O lugar da história – e de uma historiadora – no museu

Museologia abre inúmeros caminhos para profissionais de diferentes perfis

 10/03/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 02/05/2016 as 13:29
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por Amanda Oliveira

Trabalhar com museologia há alguns anos não era um caminho fácil para os historiadores. Não havia muitas especializações e fazer mestrado nesta área ainda era um sonho distante para aqueles que desejavam ser museólogos.

Mesmo com todas essas dificuldades, Beatriz Calvalcanti, ex-aluna do curso de história da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, não desistiu do desejo de atuar com o patrimônio histórico do país. Hoje, a historiadora é diretora do Museu da Cidade de São Paulo, que abrange uma rede de casas históricas formada por 12 exemplares arquitetônicos.

Chácara Lane | Foto: Acervo do Museu da Cidade de São Paulo
Chácara Lane | Foto: Acervo do Museu da Cidade de São Paulo

Beatriz viveu suas primeiras experiências com a museologia quando se tornou especialista em pesquisa do Museu de Ciências da USP. E como a graduação não era muito direcionada para essa área, a historiadora fez um curso de especialização no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP.

Segundo ela, foram essas aulas que abriram seus olhos para as diversas possibilidades que o trabalho no museu pode proporcionar. No curso, ela pôde se aprofundar em temas como a salvaguarda (conservação, pesquisa, documentação e reserva técnica – que consiste no espaço cedido para abrigar as obras) e a comunicação do museu com o público, que inclui a montagem de exposições, as ações educativas e as publicações.

O curso de história forma museólogos? De acordo com a historiadora, tanto o bacharelado em história como a especialização não garantem esse título. Para se tornar museólogo o profissional pode seguir por dois caminhos: fazer uma graduação em museologia ou realizar um mestrado relacionado com a área. Essa última opção tornou oficialmente Beatriz uma museóloga.

Patrimônio e diálogo

Capela do Morumbi | Foto: Acervo do Museu da Cidade de São Paulo
Capela do Morumbi | Foto: Acervo do Museu da Cidade de São Paulo

De um questionamento que inquietava Beatriz nasceu sua pesquisa de mestrado: será que as casas integrantes do Museu da Cidade poderiam ser consideradas parte de seu acervo? Para responder, ela precisou investigar como esse patrimônio arquitetônico era tratado dentro de uma cadeia museológica, que envolve processos que vão desde a conservação até o momento mais esperado, a exposição.

A pesquisa, documentação e preservação das casas são elementos essenciais nessa cadeia. No caso do Museu da Cidade, a salvaguarda é gerida pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DPH). No entanto, o diálogo entre essa área e a de comunicação não era muito consolidado. Assim, o museu não costumava aproveitar as pesquisas realizadas em torno do patrimônio para organizar exposições e ações educativas que centrasse no caráter histórico das casas. As mostras, muitas vezes, focavam em outros temas. “A conclusão a que cheguei é que em alguns pontos as casas não foram apropriadas como acervo”, explica Beatriz.

Casa do Sítio da Ressaca | Foto: Acervo do Museu da Cidade de São Paulo
Casa do Sítio da Ressaca | Foto: Acervo do Museu da Cidade de São Paulo

Mas a museóloga também sabe que promover a ponte entre a salvaguarda e a comunicação não é uma tarefa simples, envolvendo inúmeras dificuldades administrativas e técnicas, como falta de funcionários e infraestrutura. Para ela, ainda é preciso um longo esforço de estruturação, mas algumas medidas já foram tomadas neste sentido. Durante o evento Jornada do Patrimônio, por exemplo, foram organizados painéis que contam as histórias das casas, abordando suas técnicas construtivas. Uma das oficinas trabalhou com a ocupação do espaço, e as pessoas eram convidadas a desenhar no museu.

Outro desafio enfrentado por Beatriz em sua gestão é a construção do Plano Museológico do Museu da Cidade, projeto que vai traçar um planejamento estratégico para a instituição. Com ele, será possível estabelecer metas e organizar ações para alcançá-las.

O plano está sendo feito de forma participativa, visando dar voz aos funcionários da entidade. “A ideia é que não seja só um documento de gaveta”, ressalta a museóloga.

Perfil de museólogo

A museologia abre inúmeros caminhos para profissionais de diferentes perfis. De acordo com Beatriz, uma pessoa mais focada, por exemplo, pode atuar na conservação e no restauro. Já aqueles que gostam de ter uma visão mais geral dos processos podem trabalhar com a gestão. Mas a menina dos olhos da profissão, em seu entender, é a comunicação, pois nela se organizam as exposições e o diálogo com o público.

Beatriz Calvalcanti | Foto: Divulgação
Beatriz Calvalcanti | Foto: Divulgação

Administrar um museu exige um olhar bem minucioso sobre todo seu acervo. Deve-se, por exemplo, estar atento às coleções e ao momento em que precisam ser complementadas por novas aquisições. O diálogo com outras entidades é fundamental para negociar empréstimos de itens, evitando-se gastos desnecessários.

Apesar de cada um ter mais familiaridade com uma área, a diretora destaca que é importante que todas elas estejam de mãos dadas.

Os museus desempenham um papel essencial na preservação da memória da cidade, e essa herança precisa ser passada para as novas gerações. Além disso, um Museu da Cidade tem como principal função apresentar às pessoas o lugar onde habitam, abrindo espaço para a discussão de questões urbanas que impactam na vida de todos.

Beatriz menciona que um dos grandes desafios do Museu da Cidade é que ele seja apropriado pela população. Muitas casas históricas ficam despercebidas aos olhares daqueles que passam apressadamente pelas ruas. Para reverter essa situação, é importante que as ações educativas estejam bem consolidadas. Elas permitem que o público conheça seu patrimônio. “Se nós não conseguirmos chamar a atenção das pessoas do próprio bairro, da própria comunidade que aquilo é importante e tem que existir, o sentido se perde”, alerta a diretora.
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