Livro explica a formação da identidade nacional através do imaginário artístico

Escrito pela professora Darlene J. Sadlier, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, “Brasil Imaginado” será lançado no dia 14 de outubro, a partir das 16 horas, em eventos no Complexo Brasiliana

 13/10/2016 - Publicado há 7 anos
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Carmen Miranda e o Bando da Lua 1942 - Foto: Reprodução
Carmen Miranda e o Bando da Lua (1942) – Foto: Reprodução

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A professora Darlene J. Sadlier – docente do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos – tinha o objetivo de escrever sobre a literatura brasileira e a contribuição de diferentes autores para a identidade do Brasil. Quando percebeu que a cartografia teve grande importância para a formação do imaginário colonial brasileiro, ela mudou de ideia e passou a se dedicar também ao estudo de mapas, ilustrações, arquitetura, pintura e outras formas artísticas. O resultado desse trabalho foi a publicação, em 2008, do livro Brazil Imagined: 1500 to the Present, pela University of Texas Press, dos Estados Unidos. Agora, essa obra foi traduzida para o português e será lançada no dia 14 de outubro, a partir das 16 horas, no Complexo Brasiliana, na Cidade Universitária, com o título Brasil Imaginado – De 1500 até o presente.

“O livro percorre o imaginário sobre o Brasil a partir das narrativas produzidas pelos europeus à época dos primeiros contatos com os nativos, passando pela literatura que se debruçou sobre nossa origem, do romantismo oitocentista ao modernismo de 1922, até chegar à produção audiovisual contemporânea”, explica o professor Eduardo Victorio Morettin, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, que assina a orelha do livro. “A autora examina em profundidade mapas, gravuras, livros, projetos arquitetônicos, obras visuais, filmes, programas televisivos e radiofônicos, para trazer à tona os elementos distintivos dessa imagem, recuperando as intersecções com as políticas culturais de outros países.”

No livro, Darlene busca analisar tudo o que contribui para a consciência individual de pertencer a uma nação, como direito, política, religião e língua. Isso também fez com que ela ampliasse o período de abordagem e fosse de 1500 até o presente.

Dependendo da época, uma forma artística se torna dominante sobre as outras, mostra a autora. Quando fala sobre o período colonial, Darlene aborda principalmente cartografia e artes visuais, enquanto no capítulo sobre o século 19 a literatura recebe mais atenção. Já no século 20, é a arquitetura que se torna dominante, ao lado do cinema e da televisão.

A autora percebeu que dois conceitos afetaram fortemente a identidade imaginada do Brasil: raça e natureza. Segundo ela, a raça “se torna uma uma questão importante a partir do momento em que os colonizadores europeus entram em contato com as populações indígenas e que está por trás do reconhecimento atual de que a nação é constituída por uma população multirracial, em grande parte negra”. Sobre a natureza, Darlene afirma que a fauna e flora locais tiverem o seu valor reconhecido como “recursos naturais”. “Desde o início do ‘descobrimento’ do Brasil pelos europeus, sua paisagem vasta e diversa tem sido vista alternadamente como um Éden exótico, como uma natureza selvagem e como uma fonte de matérias-primas valiosas.”

O primeiro capítulo do livro fala da expedição de Pedro Álvares Cabral e sua armada para a cidade de Calicute, na Índia, em busca de especiarias, que serviam para conservar alimentos. Com o desvio na rota – que pode ter sido proposital -, Cabral e sua frota chegam ao Brasil com o objetivo de conquistar o território. Pero Vaz de Caminha era o escrivão responsável da expedição e escreveu elogios ao Brasil. De acordo com o livro, ele “elogiou em particular as florestas exuberantes, com suas inúmeras espécies de árvores (incluindo o pau-brasil, que se tornaria a primeira mercadoria exportada pelos portugueses), as vastas cadeias de montanhas e os caudalosos rios de água doce”. As cartas de Américo Vespúcio sobre o Brasil são mais críticas, em relação às de Caminha, e retratam o indígena como violento ao praticar a antropofagia.

Nesse período da história, as xilogravuras são responsáveis por construir as primeiras imagens do Brasil. Por mostrarem cenas violentas, elas desmistificaram a visão que Caminha passava de que a terra era paradisíaca e apoiaram a ideia de que os indígenas eram primitivos e por isso deveriam ser escravizados ou mortos.
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Ação canibal, em Thevet 1557 - Foto: Reprodução
Ação canibal, em Thevet (1557) – Foto: Reprodução

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No final do século 16 e começo do 17, o açúcar se torna uma mercadoria mais valiosa e cobiçada do que o pau-brasil e Portugal decide aproveitar a oportunidade para encorajar a produção no Nordeste. “Atividade trabalhosa, as plantações de cana-de-açúcar requeriam um grande número de trabalhadores, a maioria dos quais, em meados do século 16, era de brasileiros nativos que haviam sido forçados ao trabalho escravo ou, como convertidos das missões jesuíticas, trabalhavam por pouca recompensa.” Os holandeses passam a interferir no comércio de açúcar e de escravos, e com isso a mão de obra africana e afro-brasileira chega a 100% em 1640.

