Artistas expõem a violência da ditadura no passado e no presente

Memorial da Resistência apresenta mostra que instiga a reflexão sobre a realidade política e social da América Latina

 01/11/2017 - Publicado há 6 anos
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Memória do Esquecimento: As 434 Vítimas, 2017, de Fulvia Molina – Foto: Joca Duarte

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O passado e o presente da violência da ditadura estão registrados nas fotos, instalações, vídeos e esculturas expostos no Memorial da Resistência, em São Paulo. São oito artistas do Brasil, Alemanha, Argentina e Chile: Andreas Knitz, Clara Ianni, Fulvia Molina, Horst Hoheisel, Jaime Lauriano, Leila Danziger, Marcelo Brodsky e Rodrigo Yanes. Os trabalhos resultam das pesquisas que eles desenvolvem sobre o tema da memória, os resultados das Comissões da Verdade e a continuidade de violações no mundo contemporâneo.

Pega Vareta, 2017 – Horst Hoheisel – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Sob a curadoria de Márcio Seligmann Silva, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a mostra Hiatus: a Memória da Violência Ditatorial na América Latina aponta para a continuidade dos dramas sociais e políticos. Integra um projeto que vem promovendo seminários e debates com o apoio e participação do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e do Instituto Goethe.

Não é telefone, 2017, de Fulvia Molina – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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“São muitas as reflexões que esperamos desdobrar a partir desta exposição. Além do aspecto eminentemente civil da ditadura, queremos iluminar também as continuidades da violência”, observa o curador. “Não se trata de acreditar que a violência brasileira ou latino-americana se dá apenas nos hiatos das ditaduras. Vide o caso recente do assassinato político de Santiago Maldonato, na Argentina”, exemplifica o curador. “No Brasil, temos o caso Amarildo, uma das milhares de vítimas da política de terrorismo de Estado e de genocídio dos negros”, acrescenta Seligmann, referindo-se a Amarildo Dias de Souza, servente de pedreiro que desapareceu em 14 de julho de 2013, após ser levado por policiais militares da porta da sua casa, na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do bairro.
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As ditaduras são momentos de radicalização desse estado contínuo de violência.

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Seligmann explica que a obra de Jaime Lauriano propõe a reflexão sobre a continuidade do genocídio de afrodescendentes no Brasil. “O trabalho de Leila Danziger também vai nesse sentido, de um modo muito delicado, articulando a violência e a censura da ditadura, com o nosso presente. Nesse sentido, pensamos que o ‘hiato’, como suspensão dos direitos, faz parte intrinsecamente de nossa história política. As ditaduras são momentos de radicalização desse estado contínuo de violência.”

Oito artistas participam da mostra com vídeos, instalações e esculturas, sinalizando a nova arte da memória – Foto Cecília Bastos / USP Imagens

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O curador esclarece que os artistas tiveram total liberdade de formular e realizar suas obras, cada um a seu modo. “Meu trabalho como curador foi muito mais de orquestrar esse coro, que é também um coro de vozes dissonantes, o que é muito bom. Vemos agora uma exposição feita de diferentes leituras do que seria processar mnemonicamente e artisticamente hoje aquele passado.”

Cama-Mesa. 2017, Rodrigo Yanes – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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O nome da mostra, Hiatus, segundo esclarece o curador, remete às noções de falta, lacuna, interrupção, abismo. “Ao propor uma exposição voltada para a memória das ditaduras na América Latina, calcada nesse universo semântico, enfatizamos tanto o fato de que essas ditaduras representaram rupturas históricas como também que elas constituem uma falta, um vazio dificilmente simbolizável.”
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A memória é ato, ação que se dá no presente e se articula às políticas do agora.

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A exposição sinaliza, segundo Seligmann, um novo tempo no movimento artístico do País. Ou nova arte da memória, que trava o desafio de lutar contra a política do esquecimento e do apagamento da memória da violência. “Se, durante o período ditatorial, alguns artistas brasileiros resistiram com muitas obras importantes, no tempo pós-ditadura eles, com raras exceções, voltaram-se mais para poéticas formalistas ou para outras agendas temáticas”, afirma. “No entanto, desde 2013-2014 essa paisagem tem se modificado.” O curador aponta para a nova linhagem de produção pós-relatório da Comissão Nacional da Verdade, que resgata o passado ditatorial hoje. “A memória é ato, ação que se dá no presente e se articula às políticas do agora.”

Memorial da Resistência: entrada gratuita – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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A exposição Hiatus: a Memória da Violência Ditatorial na América Latina está no Memorial da Resistência de São Paulo, no Largo General Osório, 66, Luz, de quarta a segunda-feira, das 10 às 18 horas, com entrada franca. Até 13 de março de 2018.
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