Tecnologia indica qual composto inibe vírus da febre amarela

Laboratório do Instituto de Ciências Biomédicas da USP é um dos líderes mundiais na aplicação da triagem fenotípica para o vírus

 30/07/2018 - Publicado há 6 anos
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Laboratório Phenotypic Screening Platform foi reformado por meio de uma parceria com a empresa Eurofarma – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Há um ano e meio, o Brasil enfrentou um surto de febre amarela. Neste período, o grupo de pesquisa Phenotypic Screening Platform, coordenado pelo professor Lucio Freitas-Junior, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em São Paulo, descobriu que drogas utilizadas no tratamento da hepatite C poderiam funcionar para combater o vírus causador da febre amarela.

Essa descoberta foi realizada graças à tecnologia de triagem fenotípica, conhecida como High Content Screening, na qual moléculas químicas ou fármacos já existentes são identificados como possíveis combatentes de um determinado patógeno, como vírus, parasitas ou bactérias.

De acordo Freitas-Junior, um dos órgãos mais afetados pelo vírus da febre amarela é o fígado. Por isso, os pesquisadores utilizaram as células humanas derivadas do órgão para fazer os testes e descobrir quais compostos impediriam a infecção pelo patógeno.

Em uma placa de ensaio com 384 poços foi colocada cultura de células infectadas com o vírus. Cada uma delas ainda recebeu diferentes compostos químicos com ação desconhecida contra o causador da febre amarela e, em algumas divisórias, foram colocados fármacos com atividade antiviral conhecida.

“Esses fármacos são utilizados como controle, ou seja, a análise automatizada feita pelo instrumento identifica qual dos compostos apresentou atividade semelhante ao antiviral já utilizado contra o vírus”, explica o pesquisador.

Grupo de pesquisa Phenotypic Screening Platform, do ICB, onde são realizadas as análises de triagem fenotípica – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A diferenciação é feita pela máquina a partir de um software adaptado pelo grupo de pesquisa do ICB, que distingue as células humanas infectadas das não infectadas.

“A triagem fenotípica torna possível determinar de forma automatizada quais das novas substâncias teve desempenho semelhante, ou melhor ao dos fármacos conhecidos”, disse Freitas-Junior.

Ele ressalta que com essa tecnologia se economiza muito tempo para colocar uma droga no mercado. “Geralmente, são cerca de 10 anos, com a triagem, esse número reduz para três ou quatro. Reposicionamento de fármacos é uma estratégia que pode ter muito sucesso.”

Freitas-Junior ainda completa: “Quando a gente pensa em uma doença como a febre amarela, com letalidade de até 50%, dezenas de pessoas nos hospitais morrendo, essa tecnologia traz uma esperança muito grande.”

A triagem fenotípica pode ser aplicada para outras doenças humanas e de animais, como infecções por nematoides intestinais em bovinos. Giovana Cintra, uma das alunos do grupo de pesquisa, utilizou a técnica para descobrir quais compostos poderia matar um verme de vida livre muito parecido com o patógeno bovino.

“Incubamos os vermes e dois corantes diferentes indicam se ele está vivo ou morto. Após analisar qual composto é mais interessante, são feitas diversas melhorias na molécula para deixá-la mais seletiva ou mais potente”, explica Giovana.

Placa de ensaio com os 384 poços para analisar a reação de compostos ao vírus da febre amarela – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Triagem fenotípica no Brasil

O pesquisador  Lucio Freitas-Junior teve contato com a técnica na Coreia do Sul, onde trabalhou por oito anos com a indústria farmacêutica internacional. Em 2016, ele trouxe a triagem fenotípica para o Brasil por ver o potencial para o estudo de doenças negligenciadas, como dengue, zika, febre amarela e chikungunya.

As doenças negligenciadas são causadas por agentes infecciosos e são consideradas endêmicas, principalmente, em populações de baixa renda. Essas enfermidades também apresentam baixos investimentos, seja em pesquisas, produção de medicamentos e em seu controle.

O pesquisador Lucio Freitas Junior analisa material no laboratório – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O  Brasil é endêmico para as doenças as quais pesquiso, mas carente de pesquisa biomédica aplicada em interação com a indústria”, segundo o cientista

O grupo de pesquisa coordenado por Freitas-Junior ganhou um novo espaço para dar continuidade aos estudos com a tecnologia. No dia 28 de junho, em parceria com a Eurofarma, o ICB  inaugurou o laboratório Phenotypic Screening Platform. “Não tínhamos financiamento público disponível para financiar a reforma do espaço, então precisávamos da iniciativa privada. Ter um comprometimento desses da indústria farmacêutica é fantástico.”

A parceria com a Eurofarma ocorreu por meio de um programa chamado Parceiros do ICB. Além da reforma do laboratório, o grupo de Freitas-Junior também está desenvolvendo um projeto de pesquisa de descoberta de fármacos em parceria com a mesma empresa. “Esperamos que este seja o primeiro de muitos projetos em parceria com a indústria.”


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