Inspirada pelo desejo de uma “síntese da arte moderna”, a companhia de dança Ballets Suédois esteve no centro de uma Paris tomada por liberdades, ousadias e experimentalismos – aspectos valorizados por uma nova vanguarda dos anos 1920, composta por artistas, intelectuais, boêmios e gente vinda de todas as partes do mundo. A companhia de dança era queer muito antes de ser uma noção e um objeto de pesquisa acadêmicos. Seus participantes criaram uma arte performática muito antes dos movimentos artísticos datados da década de 1960. A experiência da companhia foi breve, cheia de afetos, (res) sentimentos e escândalos, mas, sobretudo, suas criações tornaram-se o exemplo da fusão modernista das artes no século 20.
De processo criativo incomum, a companhia de dança, liderada pelo casal Rolf de Maré e Jean Börlin, sediada no Théâtre des Champs-Élysées, contou com muitos cocriadores, entre eles: poetas, como Blaise Cendrars, Paul Claudel, Jean Cocteau e Ricciotto Canudo; artistas, como Nils Dardel, Francis Picabia, Fernand Léger, Giorgio De Chirico; e compositores, como Erik Satie, Viking Dahl, Hugo Alfvén, Darius Milhaud e Cole Porter. Seus espetáculos eram vistos como “obras de arte totais”, combinando dança, teatro, figurino, cenografia, pintura, poesia, música, circo, cinema, pantomima e, às vezes, chamavam à interação o público. Foram apresentações que tomaram os palcos da Europa e dos EUA, entre os anos de 1920 e 1925.
Com direção artística de Maré, industrial sueco, etnógrafo amador e colecionador de obras de arte, e com as coreografias de Börlin, bailarino formado no Royal Swedish Ballet, a trupe produziu espetáculos marcados, especialmente, pela ação do corpo masculino, erótico e andrógino, refletindo, então, as mudanças culturais e a busca por uma expressão artística moderna.
Börlin era a estrela da companhia, ao passo que Maré era o patrono e a figura cosmopolita. O patrono da companhia era neto favorito da condessa e colecionadora de arte Guilhermina von Hallwyl, que, por volta de 1900, era considerada uma das pessoas mais ricas da Suécia. Assim sendo, sua avó sustentou os interesses requintados de Maré, entre eles, a criação da companhia de dança. Essa independência financeira também permitiu que ele se sentisse seguro o suficiente para viver sua sexualidade abertamente.
A criação do Ballets Suédois foi motivada pelo sucesso do Ballets Russes de Serguei Diaghilev e Vaslav Nijinski, entre 1909 e 1929. E existem momentos nos quais a competição entre as duas companhias foi acirrada. Algumas coreografias de Börlin, por exemplo, foram influenciadas pelo repertório dos russos, porém, o seu universo criativo também teve como fonte o folclore sueco, o jazz americano e outras culturas não-europeias. A experimentação nos temas e nas linguagens envolveram a dança africana e a muçulmana e, ainda, a relação com a arte abstrata – alguns autores afirmam que para Maré o balé era como a extensão de sua coleção de arte moderna, ou seja, era como se seu acervo ganhasse vida no palco.
Com recursos independentes e sem precisar da bilheteria, os Ballets Suédois não abriram concessões; isso permitiu levar a criação aos extremos do experimentalismo, às ironias e às provocações políticas. Algumas coreografias de Börlin foram incompreendidas pelo público; Börlin questionou a própria dança – críticos acusavam-no de não “dançar”. As críticas mais comuns diziam que a companhia não era suficientemente sueca. Outros críticos já opinavam que era demasiada sueca. Porém, a mais perigosa das críticas dizia, sobretudo, era que eles não apresentavam o verdadeiro balé. Em muitos aspectos, os críticos estavam certos. A companhia tinha um caráter mais internacional do que sueco e, em vez de fortalecer a tradição do balé, encontrou novos caminhos na dança.
Diferentemente do repertório do Ballets Russes, poucas obras da companhia sueca sobreviveram ao silenciamento da história e, hoje, estão sendo recuperadas por pesquisadores interessados em questões que envolvem gênero, sexualidade, política e, particularmente, sua essência vanguardista.
Entre as criações mais audaciosas, estão: Maison de fous, com música de Dahl, que trouxe aos palcos a vida caótica do mundo moderno; L’Homme et son désir (1921), com argumentação de Claudel e música de Milhaud, teve a Floresta Amazônica como cenário; Les mariés de la Tour Eiffel (1921), com concepção de Cocteau, era uma sátira à burguesia e ao banal; Skating rink (1922), com figurino de Léger, os movimentos mecânicos dos dançarinos contaram sobre a pista de patinação de um bairro operário; La création du monde (1923), com música de Milhaud e cenários de Léger, era inspirado em mitos africanos e, por fim, Relâche (1924), com cenário criado por Picabia e música de Satie, era uma brincadeira dadaísta com a palavra “cancelamento”.
Em todas as peças encontra-se a marca da companhia: as questões de gênero e sexuais, mas, sobretudo, o esgarçamento das fronteiras entre a dança e as demais linguagens artísticas – uma justaposição de linguagens; um anseio por uma revolução estética.
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