Bruno Latour

Por Janice Theodoro da Silva, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

 14/10/2022 - Publicado há 1 ano

Faleceu, dia 9 de outubro, aos 75 anos, o filósofo-antropólogo Bruno Latour. Teve papel importante ao discutir temas ligados a filosofia, meio ambiente e antropologia. Sua produção como Micróbios: Guerra e Paz, Jamais Fomos Modernos e Diante de Gaia, dentre tantos outros livros (mais de 30), nos deixa a dimensão do vazio.

Latour vai fazer falta.

Explico.

As ciências – humanas, exatas e biológicas – caminham lentamente. Dependem de observação precisa, combinação de variáveis, algumas difíceis de descrever e comprovar. Os desafios são infindáveis e envolvem várias áreas do conhecimento, justificando um movimento vagaroso.

Essa lentidão, típica da produção do conhecimento científico, retarda as conclusões dos trabalhos científicos, se considerarmos como parâmetro temporal os avanços das novas tecnologias. Na contrapartida, a tecnologia interfere com grande rapidez no funcionamento das sociedades, gerando bons e maus efeitos. Tanto nas universidades como na produção de conhecimentos e na manutenção das instituições responsáveis pelo funcionamento político das sociedades o passo é lento, comparável ao de uma tartaruga, enquanto a tecnologia caminha (não muito lentamente) em direção à velocidade da luz.

A compartimentação do conhecimento foi a tendência, desde o início dos tempos modernos. Temos filósofos, matemáticos, antropólogos, físicos, geógrafos, estatísticos, antropólogos e biólogos entre uma infinidade de especialistas desenvolvendo pesquisas incríveis nas universidades, espalhadas por todo o mundo.

Como o trabalho científico exige do pesquisador extrema responsabilidade e precisão na análise, a tendência é evitar “viagens” no interior de outras áreas de conhecimento onde o pesquisador não é especialista. Aproximações podem ser perigosas, envolver risco na descrição, na análise e na conclusão da hipótese levantada.

O resultado deste impasse é um conhecimento compartimentado prisioneiro do tempo, lento. Tempo necessário para a formação do pesquisador e para a realização da pesquisa. A amplitude da hipótese pode ser perigosa ao exigir diferentes conhecimentos disciplinares, com diversos aparatos conceituais.

Bruno Latour se mete neste desafio contemporâneo procurando integrar: homem e coisa, sujeito e objeto, sociedade e natureza. Segue uma trilha desafiadora ao levantar hipóteses e reflexões sobre o clima responsável por uma imensidão de problemas correlatos, exigindo do especialista saberes variados fruto das dinâmicas do planeta.

Como comprovam os seus livros, Bruno Latour não teve medo das fronteiras do conhecimento. Trabalhou no Centre de Sociologie de l’Innovation da École Nationale Supérieure de Mines em Paris, foi professor visitante na School of Economics e lecionava nas Sciences Po de Paris, entre outras universidades, igualmente importantes, onde proferiu aulas e formou pesquisadores.

Sua formação original, de filósofo e antropólogo, fez de Bruno Latour um homem ímpar, capaz de levantar questões de grande importância para o mundo atual.

Bruno Latour, assim como o outro Bruno, o Bruno Pereira, antropólogo da floresta, e seu amigo, o jornalista Dom Phillips, farão falta. Mais falta, ainda, em um Brasil especializado em destruir florestas.


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