Luta pela valorização da formação de professores tem espaço na USP

Atuação de educadoras e qualificação da experiência de estágio resultam em profissional bem preparado

 10/04/2017 - Publicado há 7 anos
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A formação de um professor deve ser levada em conta desde o início da graduação, avaliam profissionais da FE. Foto: Visual Hunt

Não é difícil encontrar no noticiário discussões sobre como é pouco atrativa a carreira de professor no Brasil. Fala-se menos das iniciativas voltadas à formação daqueles que de fato escolhem seguir essa carreira. O Programa de Formação de Professores (PFP) da USP é uma delas.

O projeto surgiu em 2004, a partir de exigência do Conselho Estadual de Educação de que a USP apresentasse um projeto das licenciaturas, com base no qual o Conselho pudesse proceder à avaliação dos cursos. A Universidade aproveitou a ocasião para colocar a formação docente em discussão, chegando em 2004 a um documento fundador que estabeleceu diretrizes e eixos norteadores para a reformulação de suas licenciaturas.

“Nós temos historicamente na licenciatura no Brasil e, especificamente, na Universidade de São Paulo, uma história de quebra entre a formação do bacharel e a do licenciado”, avalia Cláudia Galian, coordenadora da Comissão Coordenadora de Curso das Licenciaturas (CoC-Licenciaturas) da USP.

É essa cisão que iniciativas como o Programa de Formação de Professores tentam superar. E para tanto, a discussão sobre a formação do docente precisa começar cedo, sem se restringir apenas ao ambiente da Faculdade de Educação (FE) da USP. “O Programa de Formação de Professores insiste muito que a formação do professor deve ser iniciada já no início do curso. É desde o começo que você vai formar o professor, e não lá no final, depois que ele já for um bacharel ou quase já formado no bacharelado”, diz Cláudia.

A mediação dos educadores

Fachada da Faculdade de Educação – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

 É preciso considerar não só como será formado o químico ou o sociólogo, mas como será formado o professor de química e de sociologia, enfatizam Gislaine Oliveira e Marina Capusso, educadoras da FE. E é nos estágios que boa parte desta formação se constrói.

Pela organização atual das licenciaturas, o estudante precisa cumprir um total de 400 horas de estágio, sendo 100 dessas em sua unidade de origem e as outras 300 na Faculdade de Educação. Entretanto, não se trata apenas de jogar o universitário de volta na sala de colégio para que assista aulas. O processo é mais qualificado.

Os educadores são figuras centrais para o funcionamento do Programa de Formação. Eles que realizam o atendimento aos alunos e a mediação entre escolas e a universidade.

No âmbito da Faculdade de Educação, os alunos das 32 licenciaturas da USP são auxiliados de diversas maneiras: seja lidar com documentação, encontrar uma escola e mesmo o desenvolvimento da proposta do estágio. Há inclusive um manual do estagiário, criado pelo corpo de educadores da FE, que além de Gislaine e Marina conta também com Afonso Andrade, Jany Pereira, Renato Ribeiro e Sandra Bronzate.  

Da esquerda para a direita: Marina Capusso, Sandra Bronzate, Jany Pereira e Gislaine Oliveira, educadoras da FE – Foto: Raphael Concli

O desenvolvimento de uma relação com as escolas é fundamental para que os estágios deem frutos. As educadoras da FE buscam conhecer instituições e estabelecer uma relação com elas, até para que as escolas entendam qual a proposta dos estágios da Faculdade de Educação e como ela pode ser viabilizada, explica Marina.

Em sua proposta original, o PFP previa a contratação de educadores para todas as unidades em que houvesse licenciaturas. Só na FE previa-se a atuação de 45 destes profissionais. Hoje, são seis que devem lidar com cerca de 3 mil alunos que realizam disciplinas de estágio na Educação. “Esses educadores que foram contratados estabeleceram formas de trabalhar que possam abranger o maior número de estudantes dentro das limitações que existem de implementação”, avalia Gislaine.

Para que o programa fosse minimamente viabilizado, a Universidade optou pela utilização de pós-graduandos como monitores-bolsistas. Contudo, tal regime torna difícil que se estabeleça uma continuidade de trabalho, já que o monitor-bolsista poderá permanecer no cargo apenas durante o período em que cursa sua pós-graduação.

Onde vou estagiar?

