Imprensa é oposição, o resto é secos e molhados – é a máxima reinante

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

 28/03/2023 - Publicado há 1 ano

Imprensa é oposição, o resto é secos e molhados, dizia o genial humorista Millôr Fernandes. Sem dúvida, essa é a característica principal da imprensa tradicional desde sempre, atualmente multiplicada pelo enorme espaço ocupado pelas redes sociais, povoada por milhões que não têm gabarito para a tarefa. Pois a imprensa tradicional está empenhada em seu papel oposicionista nesta quadra inicial – quase chegando à clássica marca de cem dias de governo, marca esta que herdamos da imprensa norte-americana.

Ao longo desta semana, deveríamos estar acompanhando a cobertura, cheia de imagens e notícias da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Império do Meio. Os recém-reeleitos presidentes da China, Xi Jinping, e do Brasil, Lula, posariam gloriosos, sacramentando esta nova e promissora fase do relacionamento entre os dois países, superando os problemas cultivados entre os dois durante o último quadriênio governamental em Brasília. E anunciando incontáveis oportunidades de negócios, notícias tão necessárias para um governo que patina em críticas da imprensa. Até o agronegócio brasileiro, que não tem qualquer simpatia pelos atuais ocupantes do Palácio do Planalto, seria beneficiado.

A natureza não quis assim

Mas a natureza não quis assim. Via uma pneumonia, obrigou o presidente Lula a postergar a viagem, a mais importante do seu périplo mundial, pois trata-se do nosso maior importador, rival maior de nosso histórico aliado, os EUA, com o qual compete pela hegemonia global.

Até aqui, nada de novo, a não ser que o adiamento da viagem adianta inesperadamente o espaço para que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, debata com quem de direito, o Congresso, a Faria Lima, a sociedade, as virtudes e os problemas de sua proposta para o novo “arcabouço fiscal”.

O Banco Central já deu sinalização negativa, ao manter a taxa de juros nos altíssimos 13,75% na última reunião do Conselho de Política Monetária, sem acenar com algum próximo recuo – o que ameaça o crescimento do País, tão ambicionado pelo presidente Lula. Os demais atores envolvidos ainda aguardam mais informações sobre o “arcabouço”, que ainda são mantidas em segredo.

A angústia dos investidores

Por quê? O presidente Lula não concorda com seu inteiro teor? A angústia, pois sem o “arcabouço” não se sabe o quanto o País crescerá ou não, se as empresas vão adiar investimentos tão necessários, a angústia dos agentes econômicos aumenta.

A essa angústia somam-se escorregões do presidente em função de sua prática de sincericídio em entrevistas à imprensa. Aconteceu, duas vezes, numa entrevista a um site de esquerda, quando o presidente Lula expôs seus sentimentos negativos diante do atual senador Sérgio Moro, e envolveu em dúvidas, em entrevista coletiva em instalações da Marinha, as ameaças à vida do ex-juiz, que estão sendo investigadas pela Polícia Federal com aval do ministro da Justiça, Flávio Dino. Não há dúvidas de que tudo que se refere ao seu algoz e sentenciador, Sérgio Moro, mexe com o íntimo do presidente da República, solta-lhe sentimentos de contrariedade. Mas suas falas provocaram, também, enxurradas de críticas da imprensa, de políticos, de adversários, que passaram a lhe exigir o impoluto comportamento que a sociedade espera de um presidente da República. O bordão mais comum é que Lula já deveria ter descido do palanque eleitoral – no qual, ao que parece, tudo se admite.

A simpatia internacional, mas…

Escorregões à parte, talvez inevitáveis diante da natureza popular da história do presidente Lula ou não?, escorregões à parte, como eu dizia, é inegável que o primeiro mandatário goza de uma enorme simpatia internacional em países de qualquer regime. Não só por ter substituído o isolado ex-presidente Bolsonaro, mas principalmente por reatar a interlocução mundial com o país que concentra a cada vez mais importante floresta amazônica e suas qualidades como fonte antipoluidora global. Além disso, o Brasil ocupa o papel de decisivo exportador de alimentos para o mundo e oferece um mercado apetitoso para os que exportam para nós. Também não se deve desprezar o fascínio internacional de ser, apesar de todos os percalços e pedras do caminho, um metalúrgico que alcançou a cadeira presidencial e pela terceira vez.

Dentro do Brasil, contudo, o jogo é outro, a imprensa liberal dominante e as oposições – que aliás controlam o Congresso nacional -, a simbólica Faria Lima, em São Paulo, lócus dos investidores financeiros, e adversários em geral, vão se aproveitar de qualquer deslize político ou de linguagem de Lula para criticá-lo, enfraquecê-lo, obstaculizar quaisquer mudanças no jogo de poder atual.

No centro do jogo, no momento, quaisquer que sejam os ganhos em várias áreas do governo e da sociedade, continua o alvo e a batalha da taxa de juros, de 13,75%, sustentada pelo Banco Central. Como fazer o País crescer com essa taxa de juros? E o que há de mais desafiador hoje, no Brasil, do que retomar um crescimento que, se não enriqueça, ponha a economia para andar, gerar cada vez mais empregos, garanta um nível de vida razoavelmente confortável para os brasileiros?

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