A vida urbana nos espaços públicos e áreas verdes pós-pandemia

Por Deize Sbarai Sanches Ximenes e Ivan Carlos Maglio, pesquisadores do programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP

 03/08/2020 - Publicado há 4 anos
Deize Sbarai Sanches Ximenes – Foto:  Arquivo pessoal
Ivan Carlos Maglio – Foto: Arquivo pessoal
Os impactos provocados pela pandemia da covid-19 trazem profundas consequências na vida urbana, nos hábitos e comportamentos do cotidiano das pessoas, e neste momento é preciso repensar a cidade que queremos viver. Diante de tantas incertezas, vemos a oportunidade de fortalecer a vida urbana com práticas ambientais saudáveis, que agregarão não apenas qualidade de vida na escala do bairro, mas trarão uma maior integração do homem com a natureza e benefícios ao meio ambiente, visto que as cidades são os locais mais vulneráveis diante das mudanças climáticas e necessitam de um novo olhar no seu planejamento.

A pandemia da covid-19 colocou em questão e ressaltou a importância das áreas verdes e dos espaços públicos urbanos, em contrapartida ao isolamento social a que todos ficamos submetidos, como a única vacina disponível para evitarmos a contaminação. Após algum tipo de flexibilização desse difícil isolamento, as pessoas estão ávidas em usufruir dos benefícios dos espaços livres, além de voltarem a um algum tipo de convívio social tão importante para nossa saúde. No entanto, vamos ter que buscar novos protocolos de comportamento social para podermos usufruir das áreas verdes, e ao mesmo tempo buscar ampliar as oportunidades de acesso a áreas verdes para todos os segmentos sociais. E muitas vezes, como é o caso de São Paulo, esse acesso implicará necessariamente a ampliação de novos espaços públicos (PSICAM ORG, 2020).

Em contrapartida, o modelo de cidade funcionalista com o máximo de aproveitamento construtivo, impermeabilização dos espaços urbanos, destruição da cobertura vegetal e canalização dos rios e córregos está cada vez mais vulnerável e menos resiliente às mudanças climáticas e seus impactos – intensificação das chuvas e risco de inundações, escorregamentos em áreas de risco pela presença de solos expostos e encostas com riscos de movimentação de massas.

JACOBS (1961), com sua crítica à ideologia urbanística do modernismo, à separação esquemática dos diferentes usos do solo e ao crescimento vertiginoso do uso do carro, afirma que o resultado foram as cidades sem vida, inseguras e esvaziadas de pessoas; e GEHL (2013) ressalta a importância do planejamento urbano e o resgate da dimensão humana das cidades para acomodar as pessoas em espaços públicos suficientes e projetados na escala do homem, de forma agradável e segura, sustentável e saudável. Ambos delinearam novos caminhos a serem explorados para construir cidades sustentáveis.

Nesse sentido, a vida urbana pós-pandemia pode ser repensada de forma a valorizar as áreas verdes na cidade de São Paulo, as quais oferecem benefícios sociais, ambientais, culturais, recreacionais, estéticos e de saúde à população. A ampliação das áreas verdes nos espaços públicos exercerá funções importantes para a qualidade socioambiental: lazer, saúde pública, melhoria na qualidade do ar, melhoria da convivência em comunidade, melhorias climáticas, corredores verdes, criação de ecobairros; e se faz presente no sentimento de pertencimento dos espaços públicos pelas pessoas, na participação da comunidade, no aumento das relações sociais, na saúde e no bem-estar.

A quarentena e o isolamento social em nível global impostos pelo enfrentamento da pandemia nos trazem uma reflexão central: como vamos viver juntos nos espaços públicos no pós-pandemia?

Nesta linha de pensamento, partimos da suposição que uma malha verde bem planejada e monitorada poderá ser uma estratégia fundamental na reconexão das pessoas com a natureza, propiciando um fortalecimento da resiliência social, respondendo aos anseios da comunidade de forma inclusiva e saudável, e no suporte ambiental das cidades, como um meio de regeneração do tecido urbano perante as mudanças climáticas, e com ainda maior importância e ressignificação do papel das áreas verdes da cidade.