À esquerda, Elizabeth Braga, da CoC Pedagogia. À direita, Cláudia Galian da CoC Licenciaturas – Foto: Raphael Concli

Na busca por estabelecer um contato com diversas instituições de ensino, as educadoras e educadores da Faculdade de Educação criaram um guia de escolas. Mais do que uma lista, o documento serve como informativo que indica local da instituição, quem é o corpo gestor e quais as melhores formas de contatá-lo, bem como quais projetos pedagógicos já estão em desenvolvimento naquela escola.

Para fazer parte do guia, a escola deve oferecer as condições para a realização da proposta de estágio elaborada na Universidade, e, claro, estar disposta a estabelecer essa parceria. O documento possui 60 escolas, e é atualizado constantemente.

Na avaliação das educadoras, o trabalho da mediação e a elaboração do guia têm melhorado a articulação entre as diversas partes que atuam na estruturação do estágio: docentes da FE, seus alunos e as próprias escolas, todas da rede pública, aliás. O que se nota também no aumento da procura pelo guia e pelas próprias educadoras.

Percebemos que existe um reconhecimento institucional maior da importância desse trabalho de construir uma relação com as escolas para a realização dos estágios e também a importância de que os alunos tenham a referência de um lugar que podem tirar dúvidas sobre estágios, encontrar escolas e conversar sobre os documentos

Gislaine Oliveira, educadora da FEUSP

Escolas Campo: pensando o estágio em conjunto

Mas mesmo com o guia, a relação entre as escolas e a Universidade ainda não é tão próxima. É nesse sentido que surgiu em 2015 o projeto Escolas Campo: Formação em Diálogo. Desenvolvido pelas educadoras da Faculdade de Educação, o projeto se inspira no Programa de Formação de Professores para que a construção do estágio se dê de forma mais integrada entre as instituições.

Os alunos que participam do Escolas Campo têm, já no início de seu estágio, uma reunião de apresentação para conhecer a unidade em que irão atuar. Ali, desenvolve-se uma proposta elaborada pelos docentes das disciplinas de estágio, as quais abrangem diversos temas como didática, psicologia, metodologias de ensino ou política e organização escolar, por exemplo.

Ao final do processo, os estagiários dão uma devolutiva para a escola, na qual mostram como a experiência contribuiu para sua formação. As educadoras acompanham de perto todo esse caminho, auxiliando o estudante a implementar a proposta de atuação na escola e a elaborar a devolutiva.

Atualmente, o programa conta com cinco escolas parceiras e todos os que buscaram estágios nesses locais conseguiram realizá-los. No segundo semestre de 2016, um total de 62 alunos de diversas licenciaturas atuaram em escolas campo. De acordo com as educadoras, a relação construída com essas escolas e o próprio retorno que elas obtêm dos universitários faz com que as instituições sintam-se respeitadas.

Ainda assim, a maioria dos alunos da USP faz seus estágios em unidades que não são escolas campo e nem fazem parte do guia de escolas. O que não é de se estranhar, considerando a quantidade de estudantes de licenciatura da Universidade. Apesar de tudo, as educadoras trabalham para que um estágio satisfatório não seja questão de sorte, comenta Marina.

Muito se reclama de que as escolas não recebem bem os estagiários,  ou que não há aula, ou que o professor fica lendo o jornal.  Mas penso que o problema dos estágios não serem formativos é uma responsabilidade da Universidade.  Qualquer experiência na escola pode ser discutida e pode ser formativa, contanto que exista um acompanhamento

Marina Capusso, educadora da FEUSP

III Mostra de Estágios

A experiência das Escolas Campo, assim como de diversos outros tipos de estágios foram apresentados e discutidos na terceira Mostra de Estágios, realizada de 28 a 30 de março, na Faculdade de Educação.

Criada em 2015, a mostra vem crescendo a cada ano.  Além dos próprios estagiários de diversos cursos da USP, o evento conta com a participação de profissionais da rede básica de ensino e docentes da Universidade. Tal como nas  edições anteriores, os estudantes que participam da mostra devem ter realizado alguma disciplina de estágio vinculada à Faculdade de Educação no ano anterior.

Mesa de abertura da Mostra de Estágios – Foto: Jany Pereira

Como apontam Marina e Gislaine, a mostra tem sido bem-sucedida como um espaço para que os estagiários sistematizem suas experiências e as compartilhem com seus colegas. Não deixa de ser um momento em que se amplia a visibilidade do que o Programa de Formação de Professores vem construindo.

Neste ano, a mesa de abertura trouxe uma novidade: a apresentação de projetos em escolas campo realizados em outras unidades da USP, caso da licenciatura em Ciências da Natureza, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e também do curso de Pedagogia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFLCRP). Além desta, outras quatro mesas compuseram o evento.

Confira a programação completa da mostra aqui.


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