Foto: Ivo Gonçalves/PMPA - Flickr CC

A rivalidade
Argentina-Brasil-Uruguai no futebol

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Rafael Bayce

Tradução de Júlio Pimentel Pinto

resumo

O objetivo deste ensaio é contribuir para as discussões acerca das origens e características das rivalidades futebolísticas entre as três seleções mais tradicionais da América do Sul: Uruguai, Brasil e Argentina. Além de estabelecer as diferenciações entre tais rivalidades, o trabalho se propõe estabelecer critérios para uma proposta de quantificação e de avaliação do desempenho das seleções e clubes desses países.

Palavras-chave: futebol; rivalidades nacionais; Uruguai; Brasil; Argentina.

 

abstract

This essay aims to contribute to the discussions on the origins and characteristics of the soccer-related rivalries between the three most traditional countries in South America: Uruguay, Brazil and Argentina. Besides establishing the distinctive features of each rivalry, this work proposes to set criteria for quantifying and assessing the performance of the teams and clubs from those countries.

Keywords: soccer; rival nations; Uruguay, Brazil; Argentina.

O panorama econômico, cultural e sociopolítico

Em linhas gerais, podemos dizer que a rivalidade Argentina-Uruguai no futebol é produto de uma rivalidade entre os dois países, que nasce no princípio da conquista ibérica da América do Sul; as outras duas rivalidades (Argentina-Brasil e Brasil-Uruguai) são, diferentemente, fruto de uma disputa esportiva tradicional que se tornou um elemento inevitável da épica identitária nacionalista desses países.

A rivalidade futebolística Argentina-Uruguai nasce da rivalidade econômica, política e sociocultural oriunda da conquista espanhola. A “Banda Oriental”, como era chamado o território do lado oriental do Rio Uruguai, e que veio a constituir, aproximadamente, o Uruguai independente, derivava do território dominado por Montevidéu, porto fortificado dependente da cidade-porto Buenos Aires tanto durante o período em que ambos pertenceram ao vice-reinado do Peru quanto depois da constituição do vice-reinado do Rio da Prata, com capital em Buenos Aires. Mas a distância de Buenos Aires a Montevidéu e arredores, a melhor condição natural do porto de Montevidéu para a recepção de barcos de maior calado e sua maior proximidade com o Oceano Atlântico, facilitando a entrada e saída desses barcos, geraram uma “luta de portos” estimulada pela Espanha, que precisava controlar mais de perto as tentativas portuguesas de expansão em Maldonado e Colônia, pontos distantes entre si, dentro da mesma Banda Oriental.
Essa importância portuária e militar permitiu que o governo de Montevidéu, política e administrativamente subordinado ao de Buenos Aires, obtivesse alguns direitos de autonomia, entre eles um assento no Conselho das Índias – que governava as “Índias”, território americano recém-conquistado pela Espanha. Essas rivalidades econômicas e políticas alastraram-se por diversas instâncias e níveis, até se consolidarem social e culturalmente como uma rivalidade entre Montevidéu e Buenos Aires, depois extensível, de alguma maneira, aos uruguaios e argentinos em geral, embora boa parte dos uruguaios reconheça ter diferenças socioculturais, sobretudo, com os portenhos (da capital federal) e não tanto com o restante dos argentinos. Mas, na medida em que os confrontos, desportivos ou não, se dão e são protagonizados por argentinos, e não só por portenhos, todos os argentinos acabam afetados pelas rivalidades que inicialmente envolviam apenas os portenhos; o mesmo ocorre com os montevideanos e os demais uruguaios.

Tanto é assim que o herói nacional uruguaio, general José Gervasio Artigas, aliou-se com as províncias do litoral leste argentino contra o centralismo bonaerense, e não aceitava que o conjunto dos territórios argentinos e uruguaios – que na década de 1810 planejava reunir-se sob o nome de Províncias Unidas do Rio da Prata – tivesse Buenos Aires como sede. Essa rivalidade colonial foi alimentada por muitos outros motivos: o vice-rei e suas decisões enfrentavam a resistência de Montevidéu, pois representavam a invasão napoleônica na Espanha, enquanto que Montevidéu era leal a Fernando VII, soberano espanhol derrotado, mas legítimo.

