Em abril deste ano, a Presidência da República assinou um decreto que garante a travestis e transexuais o direito de usar o nome social em todos os órgãos públicos federais. O reconhecimento é importante, mas os transexuais, pessoas que não se identificam com o sexo anatômico de nascimento, demandam ainda outro reconhecimento: a alteração do registro civil. Hoje, como não há regulamentação no País, essas pessoas precisam entrar com ações e depende dos juízes deferir ou não o pedido de mudança de nome. A questão é uma das principais frentes de atuação de uma iniciativa surgida na Faculdade de Direito (FD) da USP.
O Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade (Geds) foi criado em 2009 por iniciativa de alunos de graduação. A proposta é fortalecer a luta judicial e social pelo reconhecimento e ampliação de direitos de grupos sociais altamente discriminados, principalmente no que diz respeito à mudança de prenome e sexo no registro civil.
Uma das atividades do grupo é o atendimento de mulheres e homens transexuais e travestis que moram em São Paulo e que possuem renda familiar de até três salários mínimos. A atuação é principalmente nas Varas de Família e Sucessões, Registros Públicos e Cíveis. Chamada de Projeto de Pesquisa e Prática Jurídica em Direito e Sexualidade (PPJ), essa frente estuda os temas gênero, sexualidade e política identitária.
“Formulamos um estudo estratégico para elaborar as manifestações judiciais, com a busca de pontos de inserção da tese de autonomia da vontade para legitimar o modo como a pessoa transexual e travesti se identifica, e descaracterizar as identidades transexuais como um transtorno psicológico, visando com isso à obtenção de ganhos em decisões judiciais reiteradas a favor do direito ao nome de travestis e transexuais”, explica Lucas Bettim, aluno de direito e integrante do Geds.
O PPJ é orientado pela professora da área de Direito Processual Civil da FD, Susana Henriques da Costa. O grupo defende judicialmente transexuais e travestis encaminhados ao Departamento Jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto pelo Centro de Referência da Diversidade (CRD), um espaço vinculado à Prefeitura de São Paulo que atua em parceria com o PPJ.
“Meu papel é o de orientar leituras de direito processual que sejam a base para o desenvolvimento de estratégias na elaboração das manifestações judiciais, voltado ao reconhecimento judicial de teses jurídicas favoráveis aos direitos de transexuais e/ou travestis”, explica a professora. “Por meio de um estudo mais pormenorizado do comportamento do sistema de justiça nas demandas ajuizadas pelo Geds, busca-se ajudar o grupo na elaboração de uma linha de defesa mais apurada das pessoas que representa”, analisa Susana.
Promotores Legais Populares
Outra frente de ação do Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade é voltada ao enfrentamento da violência e exploração da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), a partir de um curso voltado tanto para essas pessoas como para militantes e representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público. Os Promotores Legais Populares (PLP), como é chamado o grupo, são orientados pelo professor José Reinaldo de Lima Lopes.
A primeira edição do curso foi realizada nos meses de maio e junho deste ano, e tratou de temas relacionados a direitos e discriminação, violência física, direito à saúde, educação e órgãos de justiça.
Segundo o grupo, o curso busca fortalecer o exercício da cidadania, tornando mais claros os instrumentos jurídicos que podem ser utilizados como mecanismos de defesa e promoção de direitos. Por outro lado, o curso também enriquece a formação dos próprios organizadores. “Mantermos contato direto com o público nos aproxima da realidade discutida para além das teorias e do ambiente acadêmico”, relata Bettim. O estudante de direito lembra que é rara a presença da população LGBT na academia, em função da marginalização e da violência sofrida, e que as ações do Geds ajudam a colocar os direitos e demandas dessas pessoas em pauta.
Segundo José Lopes, as ações desenvolvidas pelo Geds contribuem para a formação, primeiramente, de seus próprios membros, que leem e debatem textos clássicos sobre sexualidade e direito. “O objetivo é formar os alunos tanto no rigor da leitura e dos argumentos feitos em defesa dos direitos sexuais quanto dar-lhes a possibilidade de conhecerem debates já feitos no exterior. Também é um grande incentivo para que os próprios alunos comecem a organizar eventos e círculos de discussão, expandindo o conhecimento”, observa.
Ainda não há previsão para a próxima edição do curso.
Discriminação e prática jurídica
O professor José Reinaldo Lima Lopes conversou com a jornalista Miriam Ramos, na Rádio USP, e falou da importância de se discutir os direitos da populações LGBTs. Ouça a entrevista: