“Não vamos tomar nenhuma medida para melhorar nos rankings”

De acordo com o reitor da USP, ações serão realizadas para corrigir os rumos da Universidade, mas sem foco nos rankings

 26/10/2016 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 27/10/2016 as 17:36
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Neste ano, a posição da USP em alguns dos principais rankings globais de universidades sofreu uma ligeira oscilação para baixo. A queda nas listas acaba sendo encarada como consequência da grave situação financeira da Universidade, que recentemente adotou medidas como um plano de demissão voluntária e o incentivo à redução de jornada de trabalho.

Ao olhar de perto os números, no entanto, vê-se que em grande parte essas mudanças são provocadas por alterações na metodologia adotada por cada ranking e não devem, ao menos por ora, provocar alarde.

O reitor Marco Antonio Zago reconhece a importância dos rankings como forma de enxergar a USP em relação a outras universidades, mas questiona a classificação geral que coloca instituições de características tão diversas em uma lista ordenada. Chama a atenção, ainda, para aspectos importantes que não entram na conta dos rankings, como seu papel na formação de recursos humanos e no desenvolvimento regional.

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Jornal da USP: O que os rankings universitários significam para a USP?

Marco Antonio Zago: Os rankings têm variações, às vezes para cima, às vezes para baixo, que não são significativas. Isto é, quando a USP cai duas posições no ranking e a mídia diz “USP desaba nos rankings”, não tem o menor significado. Porque os rankings são baseados em um conjunto de critérios que variam entre si. Nos rankings, existe uma mistura de critérios e métodos: alguns são estritamente numéricos e outros são derivados de critérios semiquantitativos, de avaliações de opinião, que também têm valor, mas não aquele numérico, de que um é maior que o outro.

Quando os números são gerados desta forma, resulta numa coisa mais complicada ainda, que é colocar tudo isso num pacote e tirar um número final que ordena as universidades. A meu ver, não existe a campeã das universidades. Este método de colocar todas as informações numa mesma escala para dizer que a melhor é Cambrigde, a segunda é Harvard, isto é uma ilusão. Agora, algumas informações desses rankings são úteis para a Universidade. É importante saber, por exemplo, como a Universidade está em comparação a outras do mundo em relação a cada critério. Mesmo porque as universidades não são comparáveis. Como você compara uma universidade que é técnica, como a Universidade Técnica de Berlim, ou universidades que só têm cursos de engenharia, com a USP, que tem cursos em todas as áreas do conhecimento?

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Jornal da USP: Sobre os critérios que os rankings internacionais utilizam, quais não são avaliados e trariam vantagens para a USP se fossem observados?

Zago: Você não pode comparar uma universidade como Harvard ou o MIT [Massachusetts Institute of Technology], que são universidades pequenas, focadas, com até 35 mil estudantes, com universidades como a USP. Pois além de ser um grande instituto de pesquisa, o mais importante do Brasil, a USP é a principal geradora de conhecimento em ciência, tecnologia e humanidades no País. Além do seu papel de geradora de conhecimento, a USP é a principal formadora de recursos humanos qualificados do País. É a maior universidade pública para graduação e tem a maior pós-graduação do mundo. É também a principal fonte de uma série de atividades importantes para o desenvolvimento regional. As regiões de Ribeirão Preto, São Carlos e Piracicaba se tornaram grandes centros educacionais e de economia e serviços baseados na ciência porque existem campi da Universidade.

O papel da USP é muito difícil de ser equacionado nas medidas previstas nesses rankings. Ela não pode ser comparada a universidades do mundo que não tenham atuação no desenvolvimento regional.

Outra questão que os rankings não captam, pois não têm instrumentos adequados para tal, é o papel educacional das universidades. O número de trabalhos é possível de ser medido. Agora, a qualidade do ensino, como é que se mede? Não há métodos muito bons e diretos para medir a qualidade de ensino e muitos dos rankings não a medem. Outros, medem o prestígio com os empregadores, por exemplo, o QS [World University Rankings], que avalia qual é o prestígio da universidade com os empregadores. Aí a USP aparece entre as 50 primeiras do mundo. Ou seja, estamos entre as 50 universidades que mais têm prestígio entre os empregadores, mas ainda é uma maneira indireta de medir.

Nos últimos anos, surgiu a moda da internacionalização. E os rankings medem isso a partir do número de estudantes ou de professores estrangeiros. Neste ponto, ninguém ganha das universidades suíças, pois mais da metade dos professores que dão aula na Suíça é composta de estrangeiros.

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Jornal da USP: Para a USP, seria interessante ter tantos alunos estrangeiros?

Zago: Se decidíssemos fazer uma política maluca para “ganhar” neste aspecto e colocássemos 30% de estudantes estrangeiros aqui, isso seria bom? Não, porque eles viriam estudar de graça às custas dos impostos pagos pelo cidadão paulista. Isto só é bom para as universidades estrangeiras que cobram dos alunos.

O que significa para os estudantes da USP a internacionalização? Do meu ponto de vista, é que eles tenham a capacidade de compreender e falar inglês. Se nossos estudantes não dominarem o idioma terão desvantagens em relação aos outros. Uma coisa que a Universidade pode fazer para o estudante é dar a oportunidade para ele aprender inglês.

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Jornal da USP: Mas esses dados de rankings influenciam as políticas científicas da Universidade?

Zago: A resposta é não. Não dizemos que não deve haver rankings, mas é necessário saber ler os resultados. Por outro lado, há participantes que estão olhando para eles e pensando: “O que precisamos fazer para melhorar nos rankings?”. Então trazem alunos de fora, contratam professores de fora e assim por diante. Não nos alinhamos com isso. Não vamos tomar nenhuma medida apenas para melhorar nossa posição nos rankings. Vamos tomar medidas para corrigir rumos quando não estamos bem.

