Carlos Guilherme Mota realiza conferência na USP

Cofundador e primeiro diretor do Instituto de Estudos Avançados fala sobre sua obra no dia 12 de junho

 08/06/2017 - Publicado há 7 anos
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O Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Carlos Guilherme Mota – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Carlos Guilherme Mota retorna ao Instituto de Estudos Avançados (IEA) na próxima segunda-feira, dia 12 de junho, às 15 horas. Um dos fundadores do instituto e seu primeiro diretor, Mota apresenta a conferência Formas de Pensamento, Ideologias e Mentalidades. O historiador discorre sobre pontos centrais de seu trabalho, que inclui obras como Atitudes de Inovação no Brasil, 1789-1801 (1970), Ideologias da Cultura Brasileira (1977) e História do Brasil: uma Interpretação (2008).

Mota foi professor de História Contemporânea da FFLCH e atualmente leciona História da Cultura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Dirigiu o IEA entre 1986 e 1988 e assumiu a direção da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin durante quatro meses de 2014.

Em seu apartamento, Mota recebeu o Jornal da USP para uma conversa sobre sua trajetória, o IEA e a Faculdade de Filosofia – ele detesta a sigla FFLCH. “É um nome idiota. Nome de bolacha.”

“Queria ser filósofo”

A relação de Carlos Guilherme Mota com a USP começa por seu pai, que veio para São Paulo e cursou História na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A carreira do pai não foi tão decisiva para a escolha profissional de Mota, que chegou ao curso de História por meios mais materialistas. “Na verdade, eu queria ser filósofo, mas tinha pouca aula para dar. Daí eu vi que na História também daria para fazer filosofia. E por aí entrei no estudo das mentalidades.”

O interesse pelas formas de pensamento, tema da conferência no IEA, surgiu cedo nos estudos do professor. “Eu estava insatisfeito com os cursos de História, muito historicistas, história factual. E tive um ou dois professores importantes que abriram muito os horizontes, como a Emília Viotti da Costa e o Fernando Novais.”

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Eu queria ser filósofo, mas tinha pouca aula para dar. Daí eu vi que na História também daria para fazer filosofia”

A partir dessas influências e inquietações, surgiram as questões que dominariam a trajetória acadêmica e intelectual de Mota. “Como é que pensa o Euclides da Cunha? Como é que pensa o Gilberto Freyre, o Sérgio Buarque de Holanda? Como é que pensa o editorial da Folha, quem faz o editorial do Estadão? Que capital está falando? Qual a diferença entre o capital da Folha e o capital do Estado?”, indaga o professor, recordando os interesses que nortearam suas obras.

Foi levado por questões dessa natureza que Mota publicou em 1970 Atitudes de Inovação no Brasil, 1789-1801, no qual estudou as ideias de revolução da colônia. Lançado primeiro em Portugal, o livro precisou ter seu título alterado, já que o original Ideia de Revolução no Brasil não foi aceito. “Não tem revolução na colônia. A colonização é uma coisa pacífica”, relembra Mota sobre os argumentos dos editores portugueses.

“Caráter nacional brasileiro”

Das revoluções, Mota passaria à análise dos “explicadores” do Brasil, como gosta de chamar intelectuais como Caio Prado Jr., Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. De acordo com o próprio professor, o interesse que o levou a escrever sua obra mais polêmica, Ideologias da Cultura Brasileira (1933-1974), surgiu com o presidente-general da ditadura civil-militar Ernesto Geisel.

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Houve uma pessoa chamada Ernesto Geisel que falava em seus discursos sobre o caráter nacional brasileiro. Que diabo de caráter é esse? Do que estamos falando?”

“Houve uma pessoa chamada Ernesto Geisel que falava em seus discursos sobre o caráter nacional brasileiro. Que diabo de caráter é esse? Do que estamos falando? Cultura brasileira. Que cultura é essa? A minha cultura é uma, a sua é outra, a da minha filha é outra. Que brasileiro é esse? Não há o povo brasileiro. Aí fui ver como pensam essas figuras que são os ‘explicadores’ do Brasil. Eles que nos explicam, dizem quem somos. O que estão explicando de mim?”

A partir daí, Mota desenvolve sua abordagem revisionista desses autores, inspirado no historiador José Honório Rodrigues e em Raymundo Faoro, jurista, historiador e sociólogo. O professor relembra uma passagem de Os Donos do Poder, obra de Faoro publicada em 1958, que resume o objeto de sua pesquisa. “Dada a persistência do estamento burocrático na história do Brasil, ao longo de seis séculos, jamais emergiu a genuína cultura brasileira.”