Do mesmo modo, a incipiente Revolução Independentista bonaerense, de maio de 1810, não foi inicialmente reconhecida em Montevidéu porque representava uma erosão na soberania de Fernando VII; Artigas aderiu a ela tardiamente. Mais à frente, no decorrer do século XIX, a cruenta divisão, na Argentina, entre “unitários” e “federais” originou grupos uruguaios que se enfrentaram, em parte, em razão da sua diversa adesão a essa dicotomia ideológico-política. A “luta de portos” prossegue, e é ampliada por outros conflitos econômicos e políticos que se arrastam até hoje, como os situados na ilha rio-platense de Martín García.

Quando começam os confrontos esportivos, as diferenças econômicas, políticas, sociais e culturais transferem-se, com facilidade, do passado histórico para os campos esportivos e para seus espectadores nas tribunas. Apesar disso, o cavalheirismo da época (especialmente de alguns jogadores e das equipes dos dois lados), a extração sociocultural de alguns de seus atores nas duas partes e a existência de numerosas famílias com integrantes em ambos os países impediram a explosão precoce dessas rivalidades históricas nos campos futebolísticos. Basta lembrar que o primeiro triunfo internacional uruguaio como visitante data de 1903, quando o Club Nacional de Football vence, em Buenos Aires, a seleção argentina. Depois do encontro, todos os jogadores e seus acompanhantes foram convidados para uma festa na casa do goleador argentino Watson Hutton, onde comemoraram amistosamente. Já em 1924, após a final Uruguai-Argentina – 0 a 0, mas que deu o campeonato ao Uruguai –, a atuação do goleiro argentino Tesorieri foi tão extraordinária que o público uruguaio o carregou nos ombros.
Mas a rivalidade histórica mantinha-se e se aprofundava, ao mesmo tempo que o esporte massificava-se e passava a encarnar, cada vez mais, as identidades e autoestimas nacionais. Na dupla final olímpica de 1928, em Amsterdã, apesar do que estava em jogo, com uma primeira partida com prorrogação empatada e a segunda vencida pelo Uruguai, não houve violência e os jogadores e comentaristas ressaltavam tanto a paridade dos atores quanto a lógica da diferença que o Uruguai havia obtido. O capitão uruguaio Nasazzi afirmava que havia sido um triunfo do futebol rio-platense; o capitão argentino Monti reconhecia que o melhor havia vencido; os europeus afirmavam que fora a melhor partida que haviam visto na sua vida.

Mas a final da primeira Copa do Mundo, em 1930, em Montevidéu, transformou a pacífica e cavalheiresca rivalidade em algo diferente, que, no futuro, afloraria cada vez mais. O Uruguai fez o primeiro gol da final, a Argentina respondeu com dois e o primeiro tempo terminou em 2 a 1 para os alvicelestes. No segundo tempo, o Uruguai fez três gols e ganhou por 4 a 2. Houve reclamações de impedimento no segundo gol argentino; acusações contra Héctor Castro por agredir o goleiro argentino; rumores de que esse goleiro, por baixo do uniforme que usava, trazia outro, com a inscrição “Campeões do Mundo”; o delegado argentino fez um escândalo e a associação argentina rompeu relações com a uruguaia; uma multidão, incitada por uma imprensa agressiva como nunca, apedrejou o Consulado Uruguaio em Buenos Aires; muitas famílias argentino-uruguaias romperam relações (a da minha avó materna, os Ramírez, foi uma delas). Iniciava-se a era hostil, no interior de uma rivalidade bicentenária que ainda não chegara ao ponto da violência verbal e mesmo física dentro e fora dos campos e assim prosseguirá.

