Ex-alunos lembram a trajetória e as histórias de Antonio Candido

Evento na USP reuniu professores para recordar a atuação docente do professor, que morreu em 12 de maio

 30/05/2017 - Publicado há 7 anos
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O evento em homenagem a Antonio Candido, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Na sexta-feira, 26 de maio, docentes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP estiveram diante de um auditório lotado relembrando os tempos de estudante e as histórias vividas com Antonio Candido, que faleceu em 12 de maio, aos 98 anos.

O evento Homenagem a Antonio Candido: o Professor em Sala de Aula aconteceu no auditório Nicolau Sevcenko e foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Pensamento e Política Brasileira. Professores aposentados e da ativa do curso de Letras foram convidados a partilhar relatos pessoais das experiências ao lado do mestre. Fizeram parte da mesa Berta Waldman, Maria Augusta Fonseca, Salete Cara, Davi Arrigucci Junior, José Miguel Wisnik e Roberto Schwarz.

Mesa de convidados do evento Homenagem a Antonio Candido: o Professor em Sala de Aula – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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A diretora da faculdade, professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, aproveitou a ocasião para anunciar que o prédio de Letras da instituição receberá o nome de Antonio Candido. De acordo com Maria Arminda, a cerimônia oficial de batismo acontecerá em breve, numa data em que os familiares do professor possam comparecer.

Roberto Schwarz foi o responsável por começar os relatos. Em sua fala, destacou a atuação institucional do Professor Emérito.

“Antonio Candido explicava a Walnice Nogueira Galvão e a mim, que éramos seus assistentes, seus planos para o Departamento de Teoria Literária, que estava começando. Dizia a Walnice, que sabia bem o inglês, que ela poderia acompanhar de perto a crítica norte-americana e inglesa, enquanto eu, que sabia alemão, acompanharia a discussão alemã e ele ficaria com a parte italiana e francesa. Assim, nosso departamento estaria a par dos desenvolvimentos da crítica em quatro países capitais ou, em outras palavras, ficaria atualizado com o estado da arte no mundo.”

Roberto Schwarz: a noção de que a Universidade se insere num processo internacional – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Schwarz continou sua explanação refletindo sobre esse ato de Candido. “Acho essa história significativa. Estão aí a valorização do trabalho coletivo e planificado, a noção de que a Universidade se insere num processo internacional e que é preciso vencer a nossa situação de retardatários. Tudo ideias novas e avançadas. Estou falando dos anos 60 do século passado, quando a luta contra o subdesenvolvimento estava na ordem do dia. Tratava-se de superar certo provincianismo dos departamentos de Letras, onde os estudos literários se faziam em âmbito absurdamente limitado, sem abertura para o pensamento contemporâneo.”

Já Berta Waldman relembrou as impressões do professor dentro da sala de aula, em sua relação com os estudantes. “Conheci Antonio Candido em 1962. Nesse ano, ele foi meu professor na disciplina de Teoria Literária na USP. A cordialidade, a inteligência, o senso de humor, a clareza e a humanidade eram traços que caminhavam juntos nele. Apesar de extremamente erudito, sua fala requintada, porém simples e direta, correspondia ao desejo de ser entendido. As aulas sempre claras eram uma forma de respeito ao aluno, pois o que dizia não era para ser um privilégio, mas um bem comum.”

Berta Waldman: o que Candido dizia não era para ser um privilégio, mas um bem comum – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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As mesmas características foram destacadas por Maria Augusta Fonseca, que conheceu Antonio Candido em 1973, durante o curso de Fundamentos de Análise Literária. “Sua clareza expositiva transformava o que era complicado em compreensão factível. Um dever, uma exigência, como se procurasse um modo de socializar o seu saber. O vocabulário versátil, talhado pela palavra justa, era miudado quando percebia não ser acessível. Tudo o que obscurecia a compreensão era aclarado, enriquecendo o repertório do ouvinte.”

Maria Augusta Fonseca: “Para alguém como eu, materialista, Antonio Candido era contraditoriamente quase eterno” – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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A postura em sala de aula também foi tema da intervenção de José Miguel Wisnik. De forma bem-humorada, ele narrou o primeiro encontro com Candido, que aconteceu fora dos protocolos do reino acadêmico.

“Era o ano de 1967, quando entrei na faculdade. Eu e um colega do primeiro ano resolvemos ir ver uma aula de Antonio Candido na pós-graduação. Um pouco enxeridos, querendo ir além das próprias pernas naquele momento, movidos pelo desejo de conhecer esse professor do qual sempre falaram. Durante a aula, o professor percebeu aqueles dois rapazes e perguntou quem éramos e o que fazíamos ali. A essa altura, eu já estava realmente iluminado com aquela elegância expositiva. E foi com essa elegância e com certo humor que ele perguntou quem éramos. Eu imediatamente me intimidei, mas meu colega, de maneira muito desenvolta, disse: ‘Nós acabamos de entrar na faculdade e viemos porque o senhor é muito conhecido, o senhor, professor, é muito famoso’. E o professor respondeu: ‘Olha, tem um Antonio Candido aí do qual falam, existe um Antonio Candido que circula por aí. Não sou eu’. Imediatamente, essa foi uma lição.”

José Miguel Wisnik: “É como se fosse uma norma própria jamais citar a si mesmo” – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Em outro momento, Wisnik recordou novamente a modéstia do professor, observando-a no método com que conduzia as aulas. “É como se fosse uma norma própria, jamais citar a si mesmo, jamais citar um único de seus textos, como se eles não existissem. Mas isso funcionava como uma espécie de presença espectral, por ausência.”

Salete Cara também ponderou sobre os métodos de ensino de Candido, elogiando a postura cuidadosa e democrática com que discutia os referenciais teóricos com os estudantes. “Ele se empenhou em formar alunos para a pesquisa e a docência, na universidade ou na escola pública, mas sem a tutela de esquemas teóricos e métodos críticos com pretensão de brigar por si mesmos, descolados dos problemas do chão prático expostos na forma literária.”

Salete Cara: “Ele se empenhou em formar alunos sem a tutela de esquemas teóricos e métodos críticos com pretensão de brigar por si mesmos” – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Foi Davi Arrigucci Junior quem sintetizou a amplitude da influência de Antonio Candido sobre seus estudantes. Para além da sala de aula, o método e as ideias de Candido acompanharam Arrigucci até a maturidade da sua própria atuação acadêmica.

“Eu fui aluno dele num curso chamado Estudo Analítico do Poema, que era um estudo da poesia em geral, mas baseado na obra do Manuel Bandeira. Isso me marcou tão profundamente que muitos anos depois, em 1990, quando eu publiquei um texto sobre Manuel Bandeira, que era a minha livre-docência, já na faculdade, tive a impressão de que eu estava entregando ainda o trabalho de aproveitamento daquele curso. As questões que tinham surgido e a modificação que aquilo tinha dado na minha vida estavam ali representadas.”

Davi Arrigucci Jr: trajetória acadêmica marcada pelo trabalho de Candido – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Para além da influência intelectual, todas as falas revelaram o carinho que os convidados sempre cultivaram pelo professor. Relatos de encontros cotidianos, conversas familiares e momentos de descontração apresentaram ao auditório lotado o homem escondido pelo mito. A junção do afeto com a presença constante de Candido na vida de cada um, seja através do convívio ou dos ensinamentos, foi resumida pelas palavras de Maria Augusta Fonseca:

Para alguém como eu, materialista, Antonio Candido era contraditoriamente quase eterno.

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