Fake news! Não basta não apoiar, cada um tem que exercer seu papel

Por Fábio Frezatti, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 03/04/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 12/04/2023 as 18:18

Quero tratar o tema influência sobre disseminação das informações, especialmente no que se refere às fake news. Para tanto vou ilustrar a ideia da força de alguém posicionado a partir da credibilidade do “toque de Midas”. Escolhi um personagem do filme Muito Além do Jardim, de 1979, dirigido por Hal Ashby. Foi nele que Peter Sellers teve a sua melhor atuação, sendo indicado ao Oscar de melhor ator, mas não ganhou.

No filme, Peter vive o papel de um jardineiro, o Chance (nem sobrenome tinha), que é uma pessoa simples, analfabeto, não sabe de onde veio, humilde, de bom coração, só conhece o mundo pelo que vê na televisão, sem dinheiro algum, principalmente, ingênuo, nunca leu um jornal, nem andou de carro, qualquer coisa que ele tenha que entender e se posicionar tem a ver com a lógica do jardim que ele sempre cuidou. Nem FBI ou CIA conseguiram qualquer informação útil sobre ele: simplesmente ele não existia. Sintetizando, temos o oposto de um perfil de herói que as pessoas valorizam e que teria o poder influenciar alguém. Na fila seria o último candidato a influenciador. Tinha retardamento mental, mas foi bem cuidado pelo dono da casa e uma empregada que cuidava de tudo: as únicas pessoas com as quais conviveu na vida. Nunca saiu da casa aristocrata localizada em área decadente de uma cidade norte-americana.

Um dia o dono da casa morre, a pessoa que organizava a casa vai morar num albergue e alguém aparece dizendo que ele tinha que sair de lá. Obedientemente ele sai da casa com uma mala singela. Chance fica sem qualquer referência no mundo, sozinho mesmo. Encontra a jovem Eve Rand (Shirley McLaine), que o leva para sua mansão, como reparo evitando que ele a processasse, pois, o carro dela atropelou “levemente” Chance. Ela pensa que Chance é rico, um importante homem de negócios. Eve apresenta Chance a seu esposo Ben Rand (Melvyn Douglas) e ele se impressiona enormemente com o perfil de Chance, pela naturalidade e calma com que se comporta e o convida para se hospedar em sua mansão. Ben é uma pessoa muito influente no país e no mundo, interferindo nas escolhas políticas dos Estados Unidos, típica pessoa que possui o “toque de Midas”.

As pessoas pensaram que Chance era inteligente e culto por dizer coisas que não entendiam, pensando que eram belíssimas metáforas sobre a política e a vida e usaram no seu próprio interesse e entendimento. A propósito, ele nunca criaria uma fake news. Não tinha índole para isso. Por sua vez, para Chance a resposta para qualquer pergunta era remetida ao que ele conhecia: cuidados com o jardim, sem qualquer ligação com política, economia e a vida mesmo. Entretanto, pela porta do poder, a família de Ben Rand efetivamente influenciava o núcleo de poder da política americana e o “toque de Midas de Ben” aciona o “toque de Midas do presidente americano”, o que coloca Chance numa posição de influenciador nacional com credibilidade. A uma pergunta sobre o futuro da economia americana feita pelo presidente dos EUA, Bobby, vivido por Jack Warden, Chance responde sobre o que sabe do jardim indicando que as estações do ano são estáveis e momentos de dificuldade são seguidos por momentos de muita prosperidade. O presidente se apropria do discurso, citando a fonte, indicando um futuro de prosperidade, o que gerou receptividade muito favorável.

Chegamos ao ponto: o filme quer mostrar que uma pessoa sem conteúdo e sem credibilidade alicerçada diretamente ao problema pode conseguir legitimidade, credibilidade e espaço de influência. Compartilhar algo nas mídias pode ser algo semelhante, onde quem envia proporciona o “toque de Midas” de legitimação.