Diferentemente, as rivalidades Argentina-Brasil e Brasil-Uruguai tiveram causas estritamente esportivas, movidas pelas vicissitudes dos resultados variados, que tornaram incertas as expectativas antes das partidas e que alimentaram a representatividade nacional dos resultados esportivos. Argentina e Brasil não haviam conhecido maiores disputas nem rivalidades extraesportivas anteriores, uma vez que pertenciam a impérios coloniais diferentes (Portugal e Espanha), sem que houvesse maior peleja direta no período colonial pré-independente. Tampouco houve disputas com o Uruguai, dada a brevidade do domínio que o Brasil, após tornar-se independente, exerceu sobre o Uruguai, substituindo a anterior hegemonia portuguesa.

A rivalidade esportiva surge quando o Brasil assume a terceira posição na tradicional hegemonia futebolística rio-platense ou sul-americana, ultrapassando Chile e Paraguai, que antes mantinham essa condição. Pense-se no longo impacto provocado pelo fato de a primeira partida Argentina-Brasil ter sido vencida pelo Brasil por 1 a 0, e em Buenos Aires; pior ainda: os brasileiros habituaram-se a jogar de forma hábil e “bem”, rivalizando com os rio-platenses em habilidade técnica. Suas primeiras excursões europeias haviam provocado o mesmo tipo de elogios das rio-platenses; Friedenreich, seu centroavante astro, foi chamado de “Príncipe do Futebol” nas visitas à Europa. A ausência rio-platense nos mundiais de 1934 e 1938 permitiu ao Brasil melhorar sua imagem e rivalizar mais com os antigos mestres. Na década de 40, o Brasil os alcança: jogadores brasileiros povoam as equipes uruguaias desde a década de 30, o Vasco da Gama ganha, em 1949, a primeira Copa dos Campeões Sul-Americanos, derrotando o mítico River Plate argentino de Hirschl, e formará a base da grande seleção tragicamente derrotada pelo Uruguai em 1950. A disputa atual entre os gigantes sul-americanos pela liderança e pelo controle de organismos multinacionais, como o Mercosul ou a Unasul, e dos variados protagonismos, não é um assunto das massas populares, mas das elites econômicas e políticas; não se encarna popularmente nem se reflete no campo esportivo, como ocorre nos casos da Argentina e do Uruguai.

Outro tema importante que deveria ser abordado é o que os hinchas argentinos, brasileiros e uruguaios sentem quando jogam entre si e quando seus rivais jogam entre si ou contra outros. Não creio que haja estudos científicos a respeito, mas estes deveriam ser feitos porque dizem muito sobre as rivalidades. Desde a perspectiva dos torcedores uruguaios, e em que pese a inexistência de medições científicas da atitude da torcida em relação ao Brasil e à Argentina, podemos arriscar que, fora os relativamente indiferentes, há dois tipos definidos: os que preferem a Argentina porque não simpatizam com a tropicalidade, o atrevimento e a exuberância de habilidade destilada pelo futebol brasileiro; não são partidários, talvez por inveja ressentida, das firulas com a bola e de sua facilidade para golear, uma vez obtida alguma vantagem: dizem que são “exibicionistas”, que só fazem isso quando já estão em vantagem, algo bastante contrário à idiossincrasia esportiva uruguaia. Essas pessoas preferem os argentinos em relação aos brasileiros porque os sentem mais próximos, dada a vizinhança das capitais e a grande semelhança linguística. Mas há outro grupo, de anti-argentinos viscerais, herdeiros da “luta de portos” colonial e da propensão antibonaerense do herói Artigas (os governos do general Perón contribuíram para atiçar esse fogo), cuja maior alegria é ver a Argentina perder – algo não correspondido pelos argentinos, que não odeiam o Uruguai, apesar da rivalidade de longa duração. Durante o Mundialito de ex-campeões mundiais de 1980, a invasão de torcedores argentinos, que também vinham veranear, incomodava os brasileiros que não tinham carros para tocar buzina ou passear com bandeiras e camisetas. Pois bem, muitos uruguaios levavam os brasileiros nos seus próprios carros, para equilibrar a cor e o ruído argentinos. Quando a Alemanha derrotou a Argentina e a eliminou da final, uruguaios e brasileiros festejaram juntos no centro da capital, e quando o Uruguai venceu o Brasil na final, não houve incidente de nenhum tipo entre os torcedores. O episódio da solidariedade uruguaio-brasileira contra os argentinos impressionou muito os portenhos, que organizaram uma enquete numa revista de variedades de grande circulação, perguntando aos turistas e residentes estrangeiros sua opinião e simpatia em relação aos argentinos e ao seu modo de ser. O resultado foi muito preocupante para os argentinos, pois obtiveram dados ruins, apesar de o fato de os entrevistados viverem lá certamente ter inibido respostas mais duras perante entrevistadores argentinos, que lhes perguntavam sobre si mesmos.