“Expressão do pensamento radical de classe média”

Tanto Atitudes de Inovação no Brasil quanto Ideologias da Cultura Brasileira foram gestionadas na FFLCH. A primeira é a dissertação de mestrado de Mota, enquanto a segunda é sua tese de livre-docência. Essas obras são apenas dois momentos de destaque na relação do professor com a “Faculdade de Filosofia”, da qual fala com paixão.

“Como Antonio Candido dizia, a Faculdade de Filosofia era a expressão do pensamento radical de classe média”, comenta Mota sobre as origens da instituição. “Não chega a ser revolucionária, mas é radical, no sentido dos jacobinos da Revolução Francesa. Valor do Estado, formação de quadros para a escola pública. A ideia da faculdade era formar sociólogos, antropólogos, historiadores, geólogos para as escolas públicas, para inchar a escola de professores críticos, com o pensamento radical de classe média.”

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O pecado capital da faculdade é não ter uma preocupação constante e permanente em formar quadros para a escola pública.”

Nesse processo, Mota identifica o que chama de “traição dos filhos da burguesia”, referindo-se à adesão a novas ideias de estudantes vindos de famílias tradicionais. “Ainda com algumas raízes na terra, nas fazendas, esses filhos foram indo para a esquerda ou para o pensamento crítico. Era o núcleo da formação de um pensamento radical de classe média. Isso está dito no Ideologias da Cultura Brasileira”, reflete.

Quando pensa nos rumos que a FFLCH tomou, Mota defende a retomada da preparação de professores para o ensino fundamental e médio, que sente ter sido abandonada. “O pecado capital da faculdade é não ter uma preocupação constante e permanente em formar quadros para a escola pública.”

“Resgatar a memória da Faculdade de Filosofia”

Foi levado pelo espírito e vocação que animavam a antiga Faculdade de Filosofia que Mota e outros professores se reuniram em 1986 e, durante a gestão do reitor José Goldemberg, fundaram o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. “O IEA foi criado como um espaço aberto, transdisciplinar, para reelaborar e resgatar a memória da Faculdade de Filosofia, que continuava sob a direção de figuras de direita, que tinham medo de comunistas embaixo da cama”, relembra Mota.

Dentre os acadêmicos que participaram do IEA vindos da FFLCH em busca de novas possibilidades, o professor lembra de nomes como Alfredo Bosi, Aziz Ab’Saber, Eunice Durham, Brasílio Sallum e Gabriel Cohn. “Nossa faculdade estava fragmentada e afogada. O que não se podia fazer nos seus departamentos, por causa de uma direita, fomos fazer no instituto.” Os exemplos que serviram de inspiração para a nova empreitada vieram da Casa de las Americas de Cuba, do Collège de France, do Colegio de Mexico, da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, dos Institutos de Estudos Avançados de Princeton e Berlim e do Centro de Estudos Sociais de Moçambique.

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Nossa faculdade estava fragmentada e afogada. O que não se podia fazer nos seus departamentos, por causa de uma direita, fomos fazer no instituto”

Refletindo sobre as inovações trazidas pelo IEA, Mota destaca três ações que teriam sido responsáveis por quebrar paradigmas dentro da Universidade. “A primeira é chamar gente de fora da USP. A outra é não precisar ter título de catedrático ou de titular para ser membro do instituto. E a terceira foi pagar bem [para os convidados]. O Goldemberg falou: “Temos que pagar bem, para dar referência ao País.”

Mota foi escolhido para dirigir o recém-fundado IEA e ficou à frente da instituição até 1988. De sua nomeação, lembra o questionamento feito a Goldemberg sobre a presença de um historiador no cargo. “Nós precisamos é de historiador para reorientar o País, ele disse. Eu senti uma barra de responsabilidade.”
A conferência Formas de Pensamento, Ideologias e Mentalidades, de Carlos Guilherme Mota, acontece no dia 12 de junho, segunda-feira, às 15 horas, na Sala de Eventos do IEA. O endereço é Rua da Praça do Relógio, 109, 5º andar, na Cidade Universitária. O evento é gratuito e aberto ao público, com inscrição prévia através do site www.iea.usp.br. Mais informações em (11) 3091-1686.


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