Carlos Julião - Serro Frio, 1780 - Foto: Reprodução
Carlos Julião, Serro Frio (1780) – Foto: Reprodução

Quando a produção do açúcar brasileiro entra em decadência, em meados do século 17, a Coroa decide investir em outra atividade rentável no Brasil. Os bandeirantes passaram a adentrar o interior e encontram ouro em Minas Gerais, provocando um grande afluxo de pessoas para a região em busca de riqueza. Muitos brasileiros conseguiram enriquecer nesse período, mas grande parte dos metais preciosos encontrados foi entregue à Coroa Portuguesa na forma de impostos. Além das mudanças na parte econômica e social, a corrida do ouro também influenciou a pintura, a escultura, a arquitetura e a literatura. Nesse período, o Brasil era retratado como “uma terra rica em pedras preciosas, o que resultou em representações que mostravam o país como um Eldorado tropical”.

Quando dom João VI chegou ao Rio de Janeiro, em 1808, e abriu os portos ao comércio exterior, viajantes estrangeiros puderam chegar ao Brasil e fazer relatos sobre o País, como o pintor Jean-Baptiste Debret e a escritora Maria Graham. “Curiosamente, a imagem do Brasil produzida pelos próprios brasileiros recebeu bem menos atenção crítica. Isso pode explicar por que muitos de meus colegas e amigos brasileiros supunham que eu estivesse tratando exclusivamente de olhar estrangeiro ou ‘imperial’. Meu propósito, no entanto, é concentrar-me nos materiais brasileiros, mostrando ocasionalmente a relação entre os imaginários local e estrangeiro”, diz Darlene, em trecho do livro.

Após a proclamação da Independência do Brasil, em 1822, é buscado um símbolo para representar a nação recém-formada. Para isso, é escolhida a figura do índio, que, apesar de ter morrido ou fugido para o interior, começa a aparecer em livros de escritores estrangeiros, como Almeida Garret e Ferdinand Denis. Romancistas urbanos e autores “regionais” também tentaram criar uma literatura nacional. “No final do século 19, a imagem literária da nação estava dividida (ainda que de forma irregular) geograficamente. Por um lado, havia obras de circulação limitada sobre o interior brasileiro, com sua flora e sua fauna ‘exóticas’ e tipos regionais como fazendeiros e comerciantes, tropeiros e bandidos. Por outro lado, havia os livros mais divulgados sobre a cidade e a classe média urbana.”

Nessa época, os negros dificilmente tinham algum papel e, quando apareciam, eram retratados como escravos. A situação muda com os ideais abolicionistas e o escravo passa a ser uma “metáfora de uma nação ansiosa por conquistar sua liberdade frente à monarquia imperial”.

No início do século 20, é possível ver indícios de um Brasil modernista, que fica ainda mais evidente com a Semana de Arte Moderna de 1922. O estilo foi consagrado com a construção de Brasília, idealizada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que se tornou a capital do País. O século 20 ainda é marcado pela “política de boa vizinhança” que propiciava trocas culturais, principalmente com os Estados Unidos, e Carmen Miranda torna-se referência em Hollywood como um ícone latino. “Como a atração pelos índios, que pareciam exóticos aos olhos dos colonizadores europeus, a atração por Carmen Miranda estava baseada não naquilo que ela dizia, mas no espetáculo da sua personagem.”

O cinema brasileiro começa a ganhar destaque e mostrar uma imagem de um País mais pobre e com situações dramáticas. Filmes como O Cangaceiro (1953), que retratam a seca do Nordeste e cenas com bandidos usando armas e chapéus, chamam a atenção de críticos estrangeiros ao mostrar a imagem de um Brasil mais violento, que aparecerá depois em filmes como Cidade de Deus (2002) e Ônibus 174 (2002).

20161013_brasil_imaginado4“É impossível predizer o que poderá acontecer com uma nação que ainda é referida como ‘País do futuro’; no entanto, uma análise dos modos como a nação tem sido representada ao longo dos séculos deveria proporcionar-nos um entendimento melhor do imaginário que deu forma ao Brasil e poderá continuar formando o País nas décadas vindouras”, escreve a autora.

O livro Brasil Imaginado – De 1500 até o presente, de Darlene J. Sadlier, será lançado no dia 14 de outubro, sexta-feira, em dois eventos promovidos pela Editora da USP (Edusp) e pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP: às 16 horas, no Auditório do Sistema Integrado de Bibliotecas (Sibi) da USP, Darlene J. Sadlier fará palestra sobre o livro e, às 18 horas, haverá sessão de autógrafos na Livraria João Alexandre Barbosa. Entrada grátis. O Auditório do Sibi e a livraria ficam no Complexo Brasiliana (rua da Biblioteca, s/n, na Cidade Universitária, São Paulo). Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3091-4156.

 


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