IDH da educação no continente americano

Por Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP

 Publicado: 23/09/2024 às 18:09

O Índice de Desenvolvimento Humano, um indicador divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é calculado como uma média de três fatores usualmente considerados como relacionados ao desenvolvimento de um país: um indicador de saúde, calculado com base na expectativa de vida ao nascer; um indicador de renda, baseado no PIB per capita; e um indicador educacional.

A componente educacional aqui mostrada foi calculada como a média ponderada entre o número de anos de escolaridade da população adulta, com peso 1/15, e o número de anos de estudo das pessoas ao deixarem o sistema escolar no ano de referência, com peso 1/18. Dessa forma, o indicador ilustra uma média entre o sistema educacional em períodos passado e recente. (A fonte dos dados é o Human Development Report 2023/2024.)

Entre todos os países do mundo, a componente do IDH educacional varia entre cerca de 0,3, típica de alguns países da região do Sahel, a cerca de 0,95, típica dos países mais avançados da Europa. Um valor próximo a 0,3 indica que a população adulta tem uma escolaridade média entre quatro e cinco anos, e os jovens estão deixando a escola após frequentá-la (não necessariamente sendo aprovados) por cinco ou seis anos. Países com tais valores do IDH educacional podem ter taxas de analfabetismo superiores a 50% entre os jovens e 80% entre os adultos. Nos países mais avançados, com IDH educacional próximo de 0,9, os jovens ficam nas escolas por mais do que 16 anos, em média, e os adultos têm uma escolaridade, também média, de 13 ou 14 anos.

Claro que um indicador meramente quantitativo é insuficiente para retratar a realidade educacional de um país, pois mesmos números de anos de estudo podem significar grandes diferenças educacionais. Entretanto, vamos nos restringir aqui à análise apenas desse indicador.

Entre os países do continente americano, o IDH educacional varia entre cerca de 0,5 e 0,9, como mostra a figura 1 (não estão incluídos países relativamente pequenos e que fazem parte da Commonwealth das Nações). Esses indicadores estão em uma faixa intermediária em relação à totalidade dos países: os menores IDHs educacionais estão acima daqueles observados no Sahel e os mais elevados, abaixo daqueles observados no norte da Europa.

Para comparação, o IDH educacional do Brasil é pouco superior a 0,7, uma posição intermediária entre os dois extremos, tanto em termos mundiais como entre os países da América.

gráfico de barras, mostra os países no eixo x e IDH Educacional no eixo y
Figura 1 – Componentes educacionais do IDH dos países do continente americano

 

Correlação entre educação e renda

Os indicadores educacionais e de renda são fortemente correlacionados, como ilustrado na figura 2. A razão para essa correlação pode ser dupla: mais e melhor educação propiciam maior produção econômica; maior produção econômica facilita a criação de um melhor sistema educacional. A linha tracejada na figura 2 indica a tendência da relação entre esses dois indicadores.

É interessante analisar a posição de alguns países mais afastados da linha de tendência. No caso da Guiana, esperaríamos um indicador educacional bem mais alto quando observamos sua renda per capita ou uma renda per capita bem mais baixa do que esperaríamos considerando seu indicador educacional. O fato de isso não acontecer pode ser atribuído à recente e crescente exploração de suas grandes reservas petrolíferas. De um PIB per capita da ordem da metade do brasileiro há cerca de 20 anos, hoje é algumas vezes maior. Os indicadores educacionais da Guiana têm melhorado significativamente desde que a fonte de recursos do petróleo começou a ser explorada, sugerindo que, em breve, eles possam ser bem melhores. Entretanto, por enquanto a Guiana é um dos países com maior discrepância entre seus indicadores educacional e de renda per capita.

