Ao Zé Renato

Kimi Tomizaki é professora de Sociologia da Faculdade de Educação da USP;
Márcio Moretto Ribeiro é professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP

 03/05/2019 - Publicado há 5 anos

Kimi Tomizaki – Foto: Arquivo pessoal

Marcio Moreto – Foto: Arquivo pessoal

(Homenagem da Representação dos Doutores ao prof. José Renato de Campos Araújo)

 

Segundo Norbert Elias, no livro A solidão dos moribundos, “a morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas”. É um fato. No dia 31 de janeiro, a morte se tornou um problema para os vivos que aqui tiveram que permanecer sem a presença do Zé Renato. Tiveram e terão que permanecer num mundo que ficou pior com sua ausência. Um mundo que ficou menos inteligente e divertido, um mundo mais pobre e raso, sem seus comentários afiados, suas análises inspiradas e suas gargalhadas. As gargalhadas que estavam lá, mesmo diante dos infortúnios que cruzaram seu caminho, para lembrar a todos que não seria qualquer coisa que perturbaria sua existência.

Os alunos do curso de Gestão de Políticas Públicas perderam um grande professor. A EACH perdeu um docente e pesquisador competente e comprometido com o desenvolvimento da escola. A USP perdeu um jovem intelectual que teve sua trajetória misturada com a desta Universidade desde sua graduação na FFLCH, e que pensava, como poucos, seu trabalho não como um projeto individual de sucesso acadêmico, mas como um projeto intelectual e político que tinha como horizonte a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, o que passava pela democratização do acesso ao ensino superior público e, portanto, pela preocupação com o aprimoramento contínuo desta Universidade. Preocupação legítima e qualificada, digna de alguém que pode ser chamado, de fato, de um gestor de políticas públicas. E nós, nós perdemos tudo isso e também um amigo. E como “nós” nos referimos a um grupo mais amplo de docentes que trabalharam e trabalham na EACH desde seus anos iniciais, dividindo de um modo íntimo e visceral cada um dos debates em torno da implementação deste novo campus da USP e seus desafios.

A morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas.”

O Zé Renato foi o primeiro coordenador do curso de GPP, após a saída dos coordenadores que conduziram o processo inicial de formação dos cursos da EACH, e foram inúmeros os problemas enfrentados por ele, sempre de modo sereno e equilibrado. Ele atuou ainda como docente do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais, foi pesquisador do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo e pesquisador-associado do Núcleo de Estudos de População e do Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas (EACH-SP). Ele foi ainda representante dos doutores junto ao CO ao longo de quatro turbulentos anos da história da USP, durante os quais ele representou nossa categoria de modo consequente e habilidoso, criando o blog da Representação dos Doutores e acolhendo as tensões e divergências da base representada em torno de questões muito delicadas, que foram discutidas no CO no período em questão. Mesmo nas ocasiões mais complicadas, dentro e fora da USP, o que prevalecia no comportamento do Zé Renato era o bom humor e a disposição para encontrar alternativas dialogadas e adequadas para qualquer questão, sempre a partir da convicção de que era possível construir uma sociedade democrática e mais justa.

O Zé nos deixou num momento em que nosso país, lamentavelmente, trilha caminhos marcados por tudo que ele abominava, como a ignorância, a violência, o autoritarismo, o obscurantismo, a desqualificação e o desmantelamento de políticas públicas que poderiam promover condições para que a população brasileira pudesse gozar de condições dignas de vida. Honrar sua memória significará continuar as lutas que ele travou ao longo de sua trajetória na construção de um mundo mais igualitário e justo, um mundo no qual as futuras gerações, inclusive seus filhos, Gabriel e Felipe, não precisem viver sob a angústia de assistir ao estreitamento de seus projetos de futuro diante do ataque aos direitos dos cidadãos e sob o temor da violência e da intolerância, que possam voltar a sonhar e ter esperança em dias melhores para todos e todas. Finalmente, gostaríamos de garantir ao Gabriel e ao Felipe que a voz do seu pai, que além de nosso amigo, foi um professor e pesquisador reconhecido pela comunidade acadêmica, continuará, apesar da sua dolorosa ausência, a ecoar no blog, nos debates do Conselho Universitário, no coração dos amigos e no cotidiano daqueles que tiveram o privilégio de partilhar o trabalho com ele.

 

 


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