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A QUESTÃO BÁSICA: CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO

Como realizar a quantificação do desempenho histórico dos três países entre si? Devem ser levados em conta apenas os resultados das seleções nacionais ou também os das partidas internacionais dos clubes?

No segundo caso, como devemos ponderar as atuações das seleções e dos clubes, para somá-las? Levamos em conta os resultados obtidos nos torneios disputados por um ou dois dos países ou somente os resultados em torneios disputados conjuntamente pelos três países, ou naqueles a que todos eles teriam acesso?

Consideramos todos os resultados nesses torneios ou só os confrontos diretos entre os três? Os confrontos diretos teriam peso quantitativo diferente? O peso dos torneios variaria em função de alguma ordenação hierárquica entre eles? Também variaria de acordo com a diversidade de torneios disputados?

Levam-se em conta só os torneios eliminatórios, com classificação da décima-sexta de final, oitava de final, quarta de final, semifinal e final, ou também os de pontos corridos?

Caso se considerem outras posições além da primeira, quanto valeria cada posição alcançada? Desconta-se algo das classificações ou dos triunfos obtidos quando a disputa é em casa, ou não? Como se pontua, nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, a condição de pré-classificado por ser o atual detentor do título e em relação ao que teve o melhor desempenho nelas? No que tange à pontuação, é equivalente ser o detentor do título e ser o país-sede?

Contabiliza-se o futebol feminino? E com qual ponderação em relação ao masculino? Hierarquizam-se da mesma forma, no masculino e no feminino, os torneios e o número de cada um deles que foi disputado?

Contabiliza-se o futsal ou futebol de salão? Com que peso em relação ao futebol, feminino e masculino, disputado nos gramados? E o futebol de praia? E o futebol juvenil (sub-20, sub-17, sub-15)? Deve ser separado ou receber alguma pontuação na comparação com as categorias adultas do masculino, do feminino, do futsal e do futebol de praia?
Como se contabilizará, no futuro, o futevôlei, seja na praia ou em outras superfícies adequadas a ele? Os juvenis femininos e o futsal feminino devem ser somados aos totais masculinos, apenas aos totais femininos, aos totais de futsal ou a todos? Ponderados ou não?

É possível discernir etapas ou tendências de cada um dos tipos de jogo mencionados, em meio às rivalidades e em cada um dos países? É possível identificar os melhores e os piores nos confrontos entre os três países e numa avaliação agregada global?
O resultado e a avaliação das rivalidades dependerão, em boa parte, dos critérios estabelecidos e das quantificações e ponderações definidas. Países diferentes poderiam eleger critérios distintos para maximizar seus resultados nas rivalidades, que, como vimos, atualmente têm sua importância sociocultural mais ou menos ancorada nas rivalidades comunitárias ou nacionais anteriores à implantação do futebol nesses países.

Os resultados primários que serão apresentados e avaliados foram calculados de forma bastante dividida, para que depois seja possível discutir e compor suas eventuais junções e ponderações.

As principais fontes foram: www.ceroacero.es, www.youtube.com, www.wikipedia.org e sites como rsssf.com, taringa.com, rojadireta.com. Também colaborou, e de forma bem central, a publicação 100 Años de Futebol – Enciclopedia del Futebol Uruguaio (1).

