“Revista USP” discute o jornalismo na era da pós-verdade

Publicação traz dossiê com artigos de especialistas que analisam modos de garantir a qualidade das informações

 16/05/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 20/06/2018 as 10:44
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Detalhes de páginas da nova edição da Revista USP – Arte sobre foto – Revista USP 116

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Um dos maiores desafios da mídia contemporânea é conter a proliferação de notícias falsas, as chamadas fake news, que acabam fazendo da maneira de pensar atual uma reminiscência do modo de pensar de um camponês medieval, com base em fofocas, boatos e muita conversa. Com isso, o novo mundo se assemelha ao mundo de antes do período em que a imprensa criada por Gutemberg predominou na história da humanidade, entre o século 15 e o início do século 21, transformado então apenas numa “interrupção do fluxo normal da comunicação humana”.

Essa análise, inspirada nas ideias do professor Thomas Pettitt, da Universidade do Sul da Dinamarca, está exposta no artigo “Verdades e mentiras no ecossistema digital”, do jornalista e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Caio Túlio Costa, publicado na edição número 116 da Revista USP, que acaba de ser lançada. Publicada trimestralmente pela Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP, a revista traz nesta edição o dossiê “Pós-Verdade e Jornalismo”, que inclui cinco artigos de pesquisadores e jornalistas, dedicados a analisar as formas de evitar as fake news e garantir a veiculação de informações de qualidade para a sociedade.

A nova edição da Revista USP – Foto: Reprodução

Garantir essa qualidade está cada vez mais difícil na era da “pós-verdade” – expressão que designa a circunstância em que fatos objetivos são menos influentes para moldar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais, de acordo com a definição do Oxford Dictionary. É o que aponta o professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Eugênio Bucci, no artigo “Pós-política e corrosão da verdade”, também publicado no dossiê da Revista USP.

Bucci reitera que parte da responsabilidade pela desvalorização da verdade factual – aquela que se refere não a um valor transcendental, mas ao registro “precário” dos acontecimentos – se deve às redes sociais e à internet, “onde se acomodaram confortavelmente as forças dedicadas à produção das notícias fraudulentas”. Ressalvando o lado positivo dessas novas tecnologias, como a abertura de novos canais de diálogos, a facilidade de comunicação entre as pessoas e a exibição imediata de demandas públicas, Bucci destaca que o problema se encontra no fato de que, tendo se enraizado no mundo da vida e na esfera pública, elas não são públicas em seus controles e na sua propriedade. “Sob a malha tecnológica, elas promovem a tecnociência e o capital como substitutos da própria política.”

Para Bucci, redes sociais como Facebook e Twitter e sites de busca como Google aceleraram e fortaleceram a pós-verdade. Isso se deu, de acordo com o professor, por pelo menos dois motivos. O primeiro se refere ao incremento da velocidade e do alcance proporcionado por esses novos recursos. “Vários levantamentos mostram que as notícias fraudulentas repercutem mais do que as verdadeiras. E mais rapidamente. E arrebatam as amplas massas de um modo acachapante, num grau jamais atingido pelos meios jornalísticos mais convencionais”, escreve Bucci, citando como exemplo a campanha de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, em 2016, que em dois dias conseguiu fazer com que boa parte da população do país acreditasse que Barack Obama tinha nascido no Quênia.

O segundo motivo por que as redes sociais e sites de busca favorecem a pós-verdade diz respeito ao fator econômico, continua o professor. “Notícias fraudulentas dão lucro. Dentro do ambiente virtual do Google e do Facebook, a fraude compensa. Quanto maior o número de cliques, mais o autor fatura. E, como a mentira é fácil de produzir (é barata) e desperta o furor das audiências, um dos melhores negócios da atualidade é noticiar acontecimentos que nunca aconteceram de verdade – e que, mesmo assim, despertam emoções fortes nos chamados internautas.”

Outros textos publicados no dossiê “Pós-Verdade e Jornalismo”, da Revista USP, são “A pós-verdade levará à pós-democracia?”, do jornalista Fernão Lara Mesquita, “O que é falso sobre fake news”, do diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo, Otavio Frias Filho, e “A pós-verdade é uma notícia falsa”, do ex-presidente do Grupo Estado Silvio Genesini.

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Novas tecnologias permitem rapidez e alcance do conteúdo veiculado de modo muito mais eficiente do que as formas mais tradicionais de comunicação, o que pode favorecer as fake news – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Arte e literatura

Além do dossiê sobre o jornalismo na era da pós-verdade, a Revista USP traz outras três seções em sua nova edição.

Na seção “Textos”, três professores da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP – Marisa Midori Deaecto, José de Paula Ramos Junior e Jean Pierre Chauvin – assinam, respectivamente, os artigos “Auguste Herborth e o art déco guarani: diálogos França-Brasil (1920-1930)”, “Mário de Andrade e a lição do Modernismo” e “Literatura alienígena”.

Em “Arte”, a crítica de arte Simone Rocha de Abreu, professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, analisa a obra do artista plástico carioca de vanguarda Rubens Gerchman (1942-2008), no artigo “Lutas e tensões nas obras de Rubens Gerchman”. “Rubens Gerchman teve intensa relação de trocas sobre arte com diversos artistas, dentre eles Hélio Oiticica, Lygia Clark, Antônio Dias, Roberto Magalhães e os músicos do Tropicalismo”, escreve Simone. “Em referência a isso deve ser lembrada a composição de Caetano Veloso, Lindoneia, inspirada no quadro homônimo de Gercham e cantata por Nara Leão no disco Tropicália ou Panis et Circencis.”

Já na seção “Livros”, dedicada a resenhas, o professor Breno Battistin Sebastiani, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, comenta a tradução do Protágoras, de Platão, feita por D. R. N. Lopes e publicada pela Editora Perspectiva, enquanto o poeta e antropólogo Antonio Riserio analisa o romance Guayrá, de Marco Aurélio Cremasco, lançado pela Confraria do Vento.

Revista USP, número 116, dossiê “Pós-Verdade e Jornalismo”, publicação da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP, 130 páginas, R$ 20,00.


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