Podemos citar como referência de boas práticas socioambientais de áreas verdes na morfologia urbana a revitalização do Córrego Cheong-Gye em Seul, na Coreia do Sul. No início do século XXI, uma área central da cidade – inóspita à vida urbana, com um córrego poluído e tamponado sob uma malha viária elevada, teve uma transformação radical da paisagem. A implantação de um plano de requalificação e a criação de 6 km de parque linear ao longo do córrego Cheong-Gye, aberto e despoluído, proporcionou à cidade o principal elemento de inclusão socioambiental e novas oportunidades de lazer, cultura e bem-estar às pessoas.

Os espaços públicos da cidade – ruas, praças e parques, assim como os subutilizados, becos e vazios urbanos -, poderão contribuir na formação dessa rede de áreas verdes, conectando bairros e propiciando o convívio social com atividades de lazer, cultura e esporte. Dentre elas destacam-se: o aumento da arborização no sistema viário e calçadas largas arborizadas (boulevards), assim como canteiros centrais com ciclovias e pistas de caminhada; a implantação de hortas comunitárias em pequenas praças de bairros, áreas comuns de escolas públicas, área da linha de alta tensão, ou ainda em equipamentos públicos, a exemplo em São Paulo como o telhado verde do Centro Cultural São Paulo; os caminhos verdes (greenways), trazendo a renaturalização de córregos e rios, com pistas de caminhadas e ciclovias, como exemplo o Parque das Corujas na Vila Madalena, em São Paulo.

Segundo GIORDANO (2004), os parques lineares são áreas destinadas tanto à conservação como à preservação dos recursos naturais, tendo como principal característica a capacidade de interligar fragmentos florestais e outros elementos encontrados em uma paisagem, assim como os corredores ecológicos.
Os parques lineares podem constituir um espaço para fortalecer a democracia e se converter em um referencial de identidade importante às pessoas no pós-pandemia. O acesso aos parques lineares é público, gerando possibilidades de atividades esportivas e de recreação essenciais para a saúde física e mental dos cidadãos, gerando inclusão social e vínculo das comunidades pertencentes a diferentes delimitações territoriais, principalmente quando englobam uma ampla extensão do solo urbano.

Destacamos o grande potencial ambiental dos parques lineares como um mecanismo direto para preservar áreas protegidas e biodiversidade próprias do ecossistema, assim como a presença de áreas verdes, que cumprem um papel estratégico nas iniciativas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O plantio de árvores e conservação da vegetação dessas áreas de contribuição para a absorção de CO2, e além disso, a mitigação dos efeitos das enchentes, porque podem fortalecer a estrutura dos leitos fluviais. Este papel, em particular, faz com que os parques lineares sejam elementos estratégicos nas políticas climáticas nos espaços urbanos, e buscam complementaridade com outras políticas (BID, 2013).

Assim como Campinas, no seu Plano Municipal do Verde de Campinas 2016, diversos municípios fora do Brasil desenvolveram planos voltados à restauração do meio ambiente municipal; também chamados de GreenPlan – corredores ecológicos, sempre mantendo a questão da conectividade de fragmentos vegetais como base do conceito. (CAMPINAS, 2016).

Percebe-se a necessidade de integração não só das áreas verdes, mas também da rede hídrica – córregos e rios, como elemento estruturador da paisagem urbana, criando uma conexão integrada e sustentável para as cidades.

“O rio tem um potencial incrível para se desenvolver uma infraestrutura verde. Tem os maciços florestados, quer dizer, com fragmentos importantes de Mata Atlântica, que devem ser conservados. A biodiversidade é extraordinária. A sua paisagem é o grande ativo, e em minha visão deveria ser o foco principal de um planejamento que não só conservasse, mas recuperasse o que for possível de seus ecossistemas naturais. Com isso, o Rio teria o potencial de ser a primeira “Cidade Verde” do Brasil, ou melhor, da América Latina (…).” (HERZOG, 2010; pág. 157).