O ser humano é um ser consumidor. Consome ar, alimentos para o corpo, protetor solar quando se expõe, produtos de higiene e informações, dentre inúmeros elementos a considerar. Dentre outras razões, as informações deveriam contribuir para a melhoria da vida, satisfação e esperanças bem como a redução de incerteza. Como consumidores aceitamos informações alinhadas com nossas crenças, expectativas e, infelizmente, com nossos preconceitos.

No dia a dia, o consumo de informações é demandado para respostas para problemas, situações de decisões, acomodação de ameaças, necessidade de usar o tempo, reforços para nossas crenças, formas de entender a vida, só para citar as mais comuns. Nesse sentido, as mídias geraram oportunidades incríveis do aumento da quantidade e velocidade das informações, mas não necessariamente com a credibilidade necessária. Ela deve ser confiável em termos de veracidade. Para isso, a confiança na fonte da informação é vital. Provavelmente quando precisamos de algo para nós ou nosso grupo mais íntimo, a questão da confiança se mostra extremamente importante. Quando alguém repassa uma informação para outro, a confiança deixa de ser algo tão importante? Não deveria.

E onde surgem as fake news? A rigor, elas sempre existiram, mas atualmente, com as conexões e uso sistemático pela população mundial das mídias sociais, o que seria restrito a um local, pode influenciar o mundo em poucos segundos. Isso mudou tudo muito rápido e continua mudando!

Podemos entender fake news como notícias falsas divulgadas principalmente nas redes sociais. Existe a intenção de enganar, induzir, influenciar, a fim de se obter, principalmente, ganhos financeiros ou políticos, muitas vezes com manchetes sensacionalistas, exageradas ou evidentemente falsas para chamar a atenção”. Podem se referir a pessoas e a coisas onde se criam condições para alimentar interesses.

Combater as fake news, se faz necessário. Os extremos provavelmente devem ser mais fáceis de serem entendidos, mas a dificuldade maior consiste nas meias verdades, onde não temos a figura por inteiro ou casos em que uma parte do que é dito omite verdades ou inclui as não verdades. Ser ou não ser: eis a questão.

Para tratar o tema são necessários alguns ingredientes para institucionalizar um comportamento que impeça, reduza ou faça com que as fake news sejam evidenciadas: a legislação adequada, nem sendo específica demais, nem muito flexível, o que possa afetar a liberdade das pessoas. A tecnologia também deve trazer respostas em termos de rastreamento e responsabilização. Mecanismos como o ChatGPT podem trazer algum impacto no combate às fake news. Os estudiosos da comunicação têm uma enorme responsabilidade, principalmente porque as fake news passaram a fazer parte de negócios muito lucrativos. Deixei de fora um aspecto que realmente é o que mais me interessa, que é o comportamento individual, onde cada um pode colaborar para o benefício do todo.

A legislação é um passo fundamental. A abordagem institucional ensina que uma mudança de comportamento começa com regras, leis e definições. O estímulo para evitar fake news é de ordem legal, com as penalidades. No momento seguinte a comunidade percebe que as pessoas admiradas combatem as fake news e o mimetismo se propaga na comunidade. Finalmente, as pessoas o fazem porque entendem que deve ser feito.

Não entendo que devemos esperar que os outros resolvam problemas que também são nossos. Acredito muito que o amadurecimento da consciência da população pode mudar qualquer coisa ao longo do tempo e, no tema tratado, o ponto de partida pode ser a análise de duas perguntas: devo repassar uma mensagem que não tenho confiança sobre veracidade e intensidade dessa veracidade? Qual o prejuízo que alguém vai ter se não receber a mensagem? Provavelmente você vai perceber que a sua postura é importante e que trará uma relevante contribuição para diminuição da incerteza, sofrimento e desgaste jurídico.

Finalizando, o nome Chance no filme não tem nada de coincidência. É parte da provocação para ação.

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