Fascistas não voltarão!

Por Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 20/12/2022 - Publicado há 1 ano

Curioso como ao ler um artigo, no Estadão, intitulado “O momento político e o regime fiscal”, nem me dei conta de quem o assinava: Antonio Hamilton Martins Mourão. Sim, era e ainda é o vice-presidente da República. Durante os últimos quatro anos, ficou semioculto, submerso na onipresente figura do líder das motociatas, que a cada dia e em todos os 365 dias nos atormentava com uma inquietante má surpresa. Mourão se autoidentifica como indígena e, na próxima legislatura, terá a companhia de apenas um outro da mesma etnia, pois 70% das vagas do Senado são ocupadas por homens brancos, além de cinco mulheres também brancas.

A vitória eleitoral de Lula tem provocado extraordinárias reações. De um lado, uma enxurrada de pessoas que querem colaborar com o novo governo, trazendo um entusiasmo represado por longa repressão. Para recuperar a educação destruída por seis (!) ministros analfabetos que se revezaram durante os quatro anos desse mandato, temos agora vários candidatos, alguns com mérito internacional, conquistado por seus trabalhos em particular no Ceará. O Brasil, que primava por vacinar toda sua população, e há cem anos exportava saber para o mundo a partir das vacinas aqui produzidas, viu, em quatro anos, 700 mil pessoas ficarem à mercê de um ser capaz de decretar suas mortes sufocando-as por falta de ar e medicamentos.

Nas ruas, pela primeira vez ao longo dos meus 85 anos, vejo barracas com famílias inteiras morando ao relento, sem comida, sem trabalho, sem creches, sem esperança… Esse cenário lembra um campo de concentração onde as pessoas morriam de fome, de doenças e de tiros. Como foi que chegamos a esse ponto? Por que entramos num túnel escuro e ficamos amortecidos face ao assassinato de nossos jovens negros? Por que só na imprensa encontramos nossa revolta pelas meninas e mulheres estupradas? Por que aceitamos que uma pessoa de mentalidade medieval destruísse o que levamos anos construindo para preservar a vida das mulheres? Por que estamos rediscutindo leis que aprovamos há 40 anos, evitando que mulheres fossem torturadas mantendo gravidezes provocadas por estupradores?

Pois é, caro senador Mourão, talvez como vice-presidente Vossa Senhoria não pudesse ter feito muito, mas agora… como um dos dois indígenas eleitos dessa etnia, terá extraordinária responsabilidade perante a população indígena sobre as quais desconstruímos velhas e falsas afirmações, pois sabemos que os indígenas não são indolentes, ao contrário, foram eles que preservaram com o saber próprio o que ainda temos da floresta amazônica; os negros, ao contrário da falsificação da “indolência”, sabemos que foram seus braços que plantaram o café, o algodão, toda a agricultura, os prédios, as casas, as ruas, avenidas, a internet, e tudo que é fundamental para nossa vida. Mesmo achando lindo ter um neto branco, é importante lembrar que não queremos branquear a raça, aliás raça é um conceito equivocado, que só serve para confundir os seres humanos.

Voltando ao seu texto, concordo que os que perderam as eleições até podem se manifestar, é democrático, mas é preciso lembrar que a garantia das eleições é dada pelo Supremo Tribunal Eleitoral e pelo Tribunal Superior Eleitoral. São eles que garantem a lisura das eleições. Aliás, tendo sido eleito senador da República, em pleito consagrado por esses mesmos Tribunais, será que sua eleição foi legítima? Ou ela foi resultado de algum engano? A dúvida desponta quando afirma que os resultados das eleições são discutíveis, pois põe em dúvida a própria estrutura com as urnas “que permaneceram sem o voto impresso e auditável”!

Realmente, tendo sido vice-presidente, senador eleito, um militar de carreira, tenha acompanhado todo o trabalho feito pelos colegas durante meses, verificando as urnas que afinal o elegeram, portanto nada a discordar. Aqueles que contestam e querem à força impedir o vencedor de tomar posse são os que apoiam um golpe, e têm sido alimentados pelos 530 núcleos neonazistas revelados pela pesquisadora Adriana Dias em reunião da Conib.

Vivemos agora um novo período no País. Não aceitamos o racismo, o machismo, a misoginia e, sobretudo, o fascismo. Espero que, com a vitória das novas lideranças, consigamos extirpar aquele nefasto sentimento de ódio e possamos reintroduzir no Brasil uma convivência pacífica e democrática.


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