Transferências fiscais estão descompassadas com realidade do País

População quer equidade do nível de serviço público, o que demanda reforma do pacto federativo, diz especialista

 23/04/2019 - Publicado há 5 anos
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jorusp

No Brasil, Estados e municípios têm diferentes capacidades de arrecadação de tributos e impostos próprios, o que está relacionado às suas dinâmicas econômicas. Um dos mecanismos para compensar essas diferenças são as transferências fiscais, que complementam as receitas próprias dos governos subnacionais. A medida, como ocorre, acaba por produzir apenas uma compensação limitada e está longe de privilegiar as unidades da federação que concentram maior necessidade. É o que aponta, em artigo, a diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da USP, professora Marta Arretche, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Ela afirma ao Jornal da USP no Ar que “chamar a organização das transferências de sistema não passa de licença poética”, citando o cientista político José Roberto Alfonso. As legislações foram feitas ao longo de muitos anos, por isso nem sempre estão em compasso umas com as outras. Hoje, os Estados e municípios têm sua receita proveniente de quatro vias: arrecadação direta (impostos, taxas e contribuições locais), alocações de verba constitucionais (do pacto federativo), legais (Fundeb, SUS, didáticas, entre outras) e as negociadas.

A disparidade começa já nos entes federativos, alguns são muito pobres, ao passo que outros, ricos. “Há municípios brasileiros cuja arrecadação per capita não passa de 45 centavos”, alega Marta. A transferência livre seria uma tentativa de conter essa desigualdade, delegando à instância federal a missão de redistribuir esse dinheiro. “Porém, a medida é tímida e desregulamentar o orçamento nesse nível é proporcionar incertezas às unidades federativas”, explica a professora. E sem segurança esses entes não conseguem garantir suas responsabilidades.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

O pacto federativo, além das transferências, reparte as obrigações entre União, Estados e municípios. As prefeituras, por exemplo, cuidam da educação básica e da saúde local, os governos estaduais, do ensino médio e da segurança pública. Então, essa diferença de valores acarreta em um nível de serviço diferente entre as partes. E, “cerca de 80% da população brasileira acredita que os benefícios públicos devem ser similares na extensão do território nacional, segundo uma pesquisa da Oxford”, indica a cientista política. 

Com equidade e segurança das unidades federativas em mente, Marta defende uma reforma desse pacto. Mas faz uma comparação com a Previdência: mudanças constitucionais trabalham em nível elementar e duradouro. “É um processo que não pode ser feito de afogadilho. Atinge milhões de lares e necessita de um debate público e transparente.” Todos os países do mundo têm um sistema de compensação, reajustado ao longo do tempo. “Fazer reforma não é nada fora do roteiro de qualquer Estado nacional e tem de acontecer buscando a igualdade de oportunidades”, argumenta a docente.

O artigo da professora, Transferências fiscais brasileiras, encontra-se no segundo capítulo do livro Carta para entender a Constituição brasileira, organizado por Naércio Menezes Filho e André Portela Souza.

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