“biblioteca não podia ser ameaçada por nenhuma força
terrena, era, portanto, uma coisa viva… Mas, se era viva,
por que não devia se abrir ao risco do conhecimento?”
Umberto Eco
Parece-me que Umberto Eco estava corretíssimo ao colocar na fala de Adso de Melk, seu narrador em O Nome da Rosa, estas palavras. A criação da Agência de Bibliotecas e Coleções Digitas (ABCD USP) tem por motivo o fato de que as bibliotecas, por mais que sejam desconhecidas da maioria da sociedade, são vivas, corpos que pulsam. De forma que sua valorização é o reconhecimento da vida, logo, da ciência. A biblioteca viva é descortínio do conhecimento encerrado e, nesse sentido, se coaduna com a função da universidade: disseminar o conhecimento em todas as suas formas e modos.
A maioria das pessoas tem as bibliotecas apenas como lugares em que os livros estão depositados. Seriam o reino do silêncio onde a ideia de um universo estático parece regra pétrea. Guardariam em si somente a palavra escrita/impressa no papel em branco – uma questão importante para o processo criativo de Stéphane Mallarmé, porém absolutamente apartada de quais sejam as funções e objetivos da biblioteca hoje.
Pois é… as bibliotecas são muito, muito mais que isso. São repositórios sofisticados de conhecimento, saberes mediados por coleções de variada ordem: o papel, o digital, o magnético, a película, a imagem, o som, o dado bibliométrico, a produção acadêmica em todos os seus sentidos – documentos e monumentos – penso em Jacques Le Goff. E tudo isso, no caso das universidades, está a serviço da difusão do conhecimento, do apoio ao ensino de graduação e de pós-graduação e do fomento à pesquisa desde a iniciação científica até o pós-doutoramento.
Enfim as Bibliotecas possuem um manancial de mistérios tão significativos – merecem ser desvendados – quanto o das universidades, afinal estas têm suas histórias embricadas com aquelas. Como seria a Universidade de Coimbra sem a Biblioteca Joanina; Oxford, sem a Bondelian; Yale, sem a Sterling ou a Beinecke; Princeton, sem a Firestone, Harvard; sem a Widener ou Bologna, sem a BUB?
Definitivamente as bibliotecas e toda sua complexidade são essenciais para uma grande universidade mundial. Em que pese a idade destes patrimônios, são exemplos de inovação e de defesa do patrimônio histórico, ao mesmo tempo – e isto não é um paradoxo ou um oximoro. São e estão vivas, donde mutam, se reorganizam, mais do que isso se ressignificam. Elas servem diretamente às atividades-fim das instituições, já que se ocupam de atender docentes, estudantes e funcionários, gerindo, resguardando e mantendo as coleções que, alfim e ao cabo, dão o suporte científico, cultural e educacional em todas as áreas de investigação da universidade.
Mais do que isso, as bibliotecas servem à inclusão e ao pertencimento, pois que acolhem estudantes cuja capacidade de aquisição de materiais é precária. Servem à pesquisa, dado que disponibilizam conteúdos up to date. Servem à graduação, já que abrem horizontes para o conhecimento. Servem à pós-graduação porque não há como fazer um trabalho de grau sem seus acervos. Servem à cultura, à extensão e à inclusão, uma vez que estão abertas à sociedade como um todo.
A documentação, sobretudo, a de caráter científico, cultural e técnico, deve ser permanentemente atualizada, através da aquisição frequente de publicações periódicas ou através de suporte às publicações nascidas na própria universidade, cuja circulação esteja amparada pelo livre acesso cuja base é a ciência aberta. Nesse sentido, é obrigação da universidade o investimento em coleções, sob pena de fragilizar a formação oferecida aos estudantes, sob pena de acanhar a pesquisa, sob pena de apequenar as ações de inclusão e extensão.
Há alguns anos, a USP investe em seu portal de periódicos que hoje conta com 201 coleções. Observadas por áreas de conhecimento: cinco são das Ciências Agrárias; 16 das Ciências Biológicas; 24 da Ciências da Saúde; 19 das Ciências Exatas e da Terra/Engenharias; 59 das Ciências Humanas; 38 das Ciências Humanas Aplicadas e 40 Linguística, Letras e Artes. Enfim, essas 201 coleções são o core de nossa saúde intelectual-científica, porquanto mostram que não só a ciência produzida merece respeito, como também a USP é procurada por cientistas de todo o mundo para ter seus trabalhos publicados por nós em nossas unidades de ensino, institutos especializados e museus.
