A História Econômica na USP

Everaldo Andrade é professor do Depto. de História;
Lincoln Secco é professor associado do Depto. de História;
Marisa Midori Deaecto é professora de História do Livro da ECA-USP

 29/09/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 02/10/2017 as 12:53

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Marisa Midori Deaecto – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Lincoln Secco – Foto: Arquivo pessoal

 

Everaldo de Oliveira Andrade – Foto: História-FFLCH
O Programa de Pós-Graduação em História Econômica da Universidade de São Paulo teve sua nota rebaixada e o doutorado, descredenciado pelos próximos três anos. Outros programas de pós-graduação de excelência da Universidade de São Paulo receberam nota baixa pela Capes, a exemplo do Prolam, que é interdisciplinar e atende a alunos de vários países da América Latina, e cursos modelares da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Será casual que esse núcleo marcado pela tradição crítica e resistência intelectual no Brasil tenha sido rebaixado, em avaliações que desconsideraram, até mesmo, o fato de alguns programas serem únicos em todo o País?

A avaliação meramente quantitativa não reflete a qualidade de nossos cursos. Quem em sã consciência diria que a História Econômica, na principal universidade do País, é a pior entre todos os programas avaliados? O corpo docente é reconhecido pela excelência de suas pesquisas, publicações em revistas acadêmicas nacionais e internacionais, livros premiados, reeditados e traduzidos no exterior. Além disso, tem enorme incidência no debate público. Quem pode mensurar esse complexo, no qual pesquisa, ensino e extensão compõem o DNA da atividade uspiana?

O corpo discente se caracteriza pela seriedade em suas pesquisas e, muitas vezes, sem qualquer auxílio financeiro tem produzido dissertações e teses de reconhecida importância acadêmica. Alunos egressos do programa exercem liderança em grupos de pesquisas e em universidades de todas as regiões do Brasil e no exterior.

A avaliação meramente quantitativa não reflete a qualidade de nossos cursos. Quem em sã consciência diria que a História Econômica, na principal universidade do País, é a pior entre todos os programas avaliados? O corpo docente é reconhecido pela excelência de suas pesquisas, publicações em revistas acadêmicas nacionais e internacionais, livros premiados, reeditados e traduzidos no exterior. Além disso, tem enorme incidência no debate público. Quem pode mensurar esse complexo, no qual pesquisa, ensino e extensão compõem o DNA da atividade uspiana?

O Programa de História Econômica é um dos primeiros do País e o único em sua área de concentração. Sendo assim, seria o caso de se perguntar sobre a validade dos parâmetros empregados para compará-lo com outros cursos, realizados em contextos e realidades sociais e institucionais tão díspares nesse país de dimensões continentais? Antes de sua criação, a USP já formava doutores na área. Isso desde 1942, quando reconheceu os títulos de Eurípedes Simões de Paula e Alice Piffer Canabrava.

Nossos antigos docentes, na esteira de Fernand Braudel, professor da Cátedra de História das Civilizações, e de Caio Prado Junior, aluno da primeira turma de História e Geografia, inauguraram uma tradição que se desdobrou num programa vocacionado ao estudo da História em suas múltiplas dimensões a partir do ângulo da produção material.

As linhas de pesquisa resultam de uma postura teórica que privilegia a Demografia, a Cultura, a Sociedade, as Políticas Públicas, as Associações Empresariais, o Movimento Sindical… o momento estrutural e a longa duração, a qual, evidentemente, não se confunde com um recorte temporal maior ou menor.

Certamente a História Econômica ambiciona reconstituir a inatingível totalidade da vida humana a partir de problemas econômicos. Mas eles são um meio e não o fim, que continua sendo a reconstituição de todas as esferas de existência, como nos ensinou Fernando Novais. Isso não impediu jamais o programa de abrigar outras vertentes teóricas e ter uma produção plural que contempla a participação de economistas, filósofos, sociólogos e historiadores da ciência.

Foi no Programa de História Econômica da Universidade de São Paulo que Edgard Carone construiu sua monumental obra sobre a história da República, unindo as economias, instituições, classes sociais e a evolução política. Atividade de pesquisa, cumpre assinalar, que se desdobrava em intervenções políticas e na formação de docentes que viriam a atuar em universidades públicas e particulares de todo o Brasil. Exemplo que pode ser reproduzido no amplo quadro de professores que atuaram e ainda atuam neste mesmo programa.

O quantitativismo da Capes e outras agências repercute uma concepção de Estado empresarial guiado pelas metas de eficiência privada incompatíveis com a pesquisa científica. Por elas Andrew Wiles jamais teria demonstrado o teorema de Fermat. A ideia de distribuir recursos e bolsas de pesquisa mediante a concorrência entre pequenas unidades de pós-graduação corresponde aos objetivos normativos da escola neoliberal da Public Choice.

Isso não depõe contra a seriedade dos avaliadores da área de História. Nem nos isenta da correção das omissões de registro de nossa produção intelectual. Criticar o quantitativismo não deve servir para louvar a incúria técnico-administrativa e a ausência de parâmetros mínimos de avaliação. Todavia, na lógica do Estado empresarial, vai chegar o momento em que a História (e não só ela) estará em concorrência com outras disciplinas de maior “valor de mercado”.

A indiferença diante dessa lógica perversa não deveria ser a atitude de alguns historiadores. Mas a História continua. Diante deles, vale o conselho de Virgílio a Dante: “Olha e passa”.

 


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