Carreira USP: do primor à incerteza

Por Rodrigo Bissacot (IME), atual representante da categoria dos professores associados no Conselho Universitário da USP*

 21/03/2023 - Publicado há 12 meses
Rodrigo Bissacot Proença – Foto: Lattes

 

Recentes publicações na Agência Fapesp, Science e Nature apontam para a necessidade de reestruturação da carreira universitária. Na USP, a questão é ainda mais urgente na percepção de parte expressiva de seu corpo docente. Em texto recente no Jornal da USP, o professor Vahan Agopyan, ex-reitor da Universidade de São Paulo e atual secretário estadual da Ciência, Tecnologia e Inovação de São Paulo, fez sua despedida da USP. Chamou atenção a diferença entre sua percepção sobre a carreira docente na Universidade, descrita como “primorosa” pelo ex-reitor, e o que atualmente se observa ser a realidade das gerações posteriores. Contratados, em geral, depois de estágios de pós-doutoramento, muitos docentes não chegarão a completar 40 anos de carreira, nem mesmo com a aposentadoria compulsória tendo sido estendida para 75 anos de idade. A entrada tardia na carreira implica uma aposentadoria menor.

Observam-se docentes em situações extremamente desiguais. Por exemplo, os docentes admitidos entre 2004 e 2013, que contribuem mensalmente para a aposentadoria com o mesmo porcentual dos docentes contratados antes deste período, não terão direito à aposentadoria integral e podem acabar com 60/70% de seu salário final como aposentadoria, ou até menos do que isso. Já entre os colegas do regime de previdência complementar, contratados a partir de 2013, muitos não têm condições de contribuir com a previdência complementar devido aos arrochos do passado recente e desequilíbrio financeiro na Universidade.

Uma carta de 2020, endossada por mais de 950 docentes, alertava sobre colegas com menos tempo de USP que cogitavam deixar a Universidade. O documento listava uma série de iniciativas que poderiam amenizar a situação e citava uma reportagem da Folha de S. Paulo intitulada “Número de professores que pedem demissão da USP dispara“, em que o número de exonerações e afastamentos não remunerados na época, em três anos, totalizava 143 docentes.

Três anos após a reportagem da Folha, que incluiu o período crítico da pandemia, a situação não melhorou. Antes de fechar novos três anos, em 2022, mais de 120 docentes já haviam tomado a decisão de pedir exoneração ou de solicitar afastamento não remunerado, segundo informações obtidas via Lei de Acesso à Informação. Esse tipo de afastamento é uma ferramenta muito usada por docentes que pensam em deixar a Universidade. Tanto a lista de docentes exonerados ou em afastamento não remunerado de 2020 quanto a de 2022 contam com docentes de atuação destacada e carreiras de extrema relevância.

A fuga de cérebros tem despertado a reação de lideranças na Universidade. A atual diretora da Faculdade de Medicina e primeira mulher a comandar a faculdade, professora Eloisa Bonfá, afirmou em entrevista à mesma Folha de S.Paulo que “nossos talentos da USP estão indo para a medicina privada”. Lideranças femininas têm sido vozes importantes no tema. No contexto nacional, a pesquisadora Suzana Herculano-Houzel publicou um texto em sua coluna na Folha destacando que, no caso de pós-graduandos, mesmo com o recente reajuste das bolsas, sequer era possível pagar o aluguel. O título de seu texto indagava: “Quem você espera que vá querer ser cientista?“. Herculano-Houzel deixou o país criticando o atual sistema e a carreira universitária no Brasil.

Em 2022, em uma mobilização inédita na USP realizada nas congregações, 39 unidades aprovaram moções destacando a necessidade de medidas para tornar a carreira atrativa novamente. Em 23 unidades, a aprovação foi unânime. Moções foram aprovadas em todas as unidades nos campi de São Carlos, Piracicaba e Ribeirão Preto. O texto variava de unidade para unidade, mas duas versões apareceram com maior frequência, uma mais curta e outro texto mais longo. Em todas as versões, reconhecia-se a urgência da questão da pouca atratividade da carreira.

No mesmo ano, o Conselho Universitário da USP aprovou 100 milhões de reais para mitigar a questão, proposta da nova administração da Universidade, recém-empossada. Fazia parte da plataforma de campanha da chapa vencedora buscar soluções para o problema das condições da carreira, mas, até o presente momento, a verba não foi utilizada. No dia 23 de março, data prevista para uma reunião extraordinária do Conselho Universitário, espera-se que seja votada a criação de uma gratificação, uma proposta feita pela administração da Universidade frente aos fatos apresentados neste texto. A Reitoria também criou um Grupo de Estudos sobre a carreira docente e os distintos regimes previdenciários, com o objetivo de elaborar propostas fundamentadas que possam contribuir para a reestruturação da carreira docente.

Os fatos acima comprovam a significativa diferença entre a carreira de algumas décadas atrás, descrita de forma elegante pelo professor Vahan Agopyan, e o atual cenário da carreira USP. Reformas previdenciárias, fim das incorporações e o sacrifício feito pelos docentes de forma que o equilíbrio financeiro fosse novamente atingido pela Universidade impactam a carreira docente atual. Mesmo com reservas financeiras robustas, a ausência de medidas – mesmo que temporárias – só tende a agravar o problema. A necessidade de ações urgentes para que a carreira uspiana volte a ter a atratividade e o primor descritos na despedida do professor Vahan nos motiva a subscrever este texto.

A indicação de um ex-reitor para o Executivo do Estado de São Paulo nos dá esperança de que os cientistas voltem a ser valorizados depois de anos muito difíceis para a Ciência. Não é possível a USP avançar no atual contexto competitivo nacional e internacional sem reconhecer e sem lidar com as dificuldades e os desafios que a atual carreira universitária impõe aos docentes. Valorizar a Ciência passa, necessariamente, também por isso.

* Este texto foi escrito com a colaboração de diversos docentes da USP, em particular João Marcelo Alves (ICB), Filomena Elaine Paiva Assolini (FFCLRP), Fernando Luis Cônsoli (Esalq), Antonio Eduardo Miller Crotti (FFCLRP), Fábio Florenzano (EEL), Luciana Carvalho Fonseca (FFLCH), Mariana Giannotti (EP), Marcos Simplicio (EP), Daniel Strum (FFLCH) e Carina Ulsen (EP). Veja a lista de docentes que apoiaram o documento aqui.

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