Quando mais detidamente observamos os números de 2021 relativos ao nosso portal, temos nada mais, nada menos que 21.951.564 downloads de artigos, o que denota a respeitabilidade de nossos periódicos; já os de acessos: 25.000.589, o que obviamente explicita o interesse da comunidade científica nacional e internacional naquilo que divulgamos e fazemos com as nossas coleções periódicas. Vale dizer que esses dados são auditáveis na plataforma OJS a partir de seu counter.
Diante destes números impressionantes, 26 revistas podem ser consideradas verdadeiros fenômenos, já que granjeiam mais de 200 mil downloads somente em 2021 e se somarmos as que tiveram mais de 100 mil, o número elevar-se-á a 69. Tomemos o primeiro caso:
Periódico | Downloads | Acessos |
---|---|---|
Medicina (Ribeirão Preto) | 1.596.006 | 1.657.401 |
Revista de Medicina | 1.060.550 | 1.130.011 |
Revista USP | 892.530 | 997.304 |
Revista de História | 828.384 | 901.867 |
Revista da Faculdade de Direito | 763.542 | 801.270 |
Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science | 476.124 | 510.398 |
Acta Fisiátrica | 452.572 | 480.458 |
Revista de Terapia Ocupacional da USP | 376.452 | 415.181 |
GEOUSP | 375. 528 | 412.042 |
Revista de Antropologia | 372.616 | 429.162 |
Journal of Human Growth and Development | 304.711 | 320.931 |
Cadernos de Campo | 302.850 | 331.086 |
Revista Brasileira de Educação Física e Esporte | 277.872 | 334.130 |
Revista de Saúde Pública | 273.267 | 289.226 |
Revista de Direito Sanitário | 267.965 | 291.291 |
MATRIZes | 253.542 | 295.891 |
Estudos Avançados | 249.148 | 302.813 |
Revista do Departamento de Geografia | 246.575 | 273.986 |
Fisioterapia e Pesquisa | 246.175 | 262.631 |
Revista Turismo em Análise | 238.929 | 264.192 |
Pós. (FAUUSP) | 233.787 | 263.834 |
Comunicação & Educação | 230.506 | 261.838 |
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros | 221.763 | 254.858 |
Organicom | 220.915 | 263.257 |
Estilos da Clínica | 218.433 | 243.146 |
Anagrama | 206.274 | 218.218 |
Periódicos com mais de 200 mil downloads e acessos em 2021
Diante destes números, alguma reflexão importa. Caso essas revistas fossem apenas impressas em papel, teríamos este alcance? Este interesse? Parece-me que o “não” é uma resposta prudente. Entretanto, é lógico que todos aqueles que gostam de publicações têm apreço pelo texto impresso, mas é inquestionável sua desvalorização não só sob a perspectiva da sustentabilidade, como também sob a do impacto.
Hoje, na USP, as publicações científicas devem obrigatoriamente insistir na política de valorização do meio digital como nas grandes universidades de classe mundial, porém com uma distinção: nós somos favoráveis majoritariamente ao livre acesso, logo nossa obrigação é valorizá-las e financiá-las, operando-as como patrimônio científico-cultural, curatorialmente tratado de forma sistêmica e equânime pelas bibliotecas e pela Agência de Bibliotecas e Coleções Digitais (ABCD). Afora que a ABCD, como programaticamente defensora da agenda 2030 da ONU e seus ODSs, não pode incentivar o uso do papel.
Outra questão é a diversificação do conhecimento nelas encerrado. Todas as áreas estão contempladas. Isto denota claramente o caráter universalista da USP. Mais do que isso, demonstra cabalmente que o lugar da ABCD é a equidade entre áreas. É visível notar que entre nós a excelência se espraia, se dissemina em publicações.
Isso que acabo de relatar a respeito da Portal de Revistas da USP é apenas uma pequenina amostra dos serviços, da respeitabilidade das Bibliotecas e da sua Agência aglutinadora sistêmica de ações. Servimos aos fins da USP maior e não há maioridade sem o compromisso com a democratização do conhecimento.