O judô no Champs de Mars, nos Jogos Olímpicos de Paris 2024

Por Emerson Franchini, professor da Escola de Educação Física e Esporte da USP

 08/08/2024 - Publicado há 4 meses
Emerson Franchini – Foto: Researchgate – Arquivo pessoal

 

Em 1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, o judô brasileiro iniciava uma de suas melhores campanhas olímpicas, com a conquista de três medalhas: duas de bronze e uma de prata. Quarenta anos depois, o judô nacional completaria sua 11ª edição em Jogos Olímpicos com medalhas conquistadas ininterruptamente e apresentaria sua melhor campanha na história desse evento: um ouro, uma prata e um bronze nas disputas individuais e um bronze na competição de equipes mistas. Sem dúvida, um momento de glória e celebração para a comunidade do esporte nacional, especialmente para os envolvidos com o judô.

Muito foi comentado sobre a participação brasileira nesse evento, sobretudo quanto à qualidade da equipe brasileira, aos fatores que levaram o judô nacional a esse patamar, à arbitragem e ao feito histórico de alguns/algumas atletas. Diversos fatores determinam o sucesso esportivo, e muito trabalho é realizado até que alguém conquiste uma vaga olímpica, o que, sem dúvida, é por si só um grande feito. Contudo, quando a medalha é conquistada, aparecem sempre muitos supostos responsáveis pelo feito, alguns realmente envolvidos com o processo, outros nem tanto.

Dada a complexidade de fatores que estão envolvidos com o desempenho esportivo, é praticamente impossível determinar a contribuição dos diferentes aspectos, mas os/as próprios/as atletas podem nos fornecer indicativos valiosos. Após uma conquista tão expressiva, invariavelmente, os/as atletas citam seus familiares, companheiros/as de treinamento, membros de comissões técnicas, apoiadores e patrocinadores. Contudo, mesmo nessas declarações, é preciso considerar que algumas das falas podem ter sido guiadas pelo que ficou conhecido como media training (ou treinamento para fazer declarações à mídia), algo cada vez mais presente, especialmente para dar retorno aos patrocinadores e para evitar problemas associados ao “cancelamento” das redes sociais.

Mas o que a USP e, especificamente, a Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) têm a ver com isso? Como poderia indicar algum narrador esportivo de plantão, “iniciemos pelo começo”.

Naquela edição de 1984, em 9 de agosto, para ser preciso, o Brasil alcançava a sua primeira final olímpica. Nela, um aluno de graduação da então Escola de Educação Física se apresentava como protagonista: Douglas Eduardo de Brito Vieira enfrentou naquela ocasião cinco adversários, vencendo os quatro primeiros, e conquistando a medalha de prata ao ser derrotado por decisão dos árbitros na final, realizada contra o atleta da Coreia do Sul.

Em 2024, as três medalhas individuais conquistadas pelo judô foram de atletas do Esporte Clube Pinheiros, de São Paulo. Além desses três atletas, um quarto atleta daquele clube integrou a equipe mista que terminou o evento com a medalha de bronze. Talvez aqui a EEFE tenha dado mais uma vez a sua contribuição. Na lista de vocações de nossa unidade aparece “Formar profissionais que assumam competentes posturas de liderança na sociedade”. Nesse sentido, integrando a comissão que preparou os/as atletas do Esporte Clube Pinheiros, temos como preparador físico o egresso da EEFE Lorenzo Lecci Capelli.

Em 2022, primeiro ano deste ciclo olímpico, tive a oportunidade de realizar assessoria junto à equipe de judô do Esporte Clube Pinheiros por seis meses. Minha interação ocorreu especialmente com o treinador principal da equipe, Leandro Marques Guilheiro – duas vezes medalhista em Jogos Olímpicos e campeonatos mundiais, graduado e mestrando em matemática – com quem eu tinha atuado como preparador físico entre 2006 e 2020, e com os membros da comissão técnica, Lorenzo Capelli, a técnica Maria Suellen Altheman e o técnico Denílson Lourenço.

Naquele período, o foco central era estabelecer a estrutura de treinamento a ser seguida, especialmente quanto ao direcionamento das cargas de treinamento nos diferentes períodos da temporada, ou seja, a periodização. Um ponto importante a ser definido era como distribuir as sessões de treino com objetivos distintos (entre eles, aperfeiçoamento técnico, preparação tática, melhoria de capacidades físicas específicas etc.). A divisão dos grupos de atletas, com base no nível competitivo e calendário a ser seguido, categorias de peso, condição física e características técnicas e táticas, foi outro ponto de grande atenção nessa fase de planejamento.

Para efetivar essa estruturação, diversas investigações produzidas por nosso grupo de pesquisa da EEFE, aliadas à experiência no planejamento do treinamento da minha parte e do Lorenzo Capelli, assim como o conhecimento técnico-tático do judô por parte dos treinadores, permitiram um alinhamento essencial para que o desempenho dos/as atletas fosse levado ao seu máximo. A compreensão da concepção do processo de treinamento por parte de toda a comissão técnica foi outro aspecto muito relevante, pois era fundamental para garantir a implementação do que havia sido planejado. Profissionais de outras áreas, como a psicologia, nutrição, fisioterapia e medicina, também eram informados pelo treinador principal.

A interação iniciada em 2022 rendeu frutos positivos, pois no segundo semestre de 2023, a Maria Suellen Altheman e o Marcelo Contini – então contratado para atuar como treinador na mesma equipe – inscreveram-se como alunos especiais na disciplina Preparação Física de Atletas de Modalidades Esportivas de Combate, oferecida aos estudantes de graduação da EEFE. Nessa mesma disciplina, Lorenzo Capelli ministrou uma aula detalhando sua atuação como preparador físico dos atletas de judô do Esporte Clube Pinheiros.

Não quero com isso reivindicar uma alta responsabilidade, seja minha, seja da EEFE, pelas conquistas do judô nacional. Entretanto, atuamos com responsabilidade ao que nos compete:

(a) produção de conhecimento inovador, e no judô, as bases de indexação apontam a EEFE e, especificamente, nosso grupo de pesquisas, como o de maior produção científica e com impacto mais elevado;
(b) a EEFE tem formado recursos humanos de elevada competência e esses/as profissionais têm constantemente contribuído para a preparação de nossos atletas;
(c) a EEFE está aberta para receber profissionais que busquem educação continuada, seja por meio de cursos de difusão (p. ex., em alguns cursos oferecidos antes da pandemia, relacionados às modalidades esportivas de combate, diversos profissionais de equipes importantes do esporte nacional estiveram presentes) ou por meio de disciplinas de graduação e pós-graduação.

Especificamente em disciplinas de graduação, a presença de profissionais dessa qualidade é extremamente positiva para os/as estudantes da própria EEFE, pois trazem questionamentos bastante complexos e contextualizados, além de demonstrarem a necessidade de aperfeiçoamento constante, especialmente quando se integra uma equipe que busca o rendimento máximo nesse nível de competição. Porém nada disso seria possível sem a coordenação de um treinador que valoriza a ciência e a formação contínua de sua equipe de trabalho.

Nesse caso específico, vale destacar que Leandro Guilheiro alocou parte da carga horária de sua comissão técnica para aperfeiçoamento profissional, e o fato de ter autorizado a vinda desses/as profissionais à EEFE indica que tínhamos algo a oferecer, pois não há tempo a ser desperdiçado nesse nível. Esperamos que tais interações sejam intensificadas nesse próximo ciclo olímpico rumo a Los Angeles.

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