O Brasil venceu mais do que a Argentina e o Uruguai; perdeu e empatou menos que eles. O Brasil está em vantagem nas partidas vencidas, com menos derrotas e menos empates; tem o melhor desempenho no total e como anfitrião. A Argentina é a melhor seleção visitante e em campo neutro. O Uruguai tem os piores desempenhos nos quatro tipos principais e quase não aparece nos três secundários, mas alcança resultados relativamente piores como anfitrião, resultados melhores em campo neutro e relativamente melhores como visitante; de fato, seu desempenho em casa está bastante distante do desempenho dos outros países (24,5 pontos pior que a Argentina, 35 pior que o Brasil), aproxima-se deles em campo neutro (4 pior que o Brasil, 17 pior que a Argentina) e tem desempenho mais próximo como visitante (apenas 6 pior que o Brasil e 12 pior que a Argentina). É provável que sua fome por façanhas nas partidas teoricamente difíceis e sua autoestima como “Davi”, assim como seu medo de fracassar nas partidas fáceis, nas de “Golias”, possa explicar, pelo menos parcialmente, essa anomalia, profundamente enraizada nas origens da identidade protouruguaia, e depois uruguaia: uma pequena população na defensiva do vice-reinado contra as invasões portuguesas, contra o centralismo de Buenos Aires no governo, na busca de autonomia e sempre defendendo sua autoimagem mista de Davi e Lazarillo de Tormes, matizados por lendas indígenas (a garra charrúa) e criollas.

Abaixo, os resumos das rivalidades nos grupos 4 a 7. Não entraremos em tantos detalhes sobre as rivalidades, uma vez que as dimensões deste trabalho não o permitem; ademais, esses grupos são menos importantes que os três primeiros para perfilar as rivalidades. Os grupos a seguir (juvenis, feminino, futsal e praia) não têm tanta influência no prestígio internacional dos países, nem na definição ou manifestação das rivalidades.


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Para que nos aproximemos de um total que quantifique, para melhor comparação, esses sete grupos de resultados, dando por assumida a aprovação dos critérios adotados até aqui, a primeira proposta é multiplicar os pontos do Grupo 1 por três, para lhe dar maior importância em relação ao conjunto dos torneios de clubes, não tão representativos do país como as seleções; além disso, cada vez mais os clubes são seleções multinacionais, que resultam mais de seu potencial econômico-financeiro do que do poderio dos países em que estão, e que são cada vez menos representados por seus clubes. A segunda proposta é multiplicar por dez, no Grupo 3, as porcentagens de partidas diretas vencidas contra seus rivais tradicionais, para que adquiram magnitude semelhante à do total de pontos da atividade dos clubes em torneios e que este seja, ao mesmo tempo, um total inferior ao do Grupo 1. Terceira proposta: deixar intocada a pontuação do Grupo 2 para que seja inferior em peso à do Grupo 1, mas superior às dos grupos 4 em diante. Quarta proposta: deixar intocados os grupos 4 a 7, porque refletiriam aproximadamente o peso atual que esses tópicos assumem na comparação mundial, embora talvez os juvenis (Grupo 4) pesem um pouco menos que a metade dos outros grupos anteriores. Esse ajuste pode ser considerado uma sugestão para novos e futuros cálculos, alternativos e ainda mais precisos. Tanto o futebol feminino (Grupo 5) quanto os grupos de futsal e de futebol de praia pesam menos, embora possa ser necessário, caso seu desenvolvimento prossiga, modificar, nas avaliações futuras, os pesos dos grupos no total, aumentando os dos grupos 5 a 7.

Esta é a nossa atual proposta primária de quantificação e avaliação da rivalidade Argentina-Brasil-Uruguai no futebol, sujeita a maiores refinamentos na pontuação e na ponderação de grupos e subgrupos.

