Aposentadoria e autonomia universitária

Por Mauro Bertotti, professor do Instituto de Química da USP

 21/03/2023 - Publicado há 1 ano
Foto: Divulgação / IQ-USP

 

Serão discutidas na reunião do Conselho Universitário de 23 de março duas propostas de bonificações salariais a serem concedidas a servidores docentes e não docentes. Uma delas tem como público-alvo todos os servidores, docentes e não docentes, em função do bom desempenho da USP em 2022, aferido por diversos rankings. O outro prêmio tem valores que variam de 4,5 mil a 5 mil reais para não docentes e 27 mil a 30 mil reais para docentes.

Este segundo prêmio, com valores variáveis, é denominado “Gratificação de Valorização, Retenção e Permanência” e somente os servidores ingressantes a partir de 2003 serão beneficiados. A justificativa principal para esta bonificação parece consistir no fato de que, para docentes ingressantes a partir de 2003, a aposentadoria integral deixou de ser uma realidade. Portanto, há menos benefícios em relação ao grupo que iniciou suas atividades na USP anteriormente a esta data. Não há dúvida de que a diferenciação é injusta, pois todos os servidores trabalham para o mesmo empregador (USP) e deveriam seguir igual legislação trabalhista. Entretanto, os docentes pós-2003 são tratados de maneira distinta, razão pela qual a Reitoria sensibilizou-se pela causa. Com relação aos prêmios, duas questões podem ser levantadas:

1. Os servidores não docentes, com poucas exceções, não possuem aposentadoria integral, independentemente do ano de ingresso. É provável que o valor a eles destinado referente à “Gratificação de Valorização, Retenção e Permanência” seja relativamente mais baixo por conta desta diferença (aposentadoria integral), mas tal justificativa, ou outra qualquer, poderia ser incluída na proposta.

2. O referido prêmio compensa a ausência da aposentadoria integral para docentes mais jovens, que devem ser tratados com toda a dignidade. Todavia, o prêmio será repetido nos anos vindouros? É muito louvável a atitude da Reitoria, que reconhece a assimetria e sugere um encaminhamento imediato. Ocorre que essa proposta ameniza o problema apenas pontualmente, e medidas mais estruturantes são necessárias a longo prazo.

O professor da USP é funcionário público e, a depender da data em que entrou para o serviço público e por conta das inúmeras reformas trabalhistas, sua aposentadoria pode ter regras completamente diferentes da de colegas que ocupam o mesmo cargo. Entretanto, algumas categorias de servidores públicos têm regras distintas de aposentadoria em função de características inerentes à função. Se a USP tem autonomia administrativa e o seu corpo docente presta serviços muito relevantes à nação, gestões poderiam ser feitas junto aos fóruns adequados visando a compensações pela perda da aposentadoria integral. A autonomia tem pouco valor se, de fato, somos subjugados a leis que se aplicam a todos os funcionários de modo linear, sem a devida avaliação da relevância da função social do trabalhador. Cabe à universidade reivindicar este tratamento diferenciado junto à sociedade, especialmente pela demonstração inequívoca de que os recursos do erário são empregados de modo eficiente, resultando em benefícios que incluem a produção de conhecimentos (vacinas, por exemplo), formação de recursos humanos qualificados e geração de políticas públicas de impacto exponencial. Não se trata de exigir privilégios inconstitucionais, mas de agir de forma ativa visando à busca de saídas legais para o exercício do papel da instituição ser conduzido de forma mais apropriada.

Outro exemplo concreto dos prejuízos da falta de autonomia consiste nos concursos de ingresso na carreira docente. O problema já se inicia com a inscrição, de cunho cartorial e em que são exigidos inúmeros documentos não relevantes para o processo de seleção. A prova escrita possui um componente de pouca previsibilidade, pois o ponto é definido por sorteio. Como o número de postulantes às vagas é geralmente muito grande, a prova escrita tem a principal função de atuar como um filtro de caráter “objetivo”, pois a prova está documentada. Por ser público o concurso, exige-se a leitura de todas as provas em processo que pode demorar dias, dependendo do número de candidatos. Trata-se de uma etapa muito cansativa para a banca e que pode excluir candidatos muito qualificados em termos de produção científica. Como atrair um candidato estrangeiro com regras tão distintas das praticadas nas universidades de excelência do exterior? Nelas, os candidatos com o perfil desejado para a vaga são convidados para entrevistas (e recebem por isso!), ministram seminários e conhecem a instituição e a sua missão. Escolhas pautadas em processo que permite efetiva interação entre ambas as partes têm maior chance de sucesso. Mantidos os concursos de contratação de docentes nos atuais moldes, as condições para uma internacionalização efetiva da USP permanecem fortemente comprometidas.

Os problemas associados à aposentadoria dos docentes mais jovens merecem extensa reflexão, assim como inúmeros outros. Por exemplo, o uso dos recursos é atualmente feito em processos licitatórios que, em muitos dos casos, causam transtornos e não geram os resultados esperados, com perda de tempo e verbas. Tais complicações existem porque a USP tem autonomia no papel, mas, na prática, está vinculada a uma legislação que não tem aderência aos propósitos de uma instituição universitária candidata ao status de suas congêneres internacionais. Dotada de efetiva autonomia acadêmica, financeira e administrativa, certamente a USP poderia servir melhor à missão de promover a criação e difusão do conhecimento em elevado nível, mantendo-se como um farol para as demais universidades brasileiras.

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