Os dias em que Lula e Pelé concentraram as atenções do Brasil e do mundo

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

 05/01/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 06/01/2023 as 12:16

Neste começo de 2023, dois fatos cruciais da história do Brasil se amalgamaram, a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato como presidente da República e o enterro de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, o maior jogador de futebol do globo, o mais conhecido representante do País no exterior, aplaudido e venerado pela imprensa e autoridades nos quatro cantos do mundo.

Lula começa um inédito terceiro mandato carregando a responsabilidade de superar a divisão política que ainda se manifestou nas urnas, promovendo um esforço de pacificação nacional e recuperação da saúde econômica e social do País.

O cidadão do mundo Pelé projetou o Brasil a partir de sua arte inigualável no futebol, demonstrando o potencial dos brasileiros para brilhar no mundo em todas as atividades – desde, é claro, sejam desfeitos os nós que amarram o desenvolvimento do País.

Quis o destino que esses dois eventos marcantes para o Brasil, e mesmo para o mundo, coincidissem no tempo. Um partindo desta vida, o brasileiro Pelé, uma indiscutível lenda global, e outro, Lula, saudado em todo o mundo como o presidente eleito que patrocinará o retorno do País ao convívio mundial.

Desamarrar nós é o desafio central do novo governo que tomou posse em Brasília. Lula tem dito que a sua missão é possibilitar que todos os brasileiros façam três refeições por dia, eliminando, de vez, o inadmissível fato de, atualmente, 30 milhões de brasileiros passarem fome. Nas suas palavras, se conseguir esse feito, terá cumprido sua missão. Mas ela vai muito além disso. Seu desafio é recolocar o Brasil no mundo contemporâneo, social e economicamente, superando os entraves e atrasos implantados pelo governo federal que se despediu. Aproximar-se dos países desenvolvidos, ser um farol para os em desenvolvimento é a tarefa que lidera.

A complexão física especial de Pelé lhe possibilitou desenvolver ao máximo as habilidades que demonstrou ao longo de sua vitoriosa carreira. Edson era filho de uma família remediada, seu pai Dondinho, fora jogador de futebol pelo interior do País até quebrar a perna. Não havia a fome que caracteriza o País décadas depois, que o presidente Lula prometeu combater antes de tudo. Se um gênio do futebol nasceu num país pobre e encantou o mundo, o que poderá ocorrer se um dia a fome deixar de ser um obstáculo para o desenvolvimento de todas as crianças? Poderemos brilhar em todas as atividades que levam, empurram, o mundo e o Brasil, para a frente.

Pelé despontou para o Brasil num momento especial e feliz, na metade final da década de 1950, com o desenvolvimentista Juscelino Kubitschek na Presidência da República. Foi um período de esperança e criatividade no País, em todas as áreas, especialmente culturais. Foi o momento em que surgiu a indústria automobilística no Brasil, que, duas décadas mais tarde, gerou a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, cuja estrela começaria a brilhar, a partir do Sindicato dos Trabalhadores de São Bernardo do Campo.

Pelé liderou o futebol brasileiro até a década de 1970, quando o País se consagrou tricampeão mundial, e em 1974, quando despediu-se do Santos Futebol Clube e foi jogar no Cosmos, de New York, para ajudar a popularização do futebol nos EUA. Coincidência ou não, nos anos seguintes começa a evasão dos craques do futebol brasileiro para a Europa e demais países, empobrecendo o futebol brasileiro. Mas a aura e a fama de Pelé transcenderam essa tendência e o seu carisma continuou a brilhar em todas as partes do mundo.

Num dos momentos em que eu escrevia, Lula ouvia, ao lado dos populares que lhe puseram a faixa presidencial, o Hino Nacional, na entrada do Palácio do Planalto. Um momento especialíssimo para um trabalhador que despontou para a vida nacional a partir das greves do ABC, em 1978, ainda na ditadura militar. De lá para cá, trabalhou, por intermédio do Partido dos Trabalhadores, para colocar o povo brasileiro diretamente na política do País, vivendo todas as vitórias, percalços e obstáculos decorrentes dessa opção, inclusive a prisão.

Sua posse na Presidência ocupou o primeiro lugar, como trend no Twitter mundial, somando-se à maciça presença de presidentes e autoridades de países estrangeiros, além dos incontáveis parabéns que recebeu após ser eleito. Será bem recebido, aonde for, como era Pelé.

Como santista e neto dos fundadores do clube, acompanhei parte significativa da carreira de Pelé nas arquibancadas da Vila Belmiro (estava lá quando ele fez oito gols nos 11 x 0 contra o Botafogo de Ribeirão de Preto), no Pacaembu, e em estádios do interior do Estado de São Paulo. Como jornalista, escrevi muito sobre a ascensão da liderança de Lula, a partir das greves do ABC e da fundação do Partido dos Trabalhadores.

Uma grande estrela brasileira e mundial se apagou com Pelé, outra, com um carisma diverso, mas tão aplaudido quanto no exterior, recebe a tarefa de recolocar o Brasil no concerto das nações. Na manhã desta terça-feira, Lula voou de Brasília e se despediu de Pelé no velório especialmente montado no gramado da Vila Belmiro, onde o Rei do futebol mostrou seu talento ao longo dos 18 anos em que brilhou e encantou no modesto Estádio Urbano Caldeira. Na saída, em entrevista à TV do Santos, ressaltou a humildade e a atenção ao público de Pelé, que o jogador sempre manteve, apesar do sucesso extraordinário que conquistou na vida.

É inevitável lembrar que ao marcar o milésimo gol da carreira, em pleno Maracanã, na presença da imprensa mundial, Pelé pediu atenção para as carências e necessidades das crianças brasileiras. Um dos objetivos declarados, atualmente, por Lula ao longo da campanha e nos seus primeiros discursos como presidente da República pela terceira vez.

(As opiniões expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo)


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.