as partes interessadas a reivindicar por políticas públicas. No que tange ao seu aspecto informacional, a comunicação deve ser empregada para comunicar a criação, o andamento, os envolvidos, os recursos financeiros investidos e a avaliação das políticas públicas. Somado a isto, a comunicação também diminui o distanciamento entre o Estado e a sociedade. Isso ocorre porque ela propicia um ambiente dialógico que facilita a participação popular, ou seja, a comunicação pode ser um mecanismo para que as políticas públicas não sejam conduzidas de maneira verticalizada, isto é, hierarquizada de cima para baixo, fortalecendo assim o Estado democrático.

As respostas aos desafios da sustentabilidade, sejam eles nas temáticas citadas – acesso à informação, saúde ambiental, mudanças climáticas, insegurança alimentar, gestão de resíduos sólidos, comunicação ambiental – e outras, dependem da congruência e efetividade das políticas públicas, e estas, essencialmente do fator humano. Isso porque as atuais crises coletivas resultantes de calamidades ambientais, pandêmicas, guerra, fome e profunda desigualdade socioeconômica têm principalmente sua origem induzida pelo ser humano. Além disso, é o gestor público ou privado que pode decidir de modo responsável sobre as políticas governamentais ou organizacionais, visando ao desenvolvimento perene que priorize o bem comum ao interesse individual, e o longo prazo à satisfação imediata. Para isso, como abordado neste artigo, é imprescindível o fortalecimento do diálogo entre a ciência e as políticas públicas, visando ao fomento ao conhecimento, habilidades, valores, disposições e atitudes para a sustentabilidade, ou seja, competências para o desenvolvimento sustentável. De modo que os decisores se tornem agentes de mudança, de forma a proporcionar conservação ambiental, equidade e inclusão econômica, e sociedades engajadas e responsivas para a sustentabilidade.

* Elaine Campos, Fabiana Barbi Seleguim, Joice Genaro Gomes e Carolina Ribeiro Xavier, pós-doutorandas do programa USPSusten, da Superintendência de Gestão Ambiental da USP

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