Especialistas do Brasil e do exterior discutem na USP o futuro da Palestina

Jornalistas e autoridades na questão palestina participaram do seminário “Perspectivas sobre a Palestina”, realizado no dia 6 de dezembro na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

 08/12/2016 - Publicado há 7 anos
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No dia 6 de dezembro, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP recebeu o seminário internacional Perspectivas sobre a Palestina em um Oriente Médio em Transformação. A conferência foi desenvolvida e organizada em conjunto pelo jornal Middle East Monitor, a fundação Common Action Forum, o Centro de Estudos Árabes da FFLCH e o Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP. Durante o dia de palestras e debates, foram levantadas questões referentes ao povo palestino, a relação com sua terra sagrada, os israelenses e os demais agentes geopolíticos.
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Foto: Marcos Santos/USP Imagens
O seminário Perspectivas sobre a Palestina em um Oriente Médio em Transformação, realizado na USP, no dia 6 – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Além dos debates abertos promovidos com o público do seminário, três mesas-redondas foram realizadas com a presença de nomes do jornalismo especializado e autoridades ligadas à chamada q
uestão palestina. A primeira delas, iniciada às 10 horas, tinha como mediador Daud Abdullah, diretor do Middle East Monitor, e trazia como palestrantes o professor Nur Masalha, da Universidade St. Mary, no Reino Unido, o jornalista Ben White e a professora Arlene Clemesha, da FFLCH. Sob o tema Uma descolonização incompleta: reinstaurando a palestina na agenda mundial, os conferencistas trouxeram suas visões sobre o processo colonizatório promovido pela força israelense e as reações viáveis do povo palestino.

À tarde, o público acompanhou a exibição do filme As 18 Fugitivas, uma animação palestina lançada em 2014, dos diretores Amer Shomali e Paul Cowan. O longa, que foi indicado neste ano ao Oscar de melhor filme estrangeiro, conta a história de palestinos que, a fim de burlar a hegemonia de uma empresa israelense, decidem produzir leite e compram, para tanto, 18 vacas. A narrativa se passa na Cisjordânia de 1987, às vésperas do primeiro levante, e a atitude dos palestinos acaba sendo vista como uma ameaça ao Estado de Israel por conta da “dependência” que a população desenvolve pelo leite. O filme usa animações e charges adicionadas a conteúdo documental para criticar Israel e denunciar a dura realidade do povo palestino.

Às 15 horas, foi iniciada a segunda mesa-redonda, mediada por Soraya Misleh, doutoranda pela USP, com os palestrantes Cecilia Baeza, Ph.D. em Relações Internacionais pela Sciences Po Paris (França), Pedro Charbel, coordenador latino-americano do Comitê Nacional Palestino do Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BNC), e Shajar Goldwaser, israelense radicado no Brasil e membro da Global Jewish Network for Justice (Sedq). Nessa conferência, nomeada O papel da sociedade civil na busca da autodeterminação palestina, a mediadora Soraya discursou sobre o “apartheid institucionalizado” em curso no Médio Oriente e defendeu a importância do comprometimento de todos os setores da sociedade com a causa palestina.

Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A vida e as perspectivas do povo palestino foram tema do seminário – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Cecilia Baeza focou sua fala na importância das revoluções árabes para a emancipação do povo palestino, enquanto Charbel discursou sobre os acordos de paz firmados com o Estado de Israel, principalmente os de Oslo, mediados pelos Estados Unidos, e a interferência do estado de guerra na vida dos jovens palestinos. Já Goldwaser, representante judeu na mesa, criticou a hegemonia de judeus europeus na elite econômica israelense e reafirmou a existência de grupos judaicos que apoiam a causa palestina.

Às 17h30, teve início a terceira mesa-redonda, mediada pelo professor Felipe Loureiro, do IRI, que contou com a participação de Wadah Khanfar, ex-diretor geral da Al Jazeera Media Network, cargo que exerceu durante cinco anos, o professor Christian Dunker, psicanalista do Departamento de Psicologia Clínica da USP, e Hussein Kalout, professor de Relações Internacionais e pesquisador do Centro de Estudo do Oriente Médio da Universidade de Harvard.

Wadah Khanfar usou seu espaço para relatar, de maneira biográfica, sua experiência como alguém que nasceu e viveu na Palestina até os 18 anos de idade. Ele começou seu relato contando que uma de suas mais antigas memórias sobre a ocupação militar da Palestina era ver seu pai chorando. Segundo Khanfar, seu pai chorava porque seria obrigado a pagar aos militares um aluguel sobre as terras de seu avô, para que sua família continuasse morando ali. Foi nesse momento que Khanfar tomou ciência das injustiças do mundo, disse. “Como podia meu pai ser obrigado a pagar para viver e plantar em sua própria terra?”

Wadah Khanfar - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Wadah Khanfar, ex-diretor geral da emissora de TV árabe Al Jazeera – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Ele continuou seu relato afirmando que, durante suas viagens como jornalista, conheceu realidades muito próximas à da Palestina ao redor do mundo: no Iraque, na Jordânia, na África do Sul, o desejo pela libertação era pungente. Khanfar contou que, na África do Sul, ao ver Nelson Mandela ser eleito presidente, recuperou parte de sua fé. “Chorei como meu pai, mas de esperança”, revela. “Com o povo sul-africano e o presidente Mandela, aprendi muitas e muitas lições.” A principal lição que aprendeu, como contou ao público, é que, ao se esforçar para libertar seu povo, não se deve focar somente no oprimido, mas também no opressor. “Porque enquanto o opressor conduz a opressão, ele está se desumanizando, ele perde parte de sua personalidade. Ele está transformando sua sociedade numa comunidade opressora e desumana. Ele deixa de ser humano e passa a ser um fantasma miserável”, concluiu.

Dunker, aproximando o tema de sua especialidade, discorreu sobre o sofrimento e suas narrativas. Trouxe também um caso clínico real de um psicanalista judeu que atendeu, por um período, um paciente palestino. A queixa clínica do paciente era que se sentia um “lobo solitário” de quem ninguém gostava, se apaixonava por jovens judias que não o notavam. O professor narrou então os paradoxos enfrentados pelo analista, que não entendia por que o paciente continuava comparecendo às sessões, e, como judeu, temia pela sua segurança.

Kalout focou sua apresentação nas relações geopolíticas palestinas, principalmente com os países do Golfo Pérsico, em especial o Irã. Ele encerrou sua fala declarando sua falta de perspectiva para um desfecho pacífico e satisfatório para a questão palestina, que, para ele, deve culminar na indexação por parte de Israel e a inevitável ruptura com o modelo ideal de dois Estados distintos.


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