Grafico mostra o logarítimo do PIB per capita no eixo x e o IDG educacional no eixo y
Figura 2 – Relação entre o PIB per capita e a componente educacional de IDH. O Brasil é o círculo em destaque

 

A Guatemala é outro país cujo indicador educacional está abaixo do esperado, considerando a tendência média dos países da região. Neste caso, a discrepância entre os dois indicadores pode estar associada ao fato de que a economia daquele país é fortemente agrária, setor econômico menos exigente de pessoas mais escolarizadas. A violência em geral e a instabilidade política também podem ter efeitos mais negativos na educação do que na economia, uma vez que esta última está mais fortemente ligada aos interesses dos grupos dominantes do que a educação.

O alto nível educacional da Argentina é notório: dos cinco argentinos ganhadores do prêmio Nobel, quatro estudaram na Universidade de Buenos Aires, sendo três deles das áreas de ciências básicas. A educação nos níveis iniciais pode ser avaliada pelas baixas taxas de analfabetismo entre adultos, da ordem da quinta parte da taxa brasileira. É possível supor que as características educacionais dariam à população a expectativa de condição econômica bem mais favorável, fato que pode estar ligado às crises pelas quais tem passado o país.

A Bolívia tem um sistema bastante inclusivo quanto à educação voltada às diferentes populações indígenas. Talvez esse fator contribua para que esteja no grupo formado pela metade dos países da América do Sul com maiores expectativas e com maiores números de anos de escolaridade da população.

Outro país que apresenta um nível educacional bem mais elevado do que o que se poderia supor com base na realidade econômica é Cuba. Talvez essa característica possa ter duas causas. De um lado, as dificuldades econômicas devidas às sanções que vigoram desde a revolução de 1959 e que foram intensificadas após o final da União Soviética. De outro lado, a educação assumiu em Cuba um papel preponderante após a revolução. Além disso, um sistema educacional acima daquele que seria esperado considerando a realidade econômica é bem típico de países socialistas, social-democratas e mesmo daqueles que mais recentemente deixaram o campo socialista, mas preservam algumas de suas conquistas.

Conclusão

Alterações dos indicadores educacionais não ocorrem rapidamente. Apenas quatro países conseguiram, em um período de 30 anos, aumentar seus IDHs educacionais em 0,3 unidade ou mais: China, Singapura, Irã e Turquia. As mudanças ocorridas nesses países não se restringiram ao sistema educacional. Assim, não devemos esperar grandes mudanças nos indicadores educacionais de muitos dos países da região americana nem nas posições relativas entre eles, a menos que ocorram também outras mudanças.

Talvez dois casos de grandes mudanças sejam possíveis. Estão no continente americano os dois países que apresentam maiores discrepâncias entre os indicadores de renda e educação: Cuba e Guiana. Como aponta o citado relatório do PNUD, Guiana é o país que apresenta a maior diferença entre os indicadores de educação e de renda, com predominância deste último, fato explicado pela exploração recente das suas reservas petrolíferas. Se aquele país continuar a fazer fortes investimentos no setor educacional, como parece estar ocorrendo, não devemos nos surpreender com uma alteração significativa de seu IDH educacional nos próximos anos.

No outro extremo está Cuba, o país que apresenta maior discrepância entre os indicadores de renda e educação, com predominância deste último: como já afirmado, considerando seu indicador educacional, seria esperado um indicador de renda bem mais elevado, o que pode ser explicado pelos bloqueios e isolamentos impostos àquele país. A suspensão ou pelo menos a redução da intensidade dessa pressão pode viabilizar um rápido crescimento de sua produção econômica.

Argentina, Bolívia e Guatemala são três outros países com diferenças significativas entre indicadores educacionais e de renda. Os dois primeiros teriam uma tendência de piorar seus indicadores educacionais ou aumentar suas rendas per capita. Por outro lado, para se aproximar da tendência média dos demais países, a Guatemala tenderia a melhorar seu indicador educacional, o que seria preferível, ou, pior, reduzir sua renda per capita. Os próximos anos indicarão em que direção esses países caminharão.
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