Aqui no Brasil se faz muito mais alarde com o resultado da publicação de cada ranking. Existe uma obsessão com isso, justamente porque criaram uma espécie de campeonato de rankings. Falo isso com tranquilidade, pois se você pegar todos os rankings globais feitos internacionalmente, a USP é a primeira universidade do Brasil. E em todos, excetuando-se um, ela é a principal da América Latina. O que podemos ler neste resultado? Lemos que, olhando sob diferentes pontos de vista, pois cada um usa um critério, a USP aparece como a primeira. Mas não acho que este “campeonato universitário” tenha algum sentido.

Qual a informação geral que tiramos dos rankings aqui na Universidade de São Paulo? É que estamos muito bem. E se um ranking disser que nós caímos dez posições? Eu vou dizer: isso não muda nada porque no ano seguinte ele vai inverter aquela posição. O que importa é a tendência.

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Jornal da USP: Por falar em rumos, você acha que a USP está caminhando mais para ser uma “Flagship”, uma liderança regional, ou uma “World Class”?

Zago: Ela é uma “World Class” respeitada no mundo todo. Agora, mais do que isso, ela é umas das poucas bem sucedidas do Brasil. Estamos junto com a Unicamp, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Universidade Federal de Minas Gerais, que são instituições que cumprem seu papel universitário e, são influências regionais importantes. Agora, entre elas, a USP recebe destaque e é reconhecida no mundo todo.

Se você olhar este último ranking da QS, te chamará atenção o seguinte: a USP está entre as 50 com mais prestígio entre os empregadores. Mas em relação à internacionalização, estamos em mais de 400. Mas isso nunca foi nossa intenção. Ou melhor, é, mas temos uma outra visão de internacionalização: não é contar quantos alunos estrangeiros temos. É, por exemplo, contar quantos trabalhos em colaboração com pesquisadores do exterior. Neste ponto, a USP tem uma curva ascendente impressionante, ou seja, a internacionalização na USP vai muito bem. E depois temos que ter a visão local.

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Jornal da USP: Os rankings são muito criticados pelas instituições justamente por conta dessa competição e avaliação que fazem. Este ano, você participou de um evento do observatório IREG, que monitora estes rankings, qual é a preocupação que existe em relação a estas avaliações?

Zago: Eu percebi duas preocupações. A primeira de algumas pessoas que, como eu, são críticas aos rankings. Não é dizer que eles não servem para nada, eu não digo isto. Eles são úteis, pois dão uma ideia de nossa posição no mundo. Qual a informação geral que tiramos dos rankings aqui na Universidade de São Paulo? É que estamos muito bem. E se um ranking disser que nós caímos 10 posições? Eu vou dizer: isso não muda nada porque no ano seguinte ele vai inverter aquela posição. O que importa é a tendência.

Outra preocupação é em relação a essa análise crítica dos rankings. A notícia que sempre se traz é que somos a mais bem sucedida universidade. Além disso, revela algumas áreas de excelência que as pessoas conhecem, outras não. Por exemplo, a odontologia é muito forte na USP. Isto significa que temos três faculdades de odontologia que desempenham um papel de muita qualidade. Sabemos também que a agronomia é forte, em alguns destes rankings, somos a quinta universidade do mundo em termos de produção agropecuária. E eu sempre digo que se a agropecuária vai bem no Brasil, suas bases, em grande parte, foram desenvolvidas na Universidade de São Paulo. E se dizem que é a Embrapa, eu respondo que, mas quem formou os pesquisadores da Embrapa, em grande parte, foi a USP.

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Jornal da USP: O País está vivendo um momento delicado em relação à economia, que afeta diretamente o financiamento da pesquisa, já que as agências de fomento estão com menos recursos, e até em relação ao financiamento estadual, para a Universidade manter seu trabalho em áreas tão diversas. Como isso vai refletir na USP?

Zago: Minha expectativa é que, ao mesmo tempo em que corrigimos os problemas administrativos e de gestão da USP, possamos esperar, nos próximos meses, uma recuperação da economia do País.

A vida nos laboratórios e nos núcleos de pesquisa da USP é mantida, em geral, por várias fontes, não só do governo federal, que é muito reduzida, mas também da Fapesp, que continua fluindo, talvez com um pouco mais de dificuldade. Há também recursos da própria Universidade, em termos de técnicos e infraestrutura laboratorial, que não foram afetados até agora.

Sob meu ponto de vista, a pesquisa na USP não sofreu significativamente, mas talvez sofra se esta situação econômica do País perdurar. Mas sou otimista e acredito que vai melhorar.

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Jornal da USP: Ainda há espaço para crescimento da USP? Ou a Universidade já chegou a um tamanho-limite quanto à quantidade de estudantes e pesquisadores?

Zago: Eu acho que ela é uma universidade já bastante grande, portanto, não deve sofrer grandes expansões como as que aconteceram no passado. Esta é minha visão e foi isso que prometi quando fui eleito reitor. Existem algumas missões básicas da Universidade que nunca mudam, precisamos ser fortes em química, física, matemática, mas outra coisa completamente diferente são os cursos profissionais, por exemplo. Não creio que caiba, para o momento, nenhum plano de expansão. O que não exclui eventuais expansões, limitadas, mas que tenham uma justificativa social, uma demanda significativa ou uma importância no desenvolvimento do próprio Estado.

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O papel da USP é muito difícil de ser equacionado nas medidas previstas nesses rankings. Ela não pode ser comparada a universidades do mundo que não tenham atuação no desenvolvimento regional

 


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