A campanha oficial para as eleições municipais de São Paulo começou em 16 de agosto, mas a largada já foi dada no primeiro debate realizado pela emissora de televisão Bandeirantes, no último dia 8. Participaram deste os cinco candidatos com maior intenção de votos até agora: Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Tabata Amaral, José Luiz Datena e Pablo Marçal.
Para a tristeza dos eleitores de São Paulo, o debate foi marcado pela troca de acusações entre os candidatos e pelo personalismo político, em detrimento da discussão de propostas e da apresentação de projetos partidários para solucionar os muitos problemas da cidade. No âmbito das campanhas negativas, destacou-se Pablo Marçal, sem nenhuma experiência política, o que se chama hoje de outsider, mas como enorme consciência em se dirigir ao público da “segunda tela”. Ali ficou evidente sua experiência com o marketing digital como coach. Não por acaso, seu poder de convencimento já levou 32 pessoas a se perderem e terem que ser resgatadas do Pico dos Marins porque “quem não quer correr risco fica em casa vendo stories”. Na TV, se dirigia à câmera atacando outros candidatos com expressões “lacradoras” de internet que não valem a menção.
O jornalismo da TV Bandeirantes manteve sua parceria de sala digital com o Google e anunciava os candidatos e temas mais buscados. E sua estratégia foi exitosa. Ao final do primeiro bloco, ele era o mais buscado, ao lado de Ricardo Nunes, atual prefeito. Nos dias seguintes, ele se tornou o nome mais procurado no Google, à frente do próprio debate em si, e seus posts foram os mais propagados nas mídias sociais. Para se ter uma ideia, dentre as 25 publicações mais compartilhadas nas 24 horas após o debate nas diferentes redes, 24 pertenciam ao Instagram de Marçal, cujo perfil na plataforma conta com mais de 12 milhões de seguidores e altos índices de engajamento, números que o colocam em indiscutível vantagem perante os outros candidatos no campo da comunicação digital.
Marçal também é o maior expoente neste pleito da acentuação do personalismo político. Ele é um hábil promotor de si mesmo. Não fala de seu partido, não apresenta nenhum compromisso mais estreito com sua sigla, nem sabe dizer qual é o projeto político-partidário que representa, tampouco discorreu sobre seu programa de governo. Até mesmo quando se referia ao debate, não fazia menção alguma à emissora que o promoveu. Suas falas concentraram-se em emitir opiniões que são “senso comum” e lançar críticas e ofensas aos seus adversários, cujos cortes renderiam (e renderam) muitas curtidas e compartilhamentos nas redes.
Guilherme Boulos e Tabata Amaral também ensaiaram uma relação com a segunda tela. Na primeira oportunidade que teve, Tabata divulgou seu canal no YouTube e convidou os espectadores a conhecerem sua história. Boulos, em resposta a um ataque de Marçal, chamou a audiência a visitar suas redes sociais, pois iria subir uma prova de que o coach já foi condenado pela justiça por formação de quadrilha, ao lesar um banco, em Goiânia. Promessa cumprida, em poucos minutos o documento estava on-line. Marçal havia “prometido” sair da disputa se Boulos provasse sua condenação, mas ele, por sua vez, não cumpriu a promessa e compareceu ao segundo debate on-line promovido pelo Estadão e FAAP no dia 14 de agosto. Neste dia, as trocas de xingamentos e acusações entre os dois candidatos tomou mais vulto.
Datena, por sua vez, apesar da intimidade com as câmeras de TV, parecia deslocado no ambiente, achando que sua experiência midiática bastaria, mas foi evidente que não. Ele próprio reconheceu seu pífio desempenho no evento e pediu desculpas públicas ao seu partido, o PSDB. Contudo, como a internet não é, definitivamente, um espaço acolhedor e compreensivo, seus erros e confusões no debate contribuíram para o aumento da procura pelo candidato. Já o atual prefeito, Ricardo Nunes, mostrou que o traquejo político, decorrente da experiência na vida pública, e os privilégios da máquina, têm seu valor numa disputa eleitoral e podem suavizar o efeito de saias-justas decorrentes de denúncias graves, como da violência doméstica, mas este ainda engatinha na comunicação com os eleitores.
Nesta disputa, o entrelaçamento entre diversas mídias e sua retroalimentação deverá ser peculiar. Para observar o desempenho dos candidatos à prefeitura e à vereança nas cinco redes sociais mais populares ( X – antigo Twitter –, Instagram, Facebook, YouTube e TikTok), compreender suas estratégias de campanha, a relação entre mídias tradicionais e mídias digitais, entre outros objetivos, faremos um esforço conjunto de monitoramento digital no âmbito do projeto e-Science Fapesp Criminalidade, Insegurança e Legitimidade: uma abordagem transdisciplinar, linha de pesquisa Opinião Pública e Legitimidade, que congrega o Núcleo de Estudos da Violência (NEV), o Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) e outros parceiros da USP e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Divulgaremos relatórios quinzenais com gráficos e insights sobre o processo eleitoral em nossos sites. Estão todas/os convidadas/os a acompanhar a corrida eleitoral conosco, que promete não ficar aquém de qualquer espetáculo teatral.
* Com colaboração de Natasha Bachini Pereira, pós-doutoranda no Núcleo de Estudos da Violência da USP
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