As águas residuárias, tratadas ou não, chegam cedo ou tarde aos rios e ao oceano. E se não estiverem propriamente tratadas, podem comprometer a saúde dos corpos hídricos, com sérias consequências para a biodiversidade e a saúde e segurança alimentar das pessoas que as utilizam, direta ou indiretamente. Mas, há soluções.
Para além do tratamento, o reúso é uma possibilidade. As águas residuárias de fonte agroindustrial podem ser reaproveitadas, após tratamento, no processo de fertirrigação, dado seu alto teor de macros e micronutrientes. A sua aplicação colabora com a produtividade, minimiza a utilização de fertilizantes sintéticos e reduz a demanda por água de melhor qualidade para esse fim. Esse reúso requer, todavia, um acompanhamento, não só da qualidade dessas águas, como também o mapeamento de áreas aptas que podem ser irrigadas – considerando, por exemplo, o tipo de solo e sua ocupação, a inclinação do terreno, profundidades do aquífero e a proximidade dos rios, para garantir a segurança desse tipo de aplicação.
Outra abordagem possível é a valorização dessas águas. Quando pensamos em águas residuárias industriais e agroindustriais, uma mudança no olhar pode transformar o que hoje é um resíduo em um subproduto. Atualmente, águas residuárias ricas em matéria orgânica já são utilizadas na produção de energia limpa na forma de biogás. Além disso, outros compostos como ácidos orgânicos e álcoois (de interesse para indústrias farmacêutica, alimentícia, entre outras) e até mesmo bioplásticos podem ser produzidos a partir do processamento dessas águas. Promove-se assim uma mudança de paradigma, onde o tratamento de águas residuárias deixa de ser somente uma obrigação para atendimento às legislações ambientais e passa a ser uma oportunidade de negócio, boa não só para a indústria como para o meio ambiente.
Soluções sustentáveis como essas reduzem a poluição das fontes de abastecimento, que afetam a qualidade de vida das populações e exigem tratamentos de água mais complexos. E este monitoramento da qualidade começa no local onde a água é captada, sendo avaliada a qualidade da água bruta, importante para definir como a água será tratada. Esse processo é necessário para que a água não tenha cor, sabor, cheiro e substâncias tóxicas. Para aumentar a eficiência do tratamento de água e diminuir os custos gerados (e o valor da conta de água paga pelos consumidores), é necessário conhecer a qualidade da água bruta de forma instantânea, possibilitando ações imediatas. Como, por exemplo, desenvolvendo um dispositivo que analise parâmetros diretamente na captação de água.
E uma das fontes de abastecimento são as águas subterrâneas, que são responsáveis pelo abastecimento de milhões de pessoas. A gestão e manutenção da qualidade e níveis dos aquíferos são uma questão de segurança hídrica para diversas cidades brasileiras. Apesar disso, a recarga dos aquíferos ainda não é uma realidade no Brasil. As águas das chuvas (que alagam muitas ruas) e outras fontes adequadamente tratadas poderiam ser utilizadas na irrigação e infiltração de áreas verdes ou mesmo diretamente injetadas nos aquíferos. Soluções integradas são importantes mecanismos de aumento da resiliência de cidades frente ao aumento das demandas e às mudanças climáticas globais.
As águas estão conectadas e tudo o que não conseguimos tratar em terra acaba sendo carregado pelas águas para o oceano (o maior corpo de água de nosso planeta), onde resíduos se acumulam e interagem negativamente. E é fato que sabemos pouco sobre o Oceano, mas o pouco que sabemos mostra que os impactos das atividades humanas estão presentes desde a superfície às maiores profundidades. Enfrentar esses impactos demanda uma gestão integrada dos recursos hídricos no Brasil. Para subsidiar esses processos que considerem as conexões terra-mar, precisamos inovar para ter uma ciência mais democrática, inclusiva, propositiva e integrada.
Pesquisas interdisciplinares, como as que são realizadas no programa USPsusten, contribuem para a segurança hídrica e bem-estar para as atuais e futuras gerações. Estas soluções propostas vão diretamente ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 6 e 14, da Agenda 2030 da ONU, e, assim como a água, conectam os demais objetivos.
* Mirian Yasmine Krauspenhar Niz, pós-doutoranda na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, e Alexander Ossanes de Souza, pós-doutorando no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP. Todos os autores fazem parte do programa USPsusten.
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