O candidato à prefeitura de São Paulo e outsider da extrema direita, Pablo Marçal, não parece achar que o trabalho da imprensa e dos jornalistas é importante. Se seus seguidores começarem a acompanhar os noticiários das chamadas “mídias de legado” – as mídias que existiam antes da era digital, como jornais impressos, revistas, rádio e televisão –, talvez descubram sua condenação por golpes virtuais em pessoas idosas, e outros processos. Então, interessa isolar sua bolha dos canais que produzem informação verificada e checada, o que define a prática do jornalismo profissional. No entanto, observamos uma linha de atuação do candidato na militância contra o jornalismo, no âmbito do projeto de monitoramento das eleições paulistanas que compõe as ações do projeto temático com financiamento da Fapesp Criminalidade, Insegurança e Legitimidade: uma abordagem transdisciplinar (CIL), iniciativa conjunta de pesquisadores ligados a duas diferentes unidades da USP, o Instituto de Ciências Matemáticas e Computação de São Carlos e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV), este último no qual sou colaboradora. O primeiro relatório pode ser acessado aqui.
No monitoramento que fizemos nos dias 8 e 9 de agosto, depois do primeiro debate que inaugurou a série, o perfil com mais engajamento de todos os candidatos era de Pablo Marçal. Este tipo de evento é referenciado nas redes com uma hashtag específica, no caso #debatenaband, mas o candidato não citava em seus posts, que continham imagens do dia, que o debate tinha sido na Rede Bandeirantes, passando ao largo de referenciar de onde tinha saído os vídeos que estava postando. A estratégia foi de ocultar o nome da empresa, não associando a sua popularidade no Instagram (rede na qual ele fez o post de mais engajamento na data) com o jornalismo profissional.
No segundo relatório publicado, ao monitorar os perfis e posts com mais engajamento no período de 15 a 17/9, um dia antes, o dia, e um dia depois do episódio da cadeirada do candidato Datena em Marçal, na TV Cultura, notamos que o vídeo de maior engajamento no TikTok, do site Metrópoles, de extensos cinco minutos (um vídeo muito longo, considerando as produções de 30 segundos a um minuto e meio na plataforma), mostra Marçal recém-saído do que seria o hospital no qual se internou depois do episódio. O corte aparentava uma coletiva de imprensa, mas estava mais para pronunciamento, e não mostrava a presença de jornalistas. No vídeo, de novo um ataque quase subliminar: a imprensa está “passando pano” para Datena, Sílvio de Almeida, e Ricardo Nunes, todos assediadores de mulheres, segundo ele, o que ele condena, é claro. Nenhum perfil de uma mídia de legado aparece com relevante engajamento no TikTok e Instagram, mas no Facebook os perfis de mais engajamento são os de jornalismo, com destaque para dois posts da Jovem Pan.
Quando se busca pela palavra-chave “cadeira” e “cadeirada”, no período referido, o post com mais engajamento é o da Jovem Pan, mas com a notícia de que ele teria fraturado a costela, segundo sua assessoria de imprensa. Em outro post da mesma empresa, também nas primeiras posições de interação, agora em uma coletiva de imprensa com várias emissoras presentes (CNN, CBN, Globo e Jovem Pan), ele reafirma para a própria imprensa que elas estariam “passando pano” para Datena.
Ao sugerir esta abordagem, que não se configura como verdadeira, ele reforça ainda mais seu conveniente lugar de vítima e não de provocador da violência, posição que necessita também de uma carga de investimento passivo-agressivo para provocar um fato explícito de violência, gerar imagens e falas, e então se aproveitar da repercussão.
Em 2022, também no debate da Rede Bandeirantes, monitorei com o pesquisador de pós-doutorado Pablo Almada, do NEV, a repercussão no Twitter do ataque do então candidato Bolsonaro à jornalista Vera Magalhães. Naquela ocasião, ele adotou uma atitude “respeitosamente agressiva e violenta”, não atacando explicitamente o gênero da jornalista (estava justamente com rejeição das eleitoras mulheres), mas cunhando a hashtag #veravergonhadojornalismo, que se espalhou na sua bolha de retuítes. Em 2018, ele não poupou agressividade nos ataques a Patrícia Campos Mello, mas naquela ocasião contava com o ineditismo da primeira eleição e de uma popularidade pré-pandemia. Não citarei as hashtags usadas contra Mello naquela ocasião pois seria uma revitimização violenta, em face das palavras de baixo calão utilizadas.
O que se nota nestes monitoramentos é como há várias maneiras de atacar a imprensa e jornalistas. Existem padrões, é claro, mas também variações que atendem melhor a determinados interesses em momentos pontuais. Marçal, que está encampando a bandeira de gênero, mesmo que de maneira retrógada, não pode usar o expediente de atacar jornalistas mulheres, sempre alvos fáceis na misoginia reinante no Brasil, e alvos para propagação de desinformação. Como também já usa a imagem do provocador por excelência e antissistema, não pode forçar a mão em ataques explícitos. Assim, inclui em suas declarações um discurso mais brando de deslegitimização do jornalismo, mas não menos nocivo, que visa também descredibilizar o trabalho e a importância do jornalismo para a democracia. Uma variação que atende melhor ao seu momento atual. Vamos observar o quanto este aspecto evolui até o final das eleições.
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