 

RELATIVIZAÇÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÃO

1. Há uma paridade muito clara entre os rivais Argentina e Brasil, que se expressa na diferença discreta entre os resultados dos principais tópicos de comparação utilizados por nós, pela imprensa internacional e pela academia, e notáveis nos totais e subtotais. É uma rivalidade extraordinariamente equilibrada – que admite discussões sem fim sobre os vários tópicos, as pontuações e as ponderações acerca desses tópicos e dessas pontuações.

Observe-se que, no quadro anterior, já com os tópicos primariamente ponderados, se privilegiarmos somente o tópico mais clássico de comparação (Grupo 1: os confrontos entre seleções em torneios acessíveis aos três), a Argentina totalizaria 663 pontos, contra 642 do Brasil e 414 do Uruguai. Valorizando o segundo critério mais tradicional (Grupo 2: as partidas disputadas entre os países comparados), a Argentina mantém o primeiro lugar, com 1.069 pontos, contra 994 do Brasil e 552 do Uruguai. Recorrendo ao terceiro critério historicamente utilizado para comparar (Grupo 3), a Argentina prossegue na frente, com 1.475 pontos, contra 1.405 do Brasil e 862 do Uruguai. Mesmo se destacarmos o novo critério das partidas entre juvenis (Grupo 4), crescentemente importantes por ser um espaço de seleção de talentos prospectivos num mercado cada vez mais milionário, a Argentina mantém a liderança, com 1.599 pontos, frente a 1.584 do Brasil e 865 do Uruguai. Apenas quando reconhecemos as modalidades mais novas no espectro do futebol da Fifa é que o Brasil passa à frente na comparação; de fato, acrescentando o futebol feminino (Grupo 5) o Brasil passa para o primeiro lugar, 1.763 contra 1.601 da Argentina e os imóveis 865 do Uruguai. Essa margem amplia-se incluindo o futsal (Grupo 6) e o futebol de praia (Grupo 7), até alcançar os totais finais do quadro acima. Segundo os critérios mais tradicionais, a Argentina teria uma vantagem que oscilaria entre 1% e 5% dos pontos disputados, enquanto que a vantagem brasileira, considerando as novas modalidades incorporadas pela Fifa, tampouco superaria 5%. A Argentina é a melhor em apenas dois dos sete grupos considerados, mas esses dois estão entre os três mais influentes na impressão geral sobre as rivalidades e, portanto, na sua quantificação.

 

2. O Uruguai obteve inicialmente maiores triunfos, desde o começo da década de 1910 até meados da década de 30. Daí em diante sofreu progressiva baixa, matizada pelo fulgor de 1950 no Maracanã. Depois alcançou triunfos esporádicos, especialmente na Libertadores da América e nos torneios juvenis, o que lhe permitiu manter uma certa ilusão de equilíbrio na rivalidade, que é estatisticamente insustentável, posto que o Uruguai foi inferior em quase todos os outros tópicos e períodos. Seu rendimento na Copa América foi especialmente sustentado, embora devamos considerar que foi anfitrião em nove ocasiões, enquanto a Argentina o foi em sete oportunidades e o Brasil, apenas em três.
O Uruguai, como é previsível pela dimensão de seu território e da sua população, está muito distante de ambos, salvo, talvez, nos confrontos diretos, tópico no qual seu desempenho aproxima-se mais do dos gigantes esportivos sul-americanos; daí também deriva sua consideração consensual como “rival”, em que pese o histórico claramente inferior no plano global, conforme mostram os frios registros estatísticos. Apesar disso, seja pelo tamanho de seu PIB, seja pelo tamanho relativo de sua população e da ainda menor população infantil, adolescente e juvenil, em relação a seus vizinhos, é de fato notável e meritório que o Uruguai seja considerado um “rival” tradicional da Argentina e do Brasil e que o resultado de seus confrontos com equipes argentinas e brasileiras seja considerado incerto como o de qualquer outro derby mundial – nesse caso, sul-americano. É possível pensar que a duradoura presença do Uruguai nas rivalidades clássicas deva-se a seu maior peso inicial no concerto mundial e sul-americano, e ao impacto persistente e significativo de alguns resultados importantes obtidos frente a seus rivais em ocasiões famosas e importantes, capazes de gerar marcos simbólicos nos imaginários: Amsterdã 1928, Montevidéu 1930, Maracanã 1950 e alguns exemplos posteriores no nível dos clubes e das seleções.