As ruas e avenidas da cidade de São Paulo poderão se configurar em um grande potencial como corredores verdes – cenários que atuam como condutores e habitat para espécies animais e vegetais adaptadas ao ambiente urbano, assim como uma conexão saudável entre parques, praças e espaços livres para as pessoas se apropriarem de forma dinâmica com a caminhabilidade.

Os parques urbanos precisam ser reabertos com prioridade em relação às atividades fechadas, com medidas de segurança sanitárias para preservar a saúde das pessoas, e com estratégia de uso adequado à capacidade de suporte – referente ao número de pessoas por área útil de cada parque. No Parque Domino, em Nova York, foram definidas áreas de uso em formato de círculos no gramado limitando o número de pessoas por grupo, para garantir um distanciamento seguro.

Outro importante cenário a ser explorado são os espaços abertos e conectados à rede viária de corredores verdes – os parklets – áreas contíguas às calçadas, onde são construídas estruturas a fim de criar espaços de lazer e convívio onde anteriormente havia vagas de estacionamento de carros, e pequenas áreas verdes nos bairros (PDE 2002 e PDE 2014, SP).

Fortalecer a retomada da implantação dos parques lineares previstos com a rede hídrica ambiental, definida no Plano Diretor Estratégico – PDE-2014 – Lei 16.050/2014 do Município de São Paulo no Art. 24 e nas Diretrizes dos Planos Regionais das Subprefeituras (Decreto nº 57.537, de 16 de dezembro de 2016).

As áreas verdes distribuídas de forma equânime no território permitirão o acesso rápido dos cidadãos a seus benefícios, mais próximos aos seus locais de moradia e ou de trabalho, particularmente nesse novo normal trazido pelo cenário de pós-pandemia ou de convivência com novas ondas de pandemia, para que possamos voltar a usufruir de forma segura desses espaços, que apontam para uma cidade mais sustentável, resiliente, includente e solidária.

Referências bibliográficas
BID – Banco Interamericano de Desarrollo, Mora N. M. Experiências de parques lineares no Brasil: Espaços multifuncionais com o potencial de oferecer alternativas a problemas de drenagem e águas urbanas. NOTA TÉCNICA # IDBTN-518, 2013. Disponível em https://publications.iadb.org/publications/portuguese/document/Experi%C3%AAncias-de-parques-lineares-no-Brasil-espa%C3%A7os-multifuncionais-com-o-potencial-de-oferecer-alternativas-a-problemas-de-drenagem-e-%C3%A1guas-urbanas.pdf
CAMPINAS. Plano Municipal do Verde. Prognósticos. Prefeitura Municipal de Campinas. 2016.
GEHL Jan. Cidade para pessoas. Editora Perspectiva. 2013
GIORDANO, Lucília do Carmo. Análise de um conjunto de procedimentos metodológicos para a delimitação de corredores verdes (greenways) ao longo de cursos fluviais. Tese de Doutorado. Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2004.
HERZOG, Cecilia P.; ROSA, Lourdes Zunino. Infraestrutura verde: Sustentabilidade e resiliência para a paisagem urbana. Revista LABVerde FAUUSP, São Paulo no 1, out 2010, pp. 91–115/157-161.
JACOBS J. Morte e Vida de Grandes Cidades. Editora Martins Fontes. 2011.
SÃO PAULO (cidade). Prefeitura do Município de São Paulo. Plano Diretor Estratégico, São Paulo – Lei nº 13430 de 13 de setembro de 2002. In https://cm-sao-paulo.jusbrasil.com.br/legislacao/813196/lei-13430-02
SÃO PAULO (cidade). Prefeitura do Município de São Paulo.
LEI Nº 16.050, DE 31 DE JULHO DE 2014. Plano Diretor Estratégico. In https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/PDE_lei_final_aprovada/TEXTO/2014-07-31%20-%20LEI%2016050%20-%20PLANO%20DIRETOR%20ESTRAT%C3%89GICO.pdf. Acesso em 01/06/2020.
PSICAMB.ORG. ASOCIACIÓN DE PSICOLOGÍA AMBIENTAL. Orientações para estar em casa. Psicologia do espaço. 2020. Disponível em:
https://psicamb.org/index.php?lang=pt. Acesso em 01/06/2020.


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