Universidades israelenses na Unicamp

Por Hernan Chaimovich, Professor Emérito do Instituto de Química da USP e ex-presidente do CNPq

 06/04/2023 - Publicado há 12 meses

Há algum tempo (17/2/2020) manifestei-me sobre responsabilidades individuais num artigo publicado neste jornal. Este artigo terminava com o seguinte parágrafo que me permito aqui transcrever:

“Para mim, ‘nunca mais’ significa que, enquanto as ações antissemitas forem declarações, sou obrigado a reagir pessoal, oralmente ou por escrito, sem deixar que apenas outros assumam essa responsabilidade. Se as ações antissemitas forem escaladas para, por exemplo, profanação de cemitérios, devemos estar prontos para denunciar os autores publicamente e se o Estado, responsável pela aplicação da lei, não reagir, desmascarar e puni-los, a responsabilidade será nossa. Se os atos de violência pessoal decorrentes de ações antissemitas ameaçam a paz ou a vida das pessoas e não são tratados corretamente pelo Estado, a responsabilidade de agir é nossa”.

Hoje, escrevo sobre incidente ocorrido numa universidade irmã, a Unicamp, sobre o qual não posso, sendo coerente com o artigo mencionado, deixar de me manifestar. Para ilustrar o acontecido, transcrevo aqui a manifestação dos organizadores da Feira de Universidades Israelenses:

“Na data de hoje, 3 de abril de 2023, representantes das Universidades Bar-Ilan, Hebraica, Tel Aviv e Technion organizaram uma Feira na Unicamp com a intenção de apresentar a seus alunos as diversas oportunidades de programas internacionais, graduações, pós-graduações, intercâmbios e parcerias acadêmicas em Israel.

Na chegada ao evento, fomos surpreendidos por uma grande manifestação de grupos anti-Israel gritando palavras de ordem e impedindo a entrada de visitantes.

Entendemos que todo tipo de manifestação faz parte da democracia, porém os grupos fizeram uso de força e violência contra nossos seguranças e tentaram invadir o espaço do evento.

Tivemos que trancar todas as saídas e ficamos isolados no espaço por algumas horas, pois os manifestantes cercaram o prédio e seguiam incitando o público, gritando calúnias sobre as universidades israelenses e tentando invadir e depredar o espaço.

Para manter a integridade física da equipe envolvida e dos nossos seguranças, a comissão decidiu cancelar o evento e tivemos que sair escoltados do campus.

Todo o incidente foi lamentável.

Ressaltamos que seguimos com nossa missão de divulgar as Universidades de Israel para o público brasileiro e incentivar a ida de estudantes para instituições israelenses de excelência acadêmica. E lamentamos pelas centenas de alunos inscritos e interessados que não puderam participar.

Por fim, defendemos a liberdade de escolha e repudiamos veementemente todo e qualquer ato de violência”.

O meu repúdio à atitude antiacadêmica daqueles que organizaram a manifestação violenta contra a realização da Feira não diminuiu quando se lê a morna nota da Unicamp que também tomo a liberdade de aqui transcrever.

“A Reitoria da Unicamp informa que a Feira de Universidades Israelenses não pôde ser realizada por força de manifestações contrárias à sua ocorrência. A saída, com segurança, da equipe promotora do evento ocorreu após negociações com os representantes da manifestação. A Unicamp ressalta que o direito à livre manifestação será garantido desde que essas sejam realizadas de forma pacífica e desde que não haja o impedimento de atividades acadêmicas devidamente autorizadas pelas instâncias decisórias da Universidade”.

Sem pretender realizar uma análise desse texto poderia eu entender, por exemplo, que as manifestações violentas contra a realização da feira podiam ser justificadas pois o evento não tinha o caráter acadêmico e não estava autorizado? Para mim, a distância entre a violência anti-israelense e antiuniversitária das manifestações não encontrou sequer a mais mínima simetria na resposta da Unicamp.

Será que a raivosa manifestação que impede a apresentação de um dos conjuntos mais destacados de universidades do mundo tem a ver com as atitudes do governo de Israel que, hoje, tenta minar a única democracia existente no Oriente Médio? Responder essa pergunta requereria mais dados, mas as prolongadas e enormes manifestações contra o governo Netanyahu que aconteceram em Israel há semanas mostram que muitos estudantes e professores dessas universidades parecem não concordar com a política do presente governo. Aliás, a confusão entre governo e Estado ou entre governo e universidades parece escapar aos organizadores desses atos.

Sem querer transformar a minha repulsa em comédia, convido os organizadores dessa manifestação violenta antidemocrática e censora da livre expressão a imaginar a seguinte situação: um país imaginário chamado Passárgada tem um presidente claramente anticiência, potencialmente genocida durante uma pandemia e claramente determinado e extinguir parte dos povos originários. Universidades públicas estaduais desse país imaginário organizam uma feira itinerante por um continente visando a ampliar a visibilidade dessas universidades e atrair estudantes de outros países. Pois eis que essa feira é recebida violentamente por manifestações nas universidades onde tentam se apresentar. Claro que o argumento para organizar essas manifestações contra as universidades desse país imaginário nada tem a ver com as universidades, mas esconde o antipassargadismo, ou o ódio aos que professam uma das religiões dos habitantes de Passárgada. Como a bom entendedor poucas palavras bastam, este exemplo, ou Gedankenexperiment (exercício mental), basta.

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