 

3. O Brasil cresce com a passagem do tempo em todos os tópicos e seu desempenho melhora relativamente quanto mais novos são os tópicos considerados dentre os que o futebol de Fifa abarca. A Argentina e o Uruguai foram os líderes iniciais da rivalidade, depois a Argentina se descolou e, mais recentemente, o Brasil a alcançou e ambos impuseram-se ao Uruguai, como se vê na história dos confrontos entre 1901 e 2013, reunida para os efeitos deste trabalho. A influência maior e mais direta da Inglaterra explica a maior precocidade e o forte peso dos esportes ingleses no Rio da Prata e, em especial, no universo dos colégios privados e dos clubes esportivos. As invasões inglesas no Rio da Prata, no princípio do século XIX, e o cenário de hegemonia imperial inglesa naquele século estabelecem a diferença inicial que justifica a precocidade, variedade e profundidade dos rastros ingleses na história esportiva regional. O Brasil é o melhor, entre os rivais, em cinco dos sete grupos de resultados, embora o seja apenas em um dos três mais influentes na impressão geral acerca das rivalidades e, portanto, também no peso dado aos diversos grupos na quantificação do balanço das rivalidades.

 

4. Poderíamos detalhar mais o tópico dos confrontos diretos, dividindo-os em partidas “oficiais” (em torneios Fifa) e confrontos não oficiais, “amistosos”, subtópicos que eventualmente poderiam apresentar diferenças significativas entre os países. Também seria possível diminuir um pouco o peso, no Grupo 4, dos resultados do juvenil masculino, uma vez que o impacto dos resultados desses juvenis no prestígio internacional dos países e na alimentação das rivalidades é sem dúvida maior do que o provocado pelos resultados do juvenil feminino (embora isso derive, em parte, do machismo ainda imperante), mas, ainda assim, inferior ao dos três primeiros grupos (torneios internacionais de seleções, atividades dos clubes, confrontos diretos entre seleções). Como já dissemos, uma boa parte da explicação sobre a presença do Uruguai como “rival” da Argentina e do Brasil, a despeito da distância entre os resultados agregados obtidos, pode dever-se, de forma bastante intensa, a alguns resultados marcantes em confrontos diretos decisivos. O tempo de preparo do trabalho e a dimensão da apresentação não o permitem agora, mas há um trabalho inevitável de ajuste quantitativo a ser feito no futuro.

 

5. Também é importante precisar que a rivalidade futebolística Argentina-Uruguai foi precedida e expressa por uma rivalidade histórica entre as populações que, desde a conquista ibérica, ocuparam os territórios hoje pertencentes, em linhas gerais, aos três países. As rivalidades Argentina-Brasil e Brasil-Uruguai, ao contrário, não foram precedidas por tais antecedentes; elas foram construídas gradualmente e são produto, sobretudo, das alternâncias nos triunfos e dos resultados esportivos que geraram incerteza sobre os resultados das disputas. Em todos os casos, as rivalidades alimentaram as identidades, as autoestimas, o prestígio e a honra idiossincráticos dos países, convertendo-se, no contexto da globalização, massificação, espetacularização e significação crescentes do futebol na história das sociedades, em fonte de identificações e projeções identitárias relevantes.

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RAFAEL BAYCE é professor da Universidad de la República (Uruguai).

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Este texto foi apresentado por skype no 2o Simpósio Internacional de Estudos sobre Futebol, em 16/5 de 2010, no Auditório Armando Nogueira, no Museu do Futebol, em São Paulo.

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(1) Montevidéu, Editores Reunidos/Arca, novembro de 1969-agosto de 1970 (27 fascículos).

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