Elizabeth II, a rainha longeva, carismática e admirada, acima das vicissitudes da política

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

 09/09/2022 - Publicado há 2 anos

Estava entrando no Sweden, restaurante aqui na Cidade Universitária da USP, quando soube da morte da rainha Elizabeth II, nesta quinta, 8, já previsível desde que o Palácio de Buckingham convocara a família a se dirigir ao de Balmoral, na Escócia, onde a soberana se recolhera.

Confesso que fiquei emocionado, como me pareceram as pessoas que estavam no restaurante, olhos pregados na TV. Minha última imagem da rainha foi a da recepção à nova primeira-ministra britânica, Liz Truss, a soberana apoiada em uma bengala. Truss poderá se vangloriar de ter sido, por muito pouco, a 15ª primeira-ministra ou ministro e a última a ser convidada por Elizabeth II. Mas seu governo também poderá ficar em segundo plano enquanto as exéquias da longeva soberana não se encerrarem.

Embora seja chefe de Estado no Reino Unido, afastado do jogo da política, um novo rei, já na casa dos 70 anos, sempre ocupará espaço nas discussões do país, especialmente na mídia inglesa que adora se debruçar sobre o tema. Será uma concorrência aos desafios que a primeira-ministra Liz Truss enfrentará nesta quadra em que o Reino Unido sente as consequências do Brexit, a polêmica saída da nação da União Europeia, que gera mais problemas do que eventuais vantagens, como era previsível. Truss foi vira-casaca no Brexit, primeiro sendo contra, mas depois aderindo ao bloco dos favoráveis. Não é um momento tranquilo para os ingleses, que também sofrem dentro da Comunidade Britânica, que, além das questões antigas, inclusive as tradicionais separatistas, agora sofre com o Brexit também.

A longeva Elizabeth reinou 70 anos, num período ao longo do qual o poder mundial da Comunidade Britânica se esvaiu os poucos, sendo eclipsado especialmente pelo ascendente poderio dos EUA, do qual, na prática, virou uma potência coadjuvante.

Conviveu com a “cortina de ferro”, apodo que o então primeiro-ministro Winston Churchill deu à criação da União Soviética no pós-Segunda Guerra Mundial, até seu desmantelamento em 1991. Churchill, aliás, foi seu primeiro-ministro inicial, certamente estabelecendo um padrão de relacionamento que não deve ter se repetido, apesar do conservadorismo churchilliano – amplamente compensado pela lembrança de sua liderança do país durante o conflito.

Do outro lado do Canal da Mancha, conviveu com ela o altivo Charles de Gaulle, que nunca se conformou com o papel reservado à França na partição do poder mundial depois da Segunda Guerra. De Gaulle foi um presidente que conquistou funções de chefe de Estado e primeiro-ministro, um mix de poder que poucos usufruíram no mundo. Os sucessores, a não ser, relativamente, o também altivo François Miterrand, certamente tocavam uma oitava abaixo em matéria de orgulho nacional.

Não posso deixar de imaginar que deve ter sido muito difícil para Elizabeth conviver com a arrogância da “Dama de Ferro”, a primeira-ministra Margareth Thatcher, que teve seu momento de glória guerreira nas ilhas Malvinas, na longínqua, para os ingleses, Argentina – cujo maior benefício foi decretar o fim da ditadura no nosso vizinho e de seu presidente, general Leopoldo Galtieri.

Todos os exemplos citados são de convivência com políticos, uns de maior envergadura, outros(a) de menor, pois poder ela não tinha, todo exercido pelo Parlamento e sendo a realeza alvo de críticos que defendem que mantê-la é muito caro para a Loura Albion.

Não se pode esquecer do momento em que a princesa Diana morreu, em um acidente em Paris. A demonstração pública de pesar do Palácio Buckingham foi demorada, passando a impressão de que a realeza liderada por Elizabeth julgava nada ter com o episódio, afinal ela abandonara a família real – até que a ficha caiu.

A enorme simpatia que Diana gerava no público não permitia que Buckingham ignorasse seu fatídico passamento, mesmo que visse o episódio com reservas. Afinal, era a mãe dos príncipes, William e Harry, sendo que o primeiro deverá ser rei um dia. A tristeza do país venceu, e Elizabeth e a família real juntaram-se à sua dor.

Sua função era representar o Estado britânico, e agora será a de seu filho Charles, que ascende ao trono antes tarde do que nunca. Mas é inegável que nessa função, e como uma simpática lady que amadureceu no trono, ela foi respeitada e admirada, acompanhada em todo o mundo, mesmo em regiões que não simpatizavam com o aplomb e até mesmo a arrogância britânicos.

Seu prestígio e carisma não eram afetados pelas vicissitudes do governo britânico, como se ela pairasse acima do bem e do mal. A reação da imprensa inglesa à sua morte foi absolutamente reverencial, postura rara. Suas exéquias, que se darão ao longo de dez dias, deverão ser assistidas por milhões ao redor do mundo.

Charles III, o nome por seu filho adotado, terá um grande desafio pela frente. Um deles será levar à frente o espetáculo da “firma”, como os ingleses apelidaram a corte, por causa de suas estratégias marquetólogas. Especula-se que ele não será tão “neutro” em matérias políticas como a mãe irrepreensivelmente foi. Atribuem-lhe a possibilidade de liderar causas ambientais, às quais já se dedica.

Mas seu maior desafio será, sem o carisma da mãe, ser o rei de uma Inglaterra que todo dia deixa de ser ela mesma. Elizabeth II convivia com essa lenta decadência parecendo não ser afetada por ela. O reinado de Charles III repetirá o mesmo fenômeno?


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.