“Fake news” são desafio para a democracia hoje, diz Jean-Yves Mollier

Historiador francês fez conferência no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP no dia 25 de abril

 26/04/2018 - Publicado há 6 anos
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A conferência do historiador francês Jean-Yves Mollier na USP – Foto Marcos Santos/USP Imagens

A ascensão das fake news na internet, através das redes sociais, é o grande desafio que a democracia terá de enfrentar na atualidade. Foi o que afirmou o historiador francês Jean-Yves Mollier, professor da Universidade de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines, na França, durante o seminário Imprensa e Poder: Do Caso Dreyfus aos Conglomerados Midiáticos, realizado no dia 25 de abril, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. O evento contou com a mediação da professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e colunista da Rádio USP Marisa Midori. “Nada nos impede de pensar que a internet poderá dar origem a uma forma de expressão capaz de alimentar profundamente o debate democrático, mas desejamos que esta não chegue quando for tarde demais, que se antecipe ao momento em que o cérebro disponível para o debate democrático não tenha desaparecido completamente”, disse o historiador.

Mollier discutiu a invasão das fake news nas democracias tendo como ponto de partida o caso de Alfred Dreyfus, oficial judeu do Exército francês, que foi acusado e condenado injustamente por espionagem, em 1894. “Se eu escolhi, hoje, começar minha intervenção com uma apresentação do caso Dreyfus, que abalou a França no final do século 19, é porque durante essa grave crise política a imprensa desempenhou um importante papel na produção, e mesmo na manipulação deliberada, da opinião pública”, disse Jean-Yves Mollier.

Jean-Yves Mollier: ascensão das fake news é o grande desafio das democracias modernas – Foto Marcos Santos/USP Imagens

Mollier lembrou que, no caso Dreyfus, o Exército francês enfrentou um impasse, pois havia apenas duas opções a seguir: assumir o erro, liberando o inocente e prendendo o verdadeiro culpado da espionagem, Ferdinand Esterházy, ou mentir ainda mais, fazendo a popularidade do Exército despencar.

Quando finalmente Alfred Dreyfus foi inocentado, as instituições que estavam envolvidas no processo não foram responsabilizadas. E assim se passou um século até que, “depois de muito tempo, após a morte de seus protagonistas, o Exército e um grande jornal foram levados a afirmar publicamente seu erro”.

O historiador mencionou também o caso Panamá, ocorrido em 1888. Nele, financiadores judeus foram acusados pelo que foi considerado o maior escândalo de corrupção monetária do século 19. No entanto, o culpado era Ferdinand de Lesseps, diplomata e empresário francês, que sequer foi condenado.

Jean-Yves Mollier comentou como as falsas notícias reinaram na França e culminaram no apoio geral ao extremismo. Nem os intelectuais se livraram dessa onda da desinformação, como ocorreu com o romancista Paul Miomandre, que em meados do século 20 relatou ao escritor e crítico Paul Léautaud o boato do assassinato de um padre catalão, que teria sido cometido pela dirigente do Partido Comunista Espanhol, Dolores Ibárruri, conhecida por “La Passionaria”.

A professora Marisa Midori, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, foi a mediadora do encontro  – Foto Marcos Santos/USP Imagens

“Se dois escritores cultos e inteligentes puderam concordar em validar tal boato, o que se poderia esperar dos leitores da grande imprensa, a quem repórteres descaradamente diziam ter assistido às cenas que relatavam?”, desaba Mollier. Trazendo para a contemporaneidade, o historiador recordou o fato de que Donald Trump conseguiu, mesmo com 3 milhões de votos a menos que Hillary Clinton, ser eleito “utilizando-se de repetidas denúncias sobre como ela seria o pior perigo que seu país poderia ter em seu horizonte”.

 

 


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