Exercício com responsabilidade do direito de greve do trabalhador

A Constituição Federal assegura aos trabalhadores, inclusive aos servidores públicos, o direito de greve. Trata-se de um direito fundamental, previsto no artigo 9º da Constituição, estendido aos servidores da Administração Pública por força do quanto disposto no artigo 37, inciso VII da Constituição.

 01/06/2016 - Publicado há 8 anos
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A Constituição Federal assegura aos trabalhadores, inclusive aos servidores públicos, o direito de greve. Trata-se de um direito fundamental, previsto no artigo 9º da Constituição, estendido aos servidores da Administração Pública por força do quanto disposto no artigo 37, inciso VII da Constituição.

Direitos, contudo, não são absolutos. Mesmo direitos fundamentais, como o de greve, comportam limitações, restrições e condicionantes.

Assim, o exercício do direito de greve é disciplinado pela Lei Federal nº 7783/89, cujas disposições, por força de decisão do Supremo Tribunal Federal (MI 708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 25/10/2007), aplicam-se também aos servidores públicos.

A seguir, são destacadas algumas determinações da referida Lei:

1. Legalidade da decretação da greve: a greve só pode ser decretada quando frustrada a negociação (artigo 3º) e mediante assembleia geral dos trabalhadores, regularmente convocada (artigo 4º). A greve é considerada ilegal quando não observadas essas regras.

2. Suspensão dos contratos de trabalho e da remuneração: o artigo 7º da Lei é claro ao estabelecer que a greve lícita “suspende o contrato de trabalho”, o que implica a suspensão do pagamento referente aos dias não trabalhados, bem como do cômputo do tempo de serviço.

Nesse sentido, decisões do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior do Trabalho, dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª Região (Regiões Metropolitanas da Capital e da Baixada Santista) e da 15ª Região (restante do Estado de São Paulo):

“Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos“.

(STF – MI 708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 25/10/2007). No mesmo sentido: AI 824949 AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 23/08/2011; AI 805213 AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 01/03/2011; RE 399338 AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 01/02/2011; RE 456530 ED, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 23/11/2010; AI 810136 AgR/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 09/11/2010).

“A greve, não obstante ser direito constitucionalmente garantido aos trabalhadores, configura hipótese de suspensão do contrato de trabalho, razão pela qual a regra geral é de que os dias de paralisação não sejam remunerados“.

(TST – AIRR-28600-70.2009.5.21.0013, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, j. em 16/10/2013).

“O movimento paredista, como é cediço, implica a suspensão do contrato de trabalho, não havendo direito líquido e certo à remuneração durante a realização da greve. Nada mais lógico, visto que o salário é a contraprestação básica paga pela empresa em decorrência do serviço realizado pelo empregado. Não tendo a autora cumprido com sua obrigação, isto é, laborado no período, mostra-se razoável que a parte contrária não tenha que arcar com o salário (…) Diante desse contexto, não há que falar em ato antissindical por parte da USP, mas sim em exercício regular de um direito de realizar descontos salariais, conduta considerada lícita por força dos arts. 462 da CLT e 188, I, do CCB&quo t;.

(TRT 2ª Região – RO-0000551-16.2015.5.02.0020, Rel. Des. Benedito Valentini, 12ª Turma, j. em 03/12/2015).

“Importante frisar que o movimento paredista implica a suspensão do contrato de trabalho, conforme disposição do artigo 7º, da Lei nº 7.783/89 (…) Portanto, não se pode afirmar que o desconto salarial foi ato abusivo ou ilegal“.

(TRT da 15ª Região – RO-0010278-69.2015.5.15.0106, Rel. Des. Eder Sivers, 11ª Câmara- 6ª Turma, j. em 29/03/2016).

3. Direito dos grevistas de persuadir os demais trabalhadores e dever de respeitar os direitos das demais pessoas: a greve lícita permite aos grevistas “o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve” (artigo 6º, inciso I da Lei).

Os meios empregados pelos grevistas, contudo, em nenhum caso podem “violar os direitos e garantias fundamentais de outrem” (artigo 6º, § 1º). E mais: conforme dispõe expressamente o parágrafo 1º do artigo 6º da Lei, as “manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa”.

Em outras palavras, os grevistas têm o direito de divulgar a greve e de manifestarem-se livremente. Não têm o direito, entretanto, de constranger os demais trabalhadores, violando seus direitos, inclusive o direito de ir e vir e o direito ao trabalho, que são assegurados constitucionalmente, tal como o direito de greve.

No Estado democrático de direito, a legislação garante aos trabalhadores diversos direitos, inclusive o de greve, mas, em contrapartida, exige-lhes que convençam seus colegas por meio de argumentos, e não pela violação de suas liberdades, dentre elas a de ir e vir. A Lei assegura-lhes o direito de paralisar os serviços, desde que observadas determinadas regras; assegura, também, aos demais trabalhadores o direito de continuarem trabalhando se assim desejarem.

Ressalte-se, ademais, que a Administração Pública não dispõe da opção de pagar ou não os grevistas. A remuneração é uma contraprestação ao trabalho. Não havendo trabalho, não é devida a remuneração. Nada mais lógico. E é exatamente isto que a Lei de greve estabelece.

A USP é sustentada por recursos públicos cada vez mais escassos. Seus gestores devem zelar pelo patrimônio da sociedade, que sustenta a Universidade. É inaceitável, sob qualquer ponto de vista, que tais recursos sejam utilizados para pagar o trabalho de quem não trabalhou.

Mais que inaceitável, é ilegal: os princípios constitucionais que regem a Administração Pública (legalidade, moralidade, eficiência – artigo 37 da Constituição) impedem que o administrador público abra mão de recursos públicos para pagar por um serviço que simplesmente não foi prestado.

São Paulo, 1º de junho de 2016.

Reitoria da USP

Acesse também: “Professores da Faculdade de Direito divulgam texto sobre a greve no serviço público


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