Quem orquestrou a farândola que depredou a Praça dos Três Poderes?

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

 13/01/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 16/01/2023 as 7:26

Não se mudam os quadros de um governo de um dia para o outro. É um processo cuidadoso de substituições, ainda mais quando a mudança do comando do País pressupõe a substituição dos projetos de desenvolvimento da sociedade brasileira. No momento atual, pressupõe a substituição de um projeto excludente, elitista, concentrador de renda, reacionário e regressivo pela instalação de uma administração voltada para o social, inclusiva, distribuidora de renda e incentivadora da cultura, integrada com o que há de melhor no mundo e assim por diante…

Já trabalhei em Brasília, em 1985, primeiro ano da Nova República, como superintendente da então Empresa Brasileira de Notícias (EBN), a agência oficial de notícias do governo brasileiro que englobava a produção de noticiário gratuito para todas as redações do Brasil e a produção diária de A Voz do Brasil, programa que, incrivelmente, sobrevive até nossos dias.

Tratava-se, então, não de uma troca simples de governo, mas de uma mudança de regime, de um militar para um civil, nascido na esteira da Campanha das Diretas, na qual fui assessor do saudoso Ulysses Guimarães. Foi necessário um lento e cuidadoso trabalho de desintoxicação dos quadros da EBN, para que eles se adaptassem aos novos tempos, democráticos e renovadores.

Lembro disso diante dos grotescos e violentos episódios ocorridos em Brasília no fim de semana passado, com as invasões e quebra-quebras ocorridos na Praça dos Três Poderes, em Brasília, envolvendo os icônicos Palácio do Planalto, Superior Tribunal Federal e Câmara e Senado Federal.

Uma turba de adeptos do eleitoralmente derrotado Jair Bolsonaro saiu de vários pontos do País e partiu, com incontida sanha destrutiva, para quebrar tudo que encontrasse pela frente nos três palácios que simbolizam os Poderes vigentes e estabelecidos no País – gritando slogans e palavras de ordem contra o governo recém e democraticamente eleito e empossado.

Diante do País estarrecido, estabeleceu-se um ruidoso debate em torno da busca de responsabilidades, quem falhou e possibilitou aquelas cenas que chocaram a sociedade brasileira? Não teria sido possível detê-los? Quem estava por trás daquela farândola de depredadores dos símbolos institucionais da República? Não faltaram, também, acusações de falhas às recém-empossadas autoridades governamentais, sob a alegação de que tinham informações para tentar impedir o lamentável carnaval de violências.

O fato é que alguém desobedeceu a orientação oficial para impedir a entrada da turba na Praça dos Três Poderes. Mais: segundo relatos da imprensa, alguém orientou os invasores a adotar vários caminhos alternativos, entradas laterais, para o coração e os prédios da Praça.

O que quero ressaltar, usando minha pequena e longínqua experiência na EBN: não é imediato para um governo recém-empossado substituir e nomear quadros de sua confiança em posições estratégicas. Ainda mais quando estão em jogo posições em áreas como forças de segurança e militares que estavam ideológica e funcionalmente sob o controle do governo que se retira, com qual simpatizavam abertamente – se é que ainda não simpatizam. Meu exemplo fala de uma transição de um governo militar para um civil que estabelecia a democracia no País, sem bulir em questões militares. Alguém duvida que a atual transição de governo tem elementos semelhantes tendo em vista os discursos e as posturas dos mandatários que perderam a eleição?

O resultado da eleição presidencial mostra que parcela significativa dos votantes optou pela chapa derrotada, o que gera discursos e ações de protesto de seguidores inconformados. Já há acenos de novas manifestações pelo Brasil afora, como se as bárbaras e macabras ocorrências em Brasília não os desanimassem de nada. Não só os manifestantes, mas especialmente seus ideólogos e financiadores, ocultos, mas na verdade os principais personagens por trás dessas ações descabidas e condenáveis.

Espera-se que a sanha de destruição e desrespeito observada em Brasília demonstre, a quem ainda seja necessário, que política não é violência. É debate, discussão, confronto de ideias, especialmente em eleições – que violência não resolve, democracia pressupõe a convivência de opostos.

Quanto aos violentos manifestantes de Brasília e, principalmente, seus ideólogos e financiadores, fatos e envolvimentos estão sendo levantados e revelados. Que a Justiça cumpra seu papel.

(As opiniões expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo)


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