A prática do jornalismo científico em algumas universidades públicas brasileiras

Por Carla de Oliveira Tôzo, doutora em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP

 Publicado: 10/09/2024 às 19:12
Carla de Oliveira Tôzo – Foto: CV Lattes
No último texto da série que discute a prática do jornalismo científico nas universidades públicas brasileiras, trago alguns exemplos de produtos de jornalismo científico abordados na pesquisa A práxis do jornalismo científico: a experiência do Jornal da USP e de universidades públicas brasileiras no período pandêmico, desenvolvida entre os anos de 2020-2023, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo sob a orientação do professor Luciano Victor Barros Maluly e com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes).

A atividade científica alcança a sua plenitude quando o pesquisador ou o cientista comunica os resultados de seu trabalho para a sociedade, pois para o sociólogo francês Dominique Wolton “a comunicação é sempre a busca da relação e do compartilhamento com o outro”.

Cabe ao divulgador científico – seja jornalista ou não – divulgar, difundir, promover, publicar, colocar essa informação/conhecimento ao alcance do público não especializado. Defende-se que o papel da divulgação científica é ser uma ponte, um elo entre o emissor (normalmente o cientista) e o receptor (público geral), mas não de forma impositiva, pensando apenas em traduzir. É necessário ir além, é preciso explicar, possibilitar associações com as práticas diárias e, nesse caso, o jornalismo pode ser um excelente aliado.

Os jornalistas espanhóis e pesquisadores em Comunicação Francisco Esteves Ramirez e Javier Fernandez Del Moral corroboram da ideia de Wolton e vão além, pois acreditam que “a informação jornalística especializada vem para cobrir o abismo que, tradicionalmente, existe entre os cientistas e os cidadãos não especializados nesses contextos especializados.”

Desse modo, o jornalismo científico produzido pelas universidades pode ser um facilitador, porque o jornalista está mais próximo do cientista, entende da lógica da pesquisa científica e não se vê preso às pautas comerciais, ou seja, é possível dar um espaço maior para a cobertura de Ciências e construir esse material com a lógica do interesse público, como buscam fazer os exemplos a seguir. Na pesquisa há mais de dez veículos/produtos mencionados, mas aqui destacamos três.

Jornal Beira do Rio

Na Universidade Federal do Pará temos o Jornal Beira do Rio, que nasceu em 1985 e, desde então, é um veículo de divulgação científica tanto das pesquisas da universidade quanto questões da sociedade vistas sobre os olhos dos pesquisadores da instituição. Trimestralmente, o público pode acessar as matérias individualmente no site ou a edição completa digitalizada no formato PDF. Basicamente o veículo é feito por quatro pessoas (a editora que eventualmente também escreve, dois repórteres e um ou mais estagiários a depender da edição).

Revista Darcy

A revista Darcy, publicação de jornalismo científico e cultural, nasceu em 2009 como um projeto de extensão da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e, desde 2021, é produzida pela Secretaria de Comunicação (Secom) da universidade. São publicadas duas edições por ano e o conteúdo pode ser consultado no site da revista ou na íntegra em PDF. Ao todo, a Secom tem uma equipe grande, e, mesmo que em um número menor, de acordo com o expediente da Darcy, para a revista há pelo menos 15 pessoas envolvidas entre editores, repórteres, produtores e revisores.

É importante ressaltar que a revista também é utilizada como uma ferramenta de aproximação entre a universidade e as escolas públicas (Ensino Médio) de Brasília e, por isso, há a realização de encontros com a participação de jornalistas da Secom e pesquisadores da UnB nessas instituições com a proposta de despertar o interesse pela ciência e aproximar a universidade dos estudantes e seus familiares.

Jornal da USP

O Jornal da USP, veículo que hospeda esse artigo e que tem um capítulo dedicado a ele na tese, existe desde 1985, mas passou a ser digital em maio de 2016.

Identifica-se que o jornal tem um leque amplo de cobertura jornalística e que, indiretamente, visa à divulgação da pesquisa e à ampliação do acesso ao conhecimento científico. Seja na home (atualizada diariamente), seja nas páginas das editorias, é visível que o veículo faz divulgação científica e, em editorias e reportagens mais específicas, como a de Ciências, a prática do jornalismo científico.

Na época da pesquisa, a editoria de Ciências contava com oito profissionais, sendo três estagiários, dois repórteres, duas subeditoras e uma editora, Luiza Caires, que no dia a dia faz o trabalho de edição, orientação dos estagiários, captação de pautas, relacionamento com pesquisadores e, eventualmente, reportagens tanto para o Jornal da USP quanto para outros veículos parceiros que cobrem a pauta de ciência. É importante destacar que a editoria tem uma atuação importante nas redes sociais com o @cienciausp.

Linguagem acessível e visão institucional

Em todos esses exemplos, há por parte dos jornalistas que trabalham nas universidades e cobrem a pauta de ciências a bandeira da linguagem acessível. Mas o que seria uma linguagem acessível? As orientações para a sua produção procuram mesclar recursos linguísticos (parágrafos mais curtos, com explicações, analogias, metáforas, exemplificações) e estéticos (imagens, infográficos, animações) e a fazer uso das técnicas que possam vir a contribuir com essa acessibilidade.

Tanto na apuração quanto na redação, o uso do lead é bem-vindo, mas não o lead como uma técnica burocrática para responder questões chave: o que, quem, quando, onde, como e por que. O lead para esses profissionais ajuda a construir a narrativa, pois é fundamental respeitar o estilo de escrita de cada repórter.

Apesar das iniciativas louváveis na prática do jornalismo científico pelas universidades públicas, há ainda dois pontos que merecem atenção.

O primeiro é a linha tênue entre a cobertura de ciências com as características que o jornalismo científico exige e a preocupação com a imagem institucional da instituição. Os jornalistas que trabalham nesse setor reconhecem essa questão, mas afirmam que o que está em jogo é a divulgação da ciência, portanto, para os profissionais há a clareza de que o trabalho deve seguir os desígnios e as necessidades da opinião pública, não da universidade.

O segundo diz respeito ao público. Com quem essas universidades falam? Para além da ideia do público não especializado, as instituições compreendem o contexto ao qual esse público está inserido?

Não há como mensurar – de fato – quem é esse público porque as universidades não têm como fazer uma pesquisa de opinião, pois faltam recursos físicos e materiais para isso. Seja com a ajuda da equipe de TI, seja a partir dos relatórios do Google Analytics, há a possibilidade de saber se o público é de fora ou de dentro, a idade, gênero, assuntos que mais despertaram o interesse pelo número de cliques ou compartilhamentos, mas não como esse conteúdo está sendo assimilado.

Mesmo que essas iniciativas ainda não tenham um amplo alcance, elas são essenciais, ainda mais considerando a diminuição do espaço dedicado à editoria de ciências na grande mídia. É fato que o conteúdo produzido pelas universidades tem ocupado as lacunas deixadas por esses veículos na cobertura da pauta ciências, sendo inclusive, reproduzidos (em partes e/ou na íntegra) por eles.

Seja na home da universidade quanto em espaços específicos e nos formatos de texto, áudio, vídeo essas ações foram (e são) importantes porque contribuíram (contribuem) com a divulgação da ciência e, consequentemente, com a ampliação do acesso ao conhecimento científico por diferentes parcelas da população.

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