A perda da resiliência urbana e as inundações e alagamentos no bairro de Pinheiros

Por Ivan Maglio, pesquisador do programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) USP, e Renata Esteves, advogada do Movimento Defenda São Paulo

 18/05/2022 - Publicado há 2 anos
Ivan Carlos Maglio – Foto: Arquivo pessoal
Renata Esteves – Foto: Arquivo pessoal

 

Uma chuva de 94 mm em menos de três horas, no dia primeiro de março deste ano, colocou várias áreas da cidade e em especial o bairro de Pinheiros em uma situação de inundação e de alerta na terça-feira de carnaval, por volta das 19 horas. Desta vez não foram apenas a Rua Harmonia e o Beco do Batman onde há alagamentos, mas toda a área da Av. Rebouças e adjacências, passando pela Rua Arthur de Azevedo e Pinheiros, incluindo o entorno da Estação Fradique Coutinho do Metrô, que ficou com as ruas do entorno alagadas, restando pouco para as águas invadirem a estação do Metrô.

Esses impactos decorrentes de chuvas acima de 70 mm são os resultados da perda de resiliência urbana dessa parte do bairro de Pinheiros, onde o movimento Pró-Pinheiros luta pela manutenção de qualidade urbana e ambiental do bairro, contra os excessos causados pela crescente impermeabilização, pressões sobre a infraestrutura viária e drenagem urbana, e verticalização desenfreada provocada pelos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana em torno de 300 a 600 metros de raio das estações de Metrô e nas faixas de 150 metros de cada lado ao longo dos Corredores de Ônibus nos eixos na região da Avenida Rebouças, Ruas Pinheiros e Teodoro Sampaio.

Os efeitos de uma chuva forte e que durou cerca de três horas foram suficientes para ilhar pessoas que frequentavam os bares e restaurantes, carros e frequentadores da região e foram inúmeros os incômodos para seus moradores. As imagens registradas pelos moradores são importantes para demonstrar os impactos decorrentes da sobrecarga da infraestrutura urbana, da perda de resiliência urbana e da qualidade ambiental do bairro. Embora a chuva tenha sido forte, os seus efeitos foram muito superiores aos dos alagamentos e inundações que ocorrem historicamente na região. Os moradores antigos do bairro estão estarrecidos e assustados.

Os resultados deixam claro o total descaso do governo municipal com o meio ambiente e a infraestrutura urbana do bairro, já que a partir de 2014, com a promulgação do Plano Diretor, pelos efeitos do projeto urbano denominado Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, foram liberados indiscriminadamente milhões de metros quadrados para serem construídos em novas megaedificações sem limite de altura e outras flexibilizações de parâmetros para as edificações, sem exigir previamente nenhum tipo de avaliação de impacto ambiental, urbanístico e social onde foram permitidos.

Com essas liberações o bairro de Pinheiros e adjacências se transformaram em campeão de demolições (e de verticalização) na cidade, num imenso canteiro de obras, e ao passo que a impermeabilização avança, as áreas verdes e a vegetação são insuficientes e se reduzem, os espaços públicos perdem qualidade urbana e nada é feito para aumentar a resiliência do bairro e para mitigar os impactos das inundações que serão cada vez mais frequentes com a crise climática.

Há consenso entre especialistas ao apontar desmatamento e impermeabilização entre as principais causas do agravamento das inundações na capital e ao destacar a importância da cobertura arbórea para atenuá-las. Tal alteração somada à verticalização altera o microclima local, em um processo de desertificação da região, aumentando a temperatura e modificando o regime de chuvas, não apenas do local, mas da cidade. Em Pinheiros, retira-se vegetação pouco a pouco, quadra a quadra, para dar lugar a um processo frenético de edificação especulativo-financeiro, com notável retrocesso ambiental. E quando o desastre acontece, a culpa é das chuvas e das árvores que caem.

A falta de prévios estudos de impacto ambiental exigíveis pela legislação ambiental para a aprovação dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana com áreas imensas, com muito mais de 100 hectares, e com um imenso potencial construtivo liberado é o elemento mais decisivo para ampliar os impactos ambientais, a perda de qualidade ambiental e a resiliência aos riscos climáticos no bairro.

Apesar do Plano Diretor Estratégico da Cidade determinar a observância de normas nacionais, estaduais e municipais que garantem a proteção do meio ambiente urbano e que evitariam a tragédia de Pinheiros, e de outras áreas da cidade, o licenciamento dessas edificações as despreza e segue sendo feito pela prefeitura sem as avaliações de impacto ambiental e da capacidade de suporte da infraestrutura de drenagem, de esgotamentos sanitários, do viário do bairro. O respeito às regras que já existem, por si só, já protegeria, por exemplo, as Vilas do Sol e outros microbairros de Pinheiros e da cidade, que mantêm o clima e as áreas verdes e permeáveis do bairro.

Os parques solicitados pela população da região, a exemplo do parque proposto na Rua João Moura com Teodoro Sampaio, até agora sem sucesso, as áreas verdes e medidas de adaptação climática com o uso de infraestrutura verde e soluções baseadas na natureza e mitigação das enchentes, como parques lineares e com criação de áreas permeáveis na sua microbacia, são providências urgentes.

Os eventos de Pinheiros mostram que a cidade não suporta mais construir desconsiderando o meio ambiente e dando costas para as mudanças climáticas. Evitar os impactos decorrentes dos mecanismos urbanísticos permitidos pelo Plano Diretor Estratégico e pela Lei de Uso e Ocupação do Solo é possível, basta obedecer à lei e se resgatará a resiliência e se preservará a qualidade urbana de Pinheiros e da cidade! Sem prejuízo de se fazer as compensações ambientais obrigatórias!

Imprescindível que a forma de demarcação das áreas dos eixos seja revista, exigindo-se previamente estudos ambientais, de forma a resguardar as áreas saudáveis e os miolos de bairros protegidos no próprio Plano Diretor Estratégico, além de se mensurar impactos para estabelecer limites ao adensamento hoje ilimitado.


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