A guerra é de Putin ou da Otan?

Por Tibor Rabóczkay, professor aposentado do Instituto de Química da USP

 20/06/2022 - Publicado há 2 anos
Tibor Rabóczkay – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

 

É surpreendente e perigosa a falta de estadistas nas “democracias” ocidentais, com a exceção de Orbán talvez, capazes de compreender os fatores que conduziram ao conflito entre ucranianos e russos e as possíveis consequências. Comentaristas políticos da mídia europeia e norte-americana – e, por tabela, da brasileira – em suas análises já derrotaram os russos algumas dezenas de vezes. Não passa, porém, de wishful thinking, uma confusão entre anseios, pretensões e a realidade. Nesse mundo ilusório vivem as autoridades e políticos que inventam sanções contra a Rússia e contribuem para o prolongamento do conflito enviando armas para a Ucrânia, com a disfarçada participação da Otan.

Caberá aos historiadores esclarecer a sequência dos acontecimentos, conspirações, que concorreram para a deterioração da relação entre duas nações de tantos elos históricos.

A confrontação não se iniciou com o ataque russo. O começo foi a expansão da Otan além do conveniente. Conveniente, enquanto segure os pequenos países da Europa Central e dos Bálcãs de aventuras guerreiras entre eles mesmos, como ocorreu por ocasião do colapso iugoslavo. A partir daí, desnecessária ameaça à Rússia.

A Rússia, pela extensão de seu território, é um país invencível numa guerra convencional, como os franceses de Napoleão e os alemães de Hitler, tardiamente, acabaram aprendendo. Seu ponto fraco, a falta de portos de água quente, tornou-lhe vital o bom relacionamento com a Ucrânia. Era evidente que os russos iriam reagir drasticamente a qualquer risco a sua navegação no Mar Negro e à saída para o Mediterrâneo. Esse risco ressurgiu no horizonte com as alterações do quadro político ucraniano, culminando na chegada de Zelinskii – a ver se protagonista ou fantoche – à presidência e a imediata deterioração do tratamento dado aos 30% da população minoritária étnica, da qual mais de dez milhões são russos.

As loquazes figuras das “democracias” deveriam ter estudado história e geografia, conhecimentos que lhes possibilitariam o entendimento dos fatores motivadores da guerra e a, consequente, tomada de atitudes mais sensatas, apaziguadoras.

Além de imbatível numa guerra convencional e capaz de séria retaliação num conflito nuclear, a Rússia tem experiência em sobreviver em situações de longo bloqueio, desde a época da revolução socialista. As sanções que afetam o comércio com a Rússia também afetam as populações das “democracias”, são tiro pela culatra. Assim, o petróleo que hoje não é vendido em virtude do bloqueio, amanhã valerá mais, pois, apesar da substituição de sua queima por outras fontes de energia, representa matéria-prima valiosa para a indústria química. Não se pode esquecer que matéria-prima e fontes de energia alternativas também são limitadas. Onde se instalam células fotovoltaicas, por exemplo, não haverá energia solar para plantação e a produção de etanol – ou de lítio para baterias – tem alto custo ambiental.

Outro ponto a considerar é que dificilmente a China deixará de colaborar com a Rússia, pois um mundo tripolar oferece mais espaço para manobras políticas e econômicas do que a bipolarização.

Falemos, porém, dos cenários mais otimistas para as “democracias”: a Ucrânia consegue retomar os territórios invadidos. A Rússia, humilhada, praticamente perde seu prestígio e status de grande potência. Sua opção será recorrer a armas nucleares para evitar a perda desse status ou iniciar um amargo trabalho de reconstrução e preparação para nova guerra dentro de alguns anos. O alto custo do conflito para a Rússia elevará o preço da paz e é previsível que não haverá devolução territorial integral à Ucrânia.

A carência de estadistas – no comando da União Europeia e aliados -, em cujo lugar estão pessoas medianas, deleitadas com a momentânea notoriedade, mas incapazes de entender situações complexas, está nos conduzindo às trevas de uma paz armada, por natureza instável e, consequentemente, perigosa.

A toda essa irracionalidade se junta a ânsia dos governantes da Suécia e da Finlândia de se juntarem à Otan, mudando de uma confortável paz a um estado de permanente alerta e elevados gastos. Nada indica qualquer ameaça russa a esses países. As considerações militares, que preocupavam os soviéticos com a proximidade das fronteiras à cidade de Leningrado – a tiro de canhão – e levaram à guerra com os finlandeses, hoje, na época dos mísseis, estão superadas.

Nesse cenário, poderíamos até encarar com bom humor as lamúrias dos “democratas” em face das represálias russas ao boicote, não fosse a generosa oferta de vidas ucranianas cometida pelo comediante-presidente em prol dos interesses “democráticos” da Otan, União Europeia e países de além-mar, inútil e obsceno massacre cujos efeitos durarão décadas.


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