Pioneiro do abstracionismo ganha mostra sobre sua trajetória

Japonês radicado no Brasil, Tikashi Fukushima foi do impressionismo ao abstracionismo pintando a natureza

 09/01/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 15/01/2018 as 13:23
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Exposição reúne cerca de dez obras de Fukushima, abarcando desde o início impressionista até a maturidade abstracionista – Foto: Divulgação/Setor Cultura e Arte da Fundação Mokiti Okada

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ontemplar uma tela de Tikashi Fukushima (1920-2001) é ver o imaterial tornado concreto. Suas pinceladas sobre as estações do ano, as montanhas e o vento não revelam paisagens, mas as emoções do artista diante da natureza. Em cada quadro, recebemos o convite para vislumbrar o mundo a partir das sensações que Fukushima só podia transmitir pela pintura.

Uma seleção concisa da obra de um dos pioneiros do abstracionismo no Brasil está à disposição do público até março na mostra Quando os ventos sopram cores, no Solo Sagrado de Guarapiranga, com curadoria da jornalista e crítica de arte do Jornal da USP, Leila Kiyomura. A mostra é uma iniciativa do Setor de Cultura e Arte da Fundação Mokiti Okada, instituição que reúne um dos mais importantes acervos de arte moderna e contemporânea do Brasil. À exceção das gravuras e aquarelas, todas as obras selecionadas são da própria fundação. A exposição acontece no ano em que se comemoram os 110 anos da imigração japonesa no Brasil.

A mostra acontece no Solo Sagrado de Guarapiranga, templo da Igreja Messiânica do Brasil, considerado um dos maiores espaços de meditação do País – Foto: Divulgação/Setor Cultura e Arte da Fundação Mokiti Okada

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Tikashi Fukushima nasceu em 1920 em Fukushima, no Japão, e chegou ao Brasil em 1940. Da infância, se lembrava da neve de Soma, aldeia de pescadores onde habitava, e das idas e vindas do mercado a mando dos irmãos. Antes de vir para o Ocidente, trabalhou como desenhista numa fábrica de aviões. Aportou em Santos e de lá foi para o interior de São Paulo, vivendo nas cidades de Pompeia e Lins. Após uma passagem pelo Rio de Janeiro, onde foi assistente do pintor Tadashi Kaminagai e frequentou como ouvinte as aulas da Escola Nacional de Belas Artes, mudou-se para a capital paulista em 1949. Montou uma oficina de molduras no bairro do Paraíso, que se tornou seu ponto de encontro de artistas que ficaram conhecidos como Grupo Guanabara.

“Para compreender o pensamento da arte de Fukushima, contei com a pesquisa da especialista em filosofia japonesa, Michiko Okano, buscando uma referência no pensamento milenar Ma”, comenta Leila Kiyomura, curadora da mostra. Segundo ela, Ma é o “entre espaço”, o vazio. “Ele era um imigrante, não se sentia nem japonês, nem brasileiro, vivia e pintava no entre espaço.”

Segundo Leila, a exposição privilegia o vazio entre as obras, criando espaços de contemplação que dialogam com a filosofia Ma, essência do trabalho de Fukushima – Foto: Divulgação/Setor Cultura e Arte da Fundação Mokiti Okada

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Para Leila, o abstracionismo de Fukushima é um vazio, com sua indefinição de formas. “A arte japonesa tem muito desses espaços. Para o ocidental, o vazio significa a depressão. Para o oriental, não. O vazio é o começo de tudo. Quando você sente aquele vazio enorme é o seu momento de criação.”

Iniciando a carreira no impressionismo, Fukushima levou décadas até chegar ao abstracionismo. A exposição sintética reúne cerca de dez obras que refazem a trajetória do artista desde as primeiras pinturas da cidade de São Paulo até os registros abstratos da maturidade. A mostra traz também objetos pessoais do acervo da família e um vídeo elaborado por Leila a partir de sua pesquisa de mestrado sobre o artista, intitulado Tikashi Fukushima: Um sonho em quatro estações, apresentado, sob a orientação das professoras Dilma de Melo Silva e Michiko Okano, no Programa Interunidades de Estética e História da Arte da USP.

Completa a exposição o registro de um dos elementos que a curadora considera fundamentais em Fukushima: a alma do quadro. Trata-se de um quadro inacabado do artista, composto apenas de tinta vermelha na tela. “O mais importante no Fukushima”, comenta Leila, “é que toda vez antes de pintar ele traçava umas linhas vermelhas. Ele dizia que aquelas linhas vermelhas eram a alma do quadro.”

Foto: Divulgação/Setor Cultura e Arte da Fundação Mokiti Okada

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De acordo com o crítico de arte, Hélio Alves Neves, em texto do livro Fukushima (Imprensa Oficial, 2001), de autoria do pintor Takashi Fukushima (filho do artista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), as obras trazem uma poesia literária nos gestos e nas cores, insinuando campos, montanhas, ventos e climas com pinceladas gestuais, sem formas geométricas.

“Fukushima faz uso das texturas, dando assim os volumes dos claros e escuros, matizando a mancha, criando efeitos numa alternância valorizadora”, escreve Neves. “Os planos”, continua, “não são planos, são passagens tonais, e a linha, quando aparece, é apenas um efeito dos limites do pincel, ou mesmo a consequência da fluidez da tinta que o artista deixa escorrer deliberadamente. As cores são intensamente poéticas, tratando a severidade do ambiente e suavizando o resultado em temas como: Anoitecer na Montanha, Vento e Mar, Sonho, Suave Sensação, entre outros. São estados da alma que ele não comenta, mas expressa com tal maestria que nos convence de que a matéria ali exposta não é só pasta de óleo e pigmentos e sim notas melódicas para os nossos olhos.”

Foto: Divulgação/Setor Cultura e Arte da Fundação Mokiti Okada

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Leila concorda com a análise de Neves. “Quando você olha a tela, o que ele quis mostrar? Ele não quis mostrar o vento figurativo, batendo em árvores. Ele quis mostrar exatamente a sensação do vento. É como se de repente os ventos tocassem os pincéis e as tintas e se espalhassem na tela.”

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Tikashi Fukushima: Quando os ventos sopram cores vai até 9 de março. O Solo Sagrado de Guarapiranga fica na Avenida Professor Hermann Von Ihering, 6.567, às margens da represa de Guarapiranga. A visitação precisa ser agendada pelo telefone (11) 5970-1000.

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