Novo ensino médio deve valorizar professor e envolver alunos

A pedagoga da USP Lisete Arelaro e professor da Unicamp Rafael Pedrosa discutiram a reforma do ensino médio e as vantagens e desvantagens da medida provisória no último USP Talks

 27/10/2016 - Publicado há 7 anos
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Lisete Regina Gomes Arelaro, da Faculdade de Educação e Renato Hyuda de Luna Pedrosa, da Unicamp - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Lisete Regina Gomes Arelaro, da Faculdade de Educação, e Renato Hyuda de Luna Pedrosa, da Unicamp – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O modelo ideal de ensino médio vem sendo discutido intensamente desde a proposta de medida provisória do governo federal que altera a forma como as disciplinas serão oferecidas no segundo grau. A pedagoga e pesquisadora da Faculdade de Educação (FE) da USP, Lisete Arelaro, e o matemático e coordenador do Laboratório de Estudos em Educação Superior (Lees) da Unicamp, Renato Pedrosa, concordam que um dos principais problemas do ensino médio na rede pública é a falta de valorização e qualificação dos professores e que uma reforma deve prezar pela valorização dos educadores. Os especialistas discutiram a medida e o formato ideal de ensino médio no último USP Talks – Ensino Médio: O que ensinar e como melhorar?.

Lisete critica a formação em massa de professores nas faculdades particulares. “O Brasil não estava preparado para chegar nesses conglomerados educacionais de caráter mercadológico. Estamos vivendo uma crise complexa, dos professores que estão matriculados no ensino privado cursando licenciaturas e 52% através do ensino a distância”, afirma. Pedrosa destaca que a maior parte dos alunos que se formam pedagogos em universidades públicas segue carreira no ensino superior, já que o salário inicial de professores desse nível é muito maior do que o de professores do ensino básico – o piso salarial do magistério é de R$ 1.917 e o piso salarial de um professor universitário é de, no mínimo, R$ 8.639. “Não há condições, em nenhum país que tem educação básica razoável, de ter uma diferença dessa no salário do professor”, afirma.

Grande parte da comunidade de educadores se posicionou contra a medida, que deixa na base curricular apenas as disciplinas de português, matemática e inglês e possibilita que o aluno escolha em qual área quer cursar o restante das matérias. Segundo a pesquisadora, o estabelecimento de um currículo único de conteúdo no país inteiro pode ser prejudicial ao reconhecimento da diversidade cultural que existe no Brasil, além de desmerecer o professor como agente de uma formação crítica dos estudantes.

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Nós, professores, deixaríamos de ser professores porque seríamos repetidores de um certo conteúdo que um determinado grupo de especialistas definirá que é verdade.

Lisete Regina Gomes Arelaro

Para Pedrosa, porém, a proposta de uma opção de ensino profissionalizante que pode ser escolhida pelo aluno para cursar é um avanço, já que possibilita que o estudante saia do segundo grau com boas oportunidades de trabalho e uma formação específica de qualidade. Segundo a medida provisória, as áreas de concentração que poderão ser escolhidas pelos alunos, além das disciplinas básicas, são linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.

A proposta de mudança inclui também o período de estudos, que passa a ser integral. Os pesquisadores têm opiniões diferentes sobre a alteração. Apesar de Lisete concordar que o ensino integral seria ideal, a professora destaca que com a PEC 241, que define um teto para os gastos públicos para, no mínimo, os próximos dez anos, não seria possível implementar o regime integral de estudos, que demandaria investimentos na área. A professora também destaca que o regime seria um impasse para os jovens que não têm condições de estudar durante o dia e, por isso, cursam turmas noturnas.

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Tem que acontecer alguma coisa para sacudir a poeira e tirar as pessoas da inércia e talvez a medida provisória tenha essa qualidade de obrigar as pessoas a discutir.

Renato Pedrosa

Segundo o professor, entretanto, a mudança traz avanços e deveria ser considerada independentemente da conjuntura de supressão orçamentária. O professor defende que os alunos que estudam no período noturno devem receber auxílio do Estado, como bolsas para que possam frequentar a escola em período integral ou uma estrutura de estágio remunerado para os estudantes. O pesquisador cita o exemplo do Estado de Pernambuco, que teve aumento considerável na quantidade de jovens que terminam o ensino médio. “Lá há um avanço da educação em tempo integral. Se você colocar o ensino em tempo integral vai mudar radicalmente o perfil da educação nacional”, afirma.

A medida que incita a discussão

Apesar das críticas à medida provisória, principalmente por ter força de lei antes de ser analisada pelo Poder Legislativo, a proposta trouxe à tona a discussão do formato e da qualidade do ensino médio, principalmente na rede pública. Até o dia 29 de setembro foram feitas 568 propostas de emenda constitucional por senadores e deputados com naturezas diversas, inclusive a revogação da medida, e mais de mil escolas já foram ocupadas por estudantes que exigem a participação na discussão da reforma.

“Tem que acontecer alguma coisa para sacudir a poeira e tirar as pessoas da inércia e talvez a medida provisória tenha essa qualidade de obrigar as pessoas a discutir”, afirma Pedrosa. A professora Lisete destaca que a participação de professores e estudantes na discussão para a formulação de uma proposta de reforma é essencial.

USP Talks

Organizado pelas Pró-Reitorias de Pesquisa e de Graduação da USP e pelo jornal O Estado de S. Paulo, em parceria com a Livraria Cultura, o USP Talks é uma série mensal que traz especialistas da academia para falar sobre temas de grande relevância, em um formato diferenciado de palestra – informal, simples, rápido e personalizado.

A primeira edição foi em abril, com o tema Aedes aegypti, zika e microcefalia: Como vencer o mosquito e suas doenças?. O USP Talks também já discutiu corrupção, câncer e violência contra